Opinião

Dia da Europa: o imperativo estratégico de alargar e reformar a União Europeia

Dia da Europa: o imperativo estratégico de alargar e reformar a União Europeia

Andreia Soares e Castro

Professora de Relações Internacionais no Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas da Universidade de Lisboa

Passados 73 anos da Declaração Schuman, que deu início ao projeto de paz que hoje é a União Europeia, e perante uma guerra em solo europeu, que já dura há mais de 14 meses e que trouxe um novo impulso para o alargamento com os pedidos de adesão da Ucrânia, Moldova e Geórgia, é tempo de reformar a União e torná-la um ator mais estratégico na sua vizinhança

Hoje celebramos mais um Dia da Europa. As efemérides servem para fazer memória, e, neste caso, relembrar que há 73 anos (1950), após duas guerras mundiais, totalitarismos, o Holocausto, a ocupação de países soberanos, muita destruição e sofrimento, foi possível trazer a paz para dentro das fronteiras do projeto europeu, que se foi sucessivamente alargando, dos 6 membros nos anos cinquenta até chegar aos 27 atualmente, e aprofundando, dando forma à UE que hoje conhecemos: um espaço de liberdade, segurança e valores comuns.

O Dia da Europa serve também para reconhecer as vantagens da resposta coletiva aos desafios transnacionais como a pandemia, a crise económica, energética ou migratória, e para continuar a defender a paz na Europa, que nunca pode ser dada como garantida, como é aliás evidente desde que a Rússia iniciou uma invasão em larga escala da Ucrânia. Por isso, celebrar este projeto de paz ainda faz mais sentido hoje, assim como continuar a apoiar a luta da Ucrânia.

Mas o Dia da Europa deve ser ocasião também para pensar o futuro da UE, nomeadamente dar seguimento às candidaturas dos países vizinhos que almejam pertencer e beneficiar deste projeto de paz, que foi sempre e é um “clube” aberto. De facto, os valores da UE e a sua abertura histórica ao alargamento significam que a UE poderá eventualmente alargar-se a todos os países europeus que desejem aderir e que cumpram os critérios de adesão.

Os alargamentos sucessivos ajudaram a reforçar e a estabilizar a democracia, a segurança e a estabilidade da Europa, facto sublinhado aquando da atribuição do Prémio Nobel da Paz à UE em 2012. Daí o alargamento ter sido sempre considerado um dos instrumentos políticos mais eficazes da UE, capaz de transformar as instituições domésticas e as políticas públicas dos Estados candidatos, porque assente na perspetiva e na recompensa da adesão à UE.

Contudo, não há alargamento da UE desde 2013, apesar dos vários candidatos à adesão, como a Turquia (desde 1999) e os países dos Balcãs Ocidentais. Vai fazer 20 anos em junho que os líderes dos Estados-membros da UE reiteraram, em Salónica, o seu apoio inequívoco à perspetiva europeia dos países dos Balcãs Ocidentais e que o futuro destes países seria a integração na União. Destes países, apenas a Croácia conseguiu a adesão, em 2013.

A guerra na Ucrânia abriu o novo debate sobre o alargamento da UE com os pedidos de adesão da Ucrânia, da Moldova e da Geórgia, aos quais os líderes dos Estados-membros, em junho de 2022, responderam com a decisão histórica da atribuição do estatuto de país candidato aos dois primeiros e à Geórgia assim que sejam tratadas as prioridades especificadas no parecer da Comissão. Esta decisão reflete a importância do contexto e do apoio moral e material à Ucrânia, invadida pela Rússia, bem como aos países expostos à guerra híbrida russa. Daí o alargamento a estes vizinhos assumir um sentido geopolítico.

O mesmo se pode aplicar ao processo de adesão estagnado dos Balcãs Ocidentais, que também ganhou um novo sentido, pois importa garantir que estes países continuem orientados para a UE e para os seus valores, mantendo longe a influência de outros atores como a Rússia, a China ou a Turquia.

Mas se o alargamento da UE à Ucrânia, Moldova e Balcãs Ocidentais é do interesse estratégico vital a longo prazo para a UE, também é fundamental que a UE e os seus vizinhos estejam preparados, sendo crucial garantir que o alargamento não mine a unidade e a coesão da UE, mas a fortaleça e a torne um ator mais estratégico na sua vizinhança.

Já em 1993, ao mesmo tempo que definiam os critérios de adesão à UE, preparando o grande alargamento aos países da Europa Central e Oriental, os líderes dos Estados-membros reunidos em Copenhaga reconheciam que a capacidade da União para absorver novas adesões, mantendo simultaneamente a dinâmica da integração europeia, constituía também um importante fator de interesse geral tanto para a União como para os países candidatos. Por isso, nas anteriores vagas de alargamento, as reformas nos países candidatos foram sempre acompanhadas de reformas institucionais na UE.

Neste sentido, não é surpresa que a guerra na Ucrânia e o futuro alargamento tenham intensificado o debate sobre a necessidade de reforma da UE e do seu processo de tomada de decisões, pois uma UE alargada também tem de ser capaz de atuar. Tal implica reduzir o âmbito de aplicação da regra da unanimidade, tanto na política externa como noutros domínios, a fim de que sejam tomadas mais decisões por maioria qualificada. Implica ainda abordar questões difíceis sobre o orçamento da UE, a Política Agrícola Comum e a política de coesão, sendo que o alargamento da UE continua a ser um ponto de divergência entre os Estados-membros, que têm de aprovar a futura adesão por unanimidade e depois ratificá-la nacionalmente.

Perante a pressão crescente dos países candidatos, o alargamento aos países dispostos a cumprir os critérios, garantindo ao mesmo tempo os valores e a capacidade de ação da UE, o que implicará necessariamente reformas, é dos maiores desafios da UE e dos seus Estados-membros, mas é também do maior interesse estratégico, porque constitui um investimento na paz e estabilidade da Europa a longo prazo.

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