Internacional

Celebrar o Dia da Europa em tempo de guerra

Celebrar o Dia da Europa em tempo de guerra

Andreia Soares e Castro

Professora auxiliar de Relações Internacionais no Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas da Universidade de Lisboa

O dia 9 de maio, um dia simbólico para a Rússia, que assinala a capitulação da Alemanha nazi perante as tropas soviéticas em 1945, causou nos últimos dias muita especulação sobre a forma como seria celebrado e o que Vladimir Putin declararia. Andreia Soares e Castro defende que o dia 9 de maio é também um dia simbólico para a União Europeia, que neste tempo de guerra faz ainda mais sentido celebrarmos

Hoje é o Dia da Europa. Há 72 anos, a Declaração Schuman (1950) formalizou a reconciliação entre a Alemanha e a França, dois velhos rivais, dando início, com outros Estados que também se quiseram associar, a toda uma construção política sui generis assente em escolhas inéditas e ousadas, tais como a partilha de soberania e a procura de soluções coletivas para os problemas comuns, através de instituições supranacionais, do direito, da democracia e do comércio.

Existem múltiplas razões pelas quais devemos celebrar hoje a UE. Ao longo de décadas, gradualmente, essas escolhas proporcionaram muitos benefícios, como o mercado interno, o Espaço Schengen, o euro, o grande alargamento ao Centro e Leste da Europa e, sobretudo, a paz dentro das fronteiras da UE, tornando a guerra impensável entre os seus Estados-membros, hoje 27.

Costuma-se dizer que só damos real valor às coisas quando as perdemos. É assim com a saúde, a paz ou a segurança, às quais só damos importância quando não as temos e a maior parte do tempo não as valorizamos.

Depois de meses a lidar com uma pandemia, e, desde 24 de fevereiro, confrontados com uma guerra na Ucrânia, é hoje mais evidente a importância da pertença a um espaço de liberdade, segurança e valores comuns, assim como da escolha pelos Estados-membros da resposta coletiva, via UE, aos desafios transnacionais.

Ainda há não muito tempo assistimos à compra coletiva de vacinas pela Comissão Europeia, à criação do certificado europeu de vacinação ou à aprovação do Next Generation EU - um instrumento temporário concebido para impulsionar a recuperação das economias europeias pós-COVID-19, com o endividamento por parte da Comissão Europeia, em nome da UE, junto dos mercados financeiros - entre muitas outras medidas, exemplos do valor acrescentado da UE.

Também na resposta à invasão russa, a UE tem demonstrado unidade e força, seja na condenação diplomática ou no apoio humanitário, político, financeiro e material coordenado à Ucrânia e aos seus quase 6 milhões de refugiados.

Tal como já tinha acontecido na resposta à pandemia, foram adotadas medidas inéditas, como o financiamento, compra e envio de armas à Ucrânia - porque o Tratado da UE impede o orçamento comum de financiar operações e empreendimentos militares este apoio fez-se no âmbito do Mecanismo Europeu de Apoio à Paz, um instrumento extraorçamental. Foi também ativada, pela primeira vez, a Diretiva de 2001, que concede proteção temporária na UE a refugiados, permitindo aos Estados-membros gerirem de forma controlada e eficaz, no pleno respeito dos direitos fundamentais e das obrigações internacionais, os fluxos de pessoas deslocadas que fogem da Ucrânia.

A resposta da UE, tendo em conta os diferentes interesses nacionais dos 27, provou que a organização tem sido capaz de adaptar-se e reagir às necessidades. E se é certo que ainda não houve acordo sobre o embargo ao gás russo, a única forma de pressão económica significativa que a UE tem sobre a Rússia, por outro lado, é preciso ir ao encontro das preocupações nacionais e que os cidadãos continuem a legitimar as decisões dos Estados e compreendam os custos associados. É, de facto, muito importante corresponder às expectativas dos cidadãos e continuar a explicar que esta guerra não é apenas sobre o futuro da Ucrânia, mas também sobre a futura estabilidade da Europa, dos seus princípios e valores.

Independentemente do desenlace deste conflito, há agora uma maior consciência da ameaça, dos desafios geopolíticos e de segurança comuns, do entendimento dos limites da diplomacia e do soft power nessa resposta, e por consequência da necessidade de investir mais na segurança e defesa comuns, algo que já vinha sendo feito nos últimos anos, mas que agora se perspetiva que seja incrementado.

Há agora uma maior consciência de que a UE precisa de implementar medidas de fundo, sobretudo de médio e longo prazo, numa série de políticas para responder, entre muitos outros problemas e desafios, à dependência energética, à desindustrialização da Europa, às migrações e ao asilo, ou aos pedidos de adesão da Ucrânia, Geórgia e Moldova, uma vez que não existe um mecanismo de acesso rápido à UE.

Espera-se, pois, que os Estados-membros saibam corresponder às expectativas, necessidades e às propostas apresentadas pelos cidadãos europeus no âmbito da Conferência sobre o Futuro da Europa. Contudo, à luz do que tem sido o projeto europeu assente na lógica gradualista “dos pequenos passos”, não se esperem grandes revoluções, porque a UE é e será sempre aquilo que os Estados-membros quiserem que ela seja. A UE será sempre o resultado do compromisso possível entre diferentes ideias de União e de diferentes posicionamentos na e para com a UE e da negociação permanente entre todos.

Apesar das incoerências, das falhas, da imperfeição, só a integração num grande espaço como a UE concede a relevância necessária para influenciar o mundo globalizado, um mundo cada vez mais multipolar, conflituoso e menos livre. A UE continua a ser a melhor resposta aos desafios que enfrentamos. É por isso que faz sentido celebrarmos a UE.

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: clubeexpresso@expresso.impresa.pt

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