Opinião

Um ano de guerra na Europa: a necessidade de continuarmos unidos no apoio à Ucrânia

Um ano de guerra na Europa: a necessidade de continuarmos unidos no apoio à Ucrânia

Andreia Soares e Castro

Professora auxiliar de Relações Internacionais no Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas da Universidade de Lisboa

Passou um ano desde que a Rússia iniciou uma invasão em larga escala, trazendo um sofrimento atroz à Ucrânia e ao seu povo. Neste ano de guerra ficou patente o impasse inconciliável de visões, de diferentes ideias de Europa, bem como a dificuldade de alcançar uma paz justa e sustentada. Ficou evidente a importância da pertença à União Europeia e à NATO. Perante o arrastar do conflito, é crucial manter e reforçar a união entre os Estados-membros da UE e a coordenação entre os aliados na solidariedade para com o povo ucraniano

Diz-se que quando o primeiro-ministro britânico Harold Macmillan (1957-1963) foi questionado sobre qual era o maior desafio para um governante, ele respondeu: “Eventos, meu caro, eventos”. De facto, a política externa desenvolve-se como uma série de respostas a eventos, muitos deles imprevistos.

Passado um ano sobre o início da invasão da Ucrânia pela Rússia, foram múltiplas as respostas e a adoção de medidas inéditas, muitas delas poucas horas e dias depois, quer da parte dos Estados – algumas sinalizando mudanças históricas nas respetivas políticas externas e de defesa –, quer da parte de Organizações Internacionais como a UE e a NATO, que ganhou um novo sentido e vitalidade.

Por outro lado, ficou evidente o impacto local, regional e global do conflito: segundo a ONU, 40% dos ucranianos precisam de ajuda humanitária e já se contabilizam 8 mil mortos, para além dos milhares de feridos; há 8 milhões de refugiados espalhados pela Europa, um fluxo jamais visto desde a 2ª Guerra Mundial, e 5 milhões de deslocados internos; a destruição de muitas cidades e infraestruturas ucranianas; a perpetração de crimes de guerra, em suma, uma população em risco.

Compreende-se, assim, que a invasão da Ucrânia pela Rússia (uma potência nuclear) tenha marcado um ponto de viragem na tomada de consciência sobre a ameaça real da Rússia de Vladimir Putin, apesar dos precedentes da Geórgia, da Crimeia e do Donbass (Ucrânia), e que a resposta ocidental tenha sido robusta e firme contra a violação de valores e princípios fundamentais em que assenta a vida internacional, sempre com o cuidado de não escalar o conflito e evitar o confronto direto entre a NATO e a Rússia.

A guerra de agressão da Rússia trouxe também o debate sobre o mundo em que queremos viver, como melhor responder a uma ameaça para o longo prazo, evidenciou a necessidade de um maior e mais coordenado investimento em defesa, a importância da NATO como a principal responsável pela defesa europeia, bem como a relevância da pertença a um espaço de liberdade, segurança e valores comuns.

Como já referido, a invasão da Ucrânia provocou importantes mudanças nas políticas externas e de defesa da Alemanha, Finlândia e Suécia, que abandonaram as suas políticas históricas de não agressão e de neutralidade quando anunciaram o envio de armas para a Ucrânia; da Finlândia e Suécia, que pediram a adesão à NATO; da Suíça, que se associou às sanções económicas adotadas pela UE, e discute a revisão do seu estatuto de neutralidade.

Acresce que a Alemanha, abandonando décadas de relutância militar, anunciou o aumento do investimento na defesa, o que contribuirá para o alargamento e a modernização das forças armadas alemãs. Para além disso, suspendeu o gasoduto Nord Stream 2, abrindo a discussão sobre a necessidade da diversificação e segurança energéticas ao nível nacional, e em toda a UE, tendo em conta o problema da dependência energética em relação à Rússia.

A Dinamarca realizou um referendo que ditou a reversão da cláusula de isenção, que manteve o país afastado da Política Comum de Segurança e Defesa da UE durante 30 anos. Os governos da Polónia, da Eslováquia e da Hungria, conhecidos por terem uma política rígida de imigração e uma abordagem de realocação zero de refugiados vindos da Síria e do Afeganistão, alteraram as suas políticas de acolhimento, abrindo as fronteiras aos refugiados ucranianos.

Primeiro a Ucrânia, a seguir a Geórgia e depois a Moldova, formalizaram o pedido de adesão à UE, algo que já antes defendiam, demonstrando a atratividade da organização, a importância da pertença a um espaço de liberdade, segurança e valores comuns e que a escolha da ação coletiva face aos desafios transnacionais continua a fazer sentido e a ser válida.

É importante salientar que a resposta da UE, ao contrário do que sucedeu noutras crises, foi mais rápida e mais assertiva. A gravidade e excecionalidade da situação determinou a unidade dos Estados-membros ao nível coletivo da UE, respondendo através da adoção continuada de múltiplas medidas, como o apoio financeiro, diplomático, humanitário e militar à Ucrânia, com muito mais vigor que na resposta à anexação da Crimeia em 2014, ilustrado pelos vários pacotes de sanções à Rússia, tendo o 10º pacote sido recentemente aprovado.

Foram ainda adotadas medidas para combater a insegurança alimentar, como a implementação dos corredores solidários; para aumentar a segurança energética, como o plano REPowerEU; ou, em conjunto com outros países, para limitar o preço do petróleo com vista a controlar os aumentos de preços provocados por condições de mercado extraordinárias. De facto, desde o início da guerra, o comércio da UE com a Rússia diminuiu, assim como a dependência em relação às importações de gás, petróleo e carvão russo, prevendo-se que até 2027 seja gradualmente eliminada.

Importa referir que muitas das medidas adotadas visam tornar a UE mais resiliente a futuras crises, sempre à luz do que tem sido o projeto europeu assente na lógica gradualista “dos pequenos passos”, por necessidade, à medida dos compromissos possíveis entre estados.

Ao longo deste ano, foi-se consolidando a necessidade de continuar a apoiar a Ucrânia ao nível militar, mas sempre numa lógica de prudência e contenção da violência, continuando a aumentar a pressão sobre a Rússia. Foram adotadas medidas inéditas como o financiamento, compra e envio de armas à Ucrânia através do Mecanismo Europeu de Apoio à Paz, e agora equaciona-se a compra conjunta de munições no mercado por parte dos 27, num modelo análogo ao das vacinas contra a COVID-19, demonstrando o papel central de coordenação da Comissão Europeia.

Tal como há um ano, na Resolução da Assembleia Geral das Nações Unidas do passado dia 23 de fevereiro, adotada por 141 países (7 contra e 32 abstenções), a comunidade internacional no seu conjunto voltou a afirmar que é contra a guerra e continua a condenar as agressões da Rússia na Ucrânia. Apesar de não ser obrigatória, tem poder moral, e pede o fim da guerra na Ucrânia.

Também o apoio dos cidadãos americanos e da UE à Ucrânia tem sido decisivo na pressão moral que é feita sobre os respetivos governantes, embora também seja natural o sentimento de fadiga da guerra aliado ao pessimismo sobre a situação económica e as preocupações com o aumento do custo de vida.

Assim, após um ano de guerra convencional, entre Estados, às portas da UE, e perante a paralisia, devido ao veto russo, do Conselho de Segurança das Nações Unidas,o principal responsável pela manutenção da paz e segurança internacionais, continuar a apoiar a luta da Ucrânia sem perspetivas de um desenlace justo e duradouro, mantendo ao mesmo tempo a unidade europeia e transatlântica, e evitando que a ajuda escale o conflito e se torne global, é um dos maiores desafios de política externa da UE e dos seus Estados-membros e dos estados aliados. Porque trazer de novo a paz, a segurança e a prosperidade à Europa, embora mais difícil, é agora ainda mais essencial do que nunca.

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