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Este país não é para bebés

Bom dia,

No estado crítico em que se encontram os serviços de obstetrícia em Portugal, com falta crónica de profissionais de saúde e fechos sistemáticos de urgências, milhares de grávidas em trabalho de parto são obrigadas a percorrer longas distâncias para chegar a uma maternidade que esteja aberta ou que tenha capacidade para as atender. E muitas não chegam a tempo. Só este ano, até ao final de julho, mais de 40 bebés nasceram em ambulâncias ou em carros particulares, a caminho do hospital. Esta semana, um nasceu mesmo no meio da rua, no Carregado, em Alenquer, depois de a Linha SNS24 ter recusado enviar uma ambulância e ter dito à mãe, com uma gravidez de risco, para se deslocar pelos seus próprios meios.

Ontem, a entidade que gere o SNS24 reconheceu que houve um erro na resposta à grávida e já há pedidos de demissão dos responsáveis pelo funcionamento da linha. Por sorte, o parto, feito com a ajuda dos avós da criança, correu bem, mas outros casos houve que não tiveram o mesmo desfecho. No mês passado, uma grávida de 31 semanas perdeu o bebé antes de conseguir chegar ao hospital, 2h30 depois do primeiro pedido de socorro. Nesse dia, dois hospitais para onde deveria ter sido encaminhada estavam fechados e outros três encontravam-se sem vagas. Poucas semanas antes, um recém-nascido morrera, após uma cesariana de urgência, depois de a mãe ter passado por cinco urgências diferentes. A ministra não se demitiu.

Nos últimos dias, o Governo trouxe o tema da maternidade para o centro do debate público, mas não para falar do caos nas urgências de obstetrícia. Nem sequer para falar sobre apoios à natalidade ou medidas que facilitem a difícil conciliação entre a vida profissional e familiar. Não, a escolha do Governo foi outra. O Executivo anunciou alterações ao regime de dispensa para amamentação, passando a limitá-la aos dois anos da criança, uma proposta contestada pela Ordem dos Médicos e que mereceu duras críticas de várias associações.

A ministra do Trabalho alega que há “muitas práticas” de alegados abusos, em que “as crianças parece que continuam a ser amamentadas para dar à trabalhadora um horário reduzido” de duas horas por dia. Na realidade, não existe um único registo de abuso ou fraude relacionada com a amamentação. Mas existem, sim, vários casos de empresas que infringiram a lei, desrespeitando o direito das mães de usufruírem da dispensa para dar de mamar aos filhos.

Não se pode dizer que o país facilite a vida às mulheres que querem amamentar. Em Portugal, a licença de maternidade paga a 100% é de apenas quatro meses, impossibilitando as mães que, nessa altura, regressam ao trabalho de continuarem a dar de mamar em regime de exclusividade até aos seis meses, como recomenda a Organização Mundial da Saúde. Segundo as orientações internacionais, a amamentação deve continuar depois disso, em complemento de outros alimentos, até aos dois anos, ou mais.

Ignorando o que recomendam os especialistas, uma ex-assessora da ministra do Trabalho e atual dirigente do Instituto de Segurança Social escreveu nas redes sociais que “nenhuma mulher normal amamenta um filho depois dos 2 anos” e que quem o faz “não pode ser boa mãe”. Já eu diria que nenhum Governo normal está preocupado com um problema que não existe ao mesmo tempo em que tarda em dar resposta aos problemas gravíssimos na assistência a grávidas que ameaçam diariamente a vida de muitas mulheres e dos seus bebés.

OUTRAS NOTÍCIAS

Fome em Gaza. Mais de 20 países, incluindo Portugal, e responsáveis da União Europeia apelaram ontem a Israel para que permita a entrada da ajuda humanitária em Gaza, onde "o sofrimento atingiu níveis inimagináveis" e é “necessária uma ação urgente para travar e inverter a situação de fome” entre os civis palestinianos.

Guerra na Ucrânia. O presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, admite ceder os territórios que já foram ocupados pela Rússia, nomeadamente a região de Luhansk e partes de Donetsk, Zaporíjia e Kherson, além da Crimeia que foi anexada em 2014, para facilitar um acordo com Moscovo que permita pôr fim à guerra. Mas avisa que o país não abrirá mão do que resta do Donbas. Sexta-feira, Trump vai receber Vladimir Putin nos EUA para discutir as condições de um eventual cessar-fogo.

Incêndios. Em Espanha, dois homens morreram em incêndios florestais e mais de 5000 pessoas foram forçadas a passar a noite fora de casa devido às chamas que lavram com intensidade em várias regiões. Atingido por uma vaga de calor há dez dias, o país está a ser assolado por vários fogos e a situação é considerada “de risco extremo”. Por cá, já arderam mais de 60 mil hectares e o estado de alerta foi prolongado até sexta-feira, devido ao tempo quente e seco que vai manter-se nos próximos dias.

Fruta mais cara. Com a subida do custo de vida já é quase impossível encontrar alguma coisa “ao preço da uva mijona”. Incluindo na fruta. Segundo o Instituto Nacional de Estatística, o preço das frutas disparou 7% de um mês para o outro e custa agora mais 10% do que na mesma altura do ano passado. Os produtores justificam a subida com uma primavera particularmente chuvosa, que atrasou o ciclo de várias culturas, fazendo diminuir a produção e obrigando o país a importar mais.

Liga dos Campeões. O Benfica venceu ontem à noite na Luz o Nice por 2-0, repetindo o resultado conseguido há uma semana em casa dos franceses e seguindo assim para o play-off de acesso à fase regular da Champions. Pela frente, os encarnados terão agora o Fenerbahçe, de José Mourinho.


FRASES

“Para lá da amamentação, o pai ou mãe devem ter duas horas [de redução de horário] para estar com os filhos até aos dois anos de idade”,

Isabel Loureiro, especialista em Saúde Pública, em entrevista ao Paulo Baldeia no Expresso da Manhã de hoje


“Como pode alguém contemplar as longas filas de civis esfomeados, de pé entre ruínas, à espera de ajuda humanitária, para serem recebidos com balas antes de lhes ser dado um prato de comida, sem sentir que a sua própria humanidade se desmorona?”,

Narges Mohammadi, vencedora do Prémio Nobel da Paz em 2023, num artigo de opinião no Expresso em que apela a um cessar-fogo imediato em Gaza


O QUE ANDO A LER

Prestes a ir de férias, levarei comigo “Pela Estrada Fora”, a obra de Jack Kerouac, publicada em 1957, que se tornou um dos romances mais emblemáticos da literatura norte-americana do século XX e um livro de culto para a Geração Beat. Há muitos anos, no final da adolescência, li “Os Vagabundos da Verdade”, que Kerouac escreveu pouco depois de On the Road e que fala sobre a busca espiritual e a procura de um sentido mais autêntico para a vida. Na altura, foi um livro que me marcou e desde aí que “Pela Estrada Fora”, a obra que deu fama a Kerouac e que inspirou uma geração, estava na minha lista, mas não cheguei a pegar nele. Depois de ver o trailer do documentário “Kerouac's Road: The Beat of a Nation”, que estreou este mês nos EUA e que aguardo com expectativa que chegue a Portugal, decidi não esperar mais e já o pus na bagagem. Faço tenções de o ler, algures “pela praia fora”.


O QUE ANDO A OUVIR

Com muita pena minha, ainda não será este ano que vou ao mítico Festival de Paredes de Coura, que começa hoje e vai decorrer até sábado na belíssima Praia Fluvial do Taboão e onde vão atuar bandas como Vampire Weekend, Franz Ferdinand ou Perfume Genius, além dos portugueses Samuel Úria, Capicua ou Linda Martini, entre muitos outros. Para quem tem a sorte de ir, a Blitz preparou um guia com tudo o que precisa de saber e recomendações sobre o que mais vale a pena ver. No meu caso, resta-me ouvir a playlist que a Blitz preparou a partir do cartaz e que reúne músicas de todos os artistas que vão passar por lá.

Por hoje é tudo. Continue a acompanhar a atualidade em expresso.pt e tenha uma ótima quarta-feira e umas excelentes férias, se for o caso.

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: JBastos@expresso.impresa.pt

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