Daqui a uns meses, quando forem escritos os obituário do defunto 2025, será uma suprema injustiça alguém esquecer o tanto que a Justiça nos deu este ano, que ainda só vai a meio.
E não, não se trata aqui de discutir crimes nem processos, muito menos recursos ou incidentes, e de certeza nem greves nem reformas. O que ficaremos para sempre a dever a este ano é que, como nunca antes sucedera, os julgamentos tornaram-se verdadeiras obras de arte televisiva, com prestações de alto nível, mais à porta do que dentro da sala de audiências, é certo. Mas não absolutamente.
Atentemos neste diálogo, registado ontem durante o julgamento que tem José Sócrates, antigo primeiro-ministro, no banco dos réus.
"Tendo em consideração o que se passou nas últimas sessões, espero que possamos fazer o possível para que isto corra com a maior normalidade"
"Eu não tenho o direito de contestar, nem classificar as perguntas?"
"Se não quiser responder, não responde."
"Não posso dizer a 'pergunta é idiota não respondo?'"
“Não. Se disser isso, está a desrespeitar o tribunal.”
"Muito obrigado. Tentarei fazer o meu melhor"
É provável que todos os dias, um pouco por todo o país, haja momentos como este (e é uma pena não os conhecermos em tanto detalhe). Mas o que não há mais lado nenhum, a não ser no Campus da Justiça, é José Sócrates à chegada e à saída do tribunal.
Rui Gustavo, jornalista do Expresso que está sentado na sala desde o primeiro momento, vai descrevendo o julgamento em pequenas notas como esta, acerca da escuta de uma conversa entre Sócrates e Henrique Granadeiro, ex-administrador da PT: "Os dois tratam-se por "meu caro" e na terceira pessoa e a dado momento Sócrates conta que esteve num almoço com os já falecidos Mário Soares e Almeida Santos que discutiam sobre o grau de intimidade da relação entre António Salazar e a sua governanta, Maria. São usados termos vernaculares que provocam algum frisson na sala".
Mas há um outro grande julgamento a decorrer em paralelo. Se no Parque das Nações se fala de 34 milhões e corrupção, no Palácio da Justiça a música é outra: um milhão e uma canção.
Os dois irmãos que fazem a banda "Anjos" processaram a humorista Joana Marques por esta ter feito um vídeo a gozar com uma muito pouca angelical interpretação do hino nacional. Há uns anos, como conta nesta crónica, aconteceu algo parecido ao jornalista e crítico de vinhos João Paulo Martins, do Expresso (vale mesmo a pena ler).
Nos filmes, há muitas vezes aquela testemunha que, com o seu depoimento, muda o curso dos acontecimentos. Neste caso, ainda é cedo para saber, mas a testemunha Ricardo Araújo Pereira tornou-se figura principal pelos comentários, crónicas, entrevistas sobre o caso. Muitas delas no Expresso.
Depois, temos sempre quem dê o passo mais improvável, como fez o "Inimigo Público", o suplemento humorístico que sai com o Expresso.
Tudo isto para lhe dizer que hoje, quinta-feira, décimo dia do sétimo mês, que é como quem diz 10 de julho, temos não um, mas os dois grandes julgamentos a decorrer - e Joana Marques deve falar na sessão que começa às 10h00.
Obrigado, 2025. Justiça te seja feita.
OUTRAS NOTÍCIAS
No ponto A CPI é aquela dose de sal que dá vida a qualquer bife de legislatura. E a XVII da Terceira República Portuguesa, parece, vai mesmo ter a sua Comissão Parlamentar de Inquérito, dedicada ao INEM. O processo não foi fácil, PS e PSD acusaram-se mutuamente: os sociais-democratas criticaram a “banalização” do instrumento da CPI e os socialistas dizem que há uma “total ausência de autoridade política” da ministra da Saúde.
Na televisão Nem de propósito, a ministra da Saúde, Ana Paula Martins, esteve ontem numa maratona televisiva na SIC. Falou dos helicópteros do INEM, perdão, da Força Aérea em serviço para o INEM, perdão, a fazer o serviço do INEM, e dos heliportos onde podem aterrar (anunciou que amanhã vai anunciar mais uma aeronave); discutiu o encerramento das urgências, revelou que o SNS contratou uma equipa ao privado, para trabalhar no Hospital Garcia de Orta, em Almada, de modo a garantir que, a partir de setembro, a urgência de obstetrícia estará aberta 24 horas por dia.
No fim O diretor clínico do Hospital de Santa Maria deixou de o ser, na sequência do caso do dermatologista que faturou milhares de euros. Rui Tato Marinho vai ser substituído pela diretora do serviço de pediatria do Hospital de Santa Maria. Em causa está a polémica com o dermatologista que recebeu 51 mil euros em apenas um dia de trabalho
Na Universidade Uma alemã em Lisboa. A “senhora Merkel”, como chamavam por cá a Angela Merkel os mais simpáticos, nos tempos da troika, veio receber um doutoramento honoris causa pela Universidade Católica Portuguesa. Marcelo Rebelo de Sousa e a antiga chanceler alemã deixaram recados para o futuro, contra os “populismos” e vagas “tentadoras e egoísticas” contra a imigração
Nas nuvens Carlos Moedas é, desde há uma semana, vice-presidente do Housing Advisory Board da Comissão Europeia. O presidente da Câmara Municipal de Lisboa foi "nomeado" pela Comissão Europeia para aquele órgão consultivo. O que não se sabia é que a nomeação começou numa candidatura do próprio Carlos Moedas. Depois de ser um dos 15 selecionados, foi efetivamente nomeado entre os pares para ser vice-presidente.
Na corda bamba Pedro Sánchez conseguiu um balão de oxigénio para segurar uma legislatura que será sempre precária. O Primeiro-ministro espanhol anuncia pacote de medidas anticorrupção, incluindo uma agência estatal. Aliados parlamentares avisam que não tolerarão futuros episódios
Na guerra O Hamas, grupo terrorista que controla a Faixa de Gaza, anunciou que vai libertar dez reféns israelitas, isto depois de Donald Trump ter garantido que o governo de Israel, após semanas de intensos ataques na Faixa de Gaza, estava disposto a aceitar um cessar-fogo de 60 dias.
Nacionalidade O Bloco de Esquerda forçou, através de um requerimento potestativo, o adiamento das votações na especialidade da proposta do Governo que altera o regime jurídico de entrada, permanência, saída e afastamento de estrangeiros do território nacional.
No Parlamento O PSD está perto de viabilizar a violação como crime público: uma diretiva europeia é um dos argumentos. Se o partido de Governo votar a favor ao lado do Chega, um dos proponentes, a discussão que perdura há mais de cinco anos pode chegar ao fim com a violação e coação sexual a serem elevados a crimes público, tal como acontece com a violência doméstica
FRASES
“Mais tarde ou mais cedo, a Ucrânia vai entrar na NATO”, Carlos Gaspar, investigador de ciência política no Instituto Português de Relações Internacionais da Universidade Nova de Lisboa e autor de “Regresso à Europa: A Posição Internacional da Democracia Portuguesa”, em entrevista ao Expresso;
"Começa a ser difícil compreender o que é que o Chega defende no que toca à imigração. Às segundas, quartas e sextas, acusam: 'Olhem para estes imigrantes, que nem sequer falam a nossa língua!' Às terças, quintas e sábados, denunciam: 'Olhem para estes imigrantes, a inscreverem-se na escola para aprenderem a falar a nossa língua!' E ao domingo descansam a voz, que deve estar exausta", Ricardo Araújo Pereira, na crónica "Estranho Ofício", da Revista do Expresso
O QUE ANDO A LER
De vez em quando, em dias como este, lembro-me de uma canção de António Zambujo chamada "Flagrante", que a dado ponto diz assim: "Nem dei pelo que aconteceu / Mas mais veloz e mais esperta / Só te viram de raspão / A vergonha passei-a eu / Diante da porta aberta / Estava de calças na mão"
Sim, alguém abriu este Expresso Curto e encontrou-me de livros na mão. Ambos fechados, nem uma página virada, porque a disponibilidade para os ler, mais veloz e mais esperta, só a percebem os leitores de raspão. A vergonha, concordamos, passo-a eu.
O que não significa deixar passar a oportunidade de apresentar aqui as duas obras que me vão acompanhar nestes dias que hão de levar às férias - aí terei de renovar o cabaz, sem vergonha, sem pressa nem compras de raspão.
Para consulta ocasional, uma navegação sem rumo certo, à descoberta do que esconde uma qualquer página aberta ao acaso, tenho aqui ao lado, pesado e vermelho, prometedor e desafiante, "O Dicionário da Geração de 70" (Imprensa Nacional e Presença), com coordenação de Ana Maria Almeida Martins, Guilherme D'Oliveira Martins e Manuel Rêgo. Um brinde: inclui um ensaio de Eduardo Lourenço, em jeito de introdução. Seria falhar um golo de baliza aberta não abrir na página 70, só para ver o que de lá vem. Antipositivismo. Filosofia, pois.
Sigamos à descoberta do segundo livro, nem de propósito "Muito Para Além do Mar - A Nova História dos Descobrimentos Portugueses, de José Manuel Garcia. Na página 70, ainda vamos na Costa da Malagueta, a caminho do Cabo das Três Pontas, algures entre a atual Serra Leoa e o Gana. Mais de mil quilómetros de costa, em na década que vai de 1460 a 1470. A seguir foi sempre para Sul, depois veio o Índico, o outro lado do Atlãntico, o Pacífico, a Índia, o Brasil, o Japão...
E deu nisto.
Alguém devia escrever uma canção.
Desejo-lhe uma boa quinta-feira. Amanhã, já sabe, haverá Expresso na banca.
Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: RMarques@expresso.impresa.pt
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