A verdade segundo Sócrates
Primeiro dia de julgamento da Operação Marquês. José Sócrates, arqguido e ex-Primeiro Ministro de Portugal, Campus de Justiça, em Lisboa. FOTO TM
TIAGO MIRANDA
Bom dia,
Chegou finalmente o momento que José Sócrates tudo fez para adiar. Doze anos após a abertura do inquérito e mais de uma década depois de ter sido preso no aeroporto de Lisboa, o ex-primeiro-ministro, acusado de 22 crimes de corrupção, branqueamento e fraude fiscal, vai hoje, pela primeira vez, ser ouvido em tribunal.
Para evitar o ‘julgamento do século’, que já passou pelas mãos de 300 juízes, a defesa interpôs até aqui 50 recursos, incluindo uma queixa ao Tribunal Europeu dos Direitos Humanos. E, à última hora, fez uma derradeira tentativa que ainda pode vir a suspender o processo.
Mas, à partida, já não há nada que trave a sua audição de hoje, que deverá começar pelas 9:30 e que vai decorrer em clima de guerra com a juíza, como ficou evidente desde o primeiro dia.
Depois de anos de manobras dilatórias e de intrincadas questões processuais, espera-se que o inédito depoimento volte finalmente a recentrar a Justiça no essencial: saber se o antigo chefe de Governo foi ou não corrompido enquanto estava em funções.
Ao longo de 62 mil páginas, distribuídas por mais de 200 volumes, o Ministério Público acusa-o de ter recebido dinheiro do Grupo Lena para beneficiar a empresa em vários projetos, de ter sido pago por Ricardo Salgado para favorecer o BES na OPA da PT e de ter sido corrompido pelo Grupo de Vale do Lobo para conseguir um financiamento da Caixa Geral de Depósitos, recebendo, no total, 34 milhões de euros, que terão suportado a vida de luxo que teve em Paris.
Já Sócrates mantém há uma década que foi vítima de um processo político montado com o objetivo de o impedir de concorrer à Presidência da República.
Ninguém sabe quanto tempo poderá levar o julgamento nem que desfecho terá. O que se sabe é que, com tanta demora, há crimes que já prescreveram e outros que vão “caducar” no início do próximo ano e que também já não vão a tempo de ser julgados.
O resultado do processo, que provocou danos irreparáveis no PS, será determinante para a própria democracia. Pelo menos para a já frágil confiança dos portugueses na Justiça e na política.
OUTRAS NOTÍCIAS
Socorro lento O único helicóptero da Força Aérea capaz de transportar doentes urgentes à noite não consegue aterrar em nenhum heliporto hospitalar, o que contribuiu para atrasar ainda mais a transferência do Hospital da Covilhã para Coimbra do homem que sofreu um traumatismo craniano em consequência de um acidente de trotineta. No total, a transferência do doente em estado grave demorou mais de cinco horas e envolveu três meios de transporte.
Falha de segurança Dois reclusos presos por tráfico de droga e roubo evadiram-se da cadeia de Alcoentre ontem ao final do dia, mas já foram recapturados. A fuga ocorreu numa zona onde as torres de vigia estão desativadas devido à falta de guardas prisionais, gerada pela greve que começou há cerca de três semanas. Na altura, em consequência da paralisação, estava a trabalhar apenas uma equipa de guardas, quando deviam estar duas.
Pais contra a xenofobia Numa carta aberta dirigida a Marcelo, ao presidente da Assembleia da República e aos partidos, sete associações de pais e encarregados de educação de escolas de Lisboa repudiaram a divulgação, por parte do Chega, do nome de várias crianças filhas de imigrantes e inscritas num jardim de infância público. Para as associações, “tal ato é de uma gravidade extrema, viola o direito à privacidade [das crianças] e coloca-as como alvo de ódio e discriminação num espaço onde deveriam estar protegidas: a escola pública”.
Aguiar Branco e a liberdade de expressão O presidente da Assembleia da República invocou, novamente, a “liberdade de expressão” para não advertir o Chega. Para Aguiar-Branco, a divulgação do nome das crianças não violou “nenhuma regra do ponto de vista jurídico e constitucional”.
Salvar o lobo Apesar de estar protegida por lei desde 1988, a população de lobo-ibérico está a diminuir em Portugal há 20 anos, contando-se apenas 58 alcateias e não mais de 300 animais. Para inverter a tendência, o Ministério do Ambiente apresentou ontem o Programa Alcateia, com um orçamento de cinco milhões de euros que serão investidos para “reduzir os conflitos com o homem e promover a coexistência do lobo com atividades humanas”.
'Navegadoras' mantêm a esperança A seleção feminina de futebol conseguiu arrancar um empate à Itália no último minuto, com um golo de Diana Gomes, evitando assim a eliminação no Euro2025. Para seguir em frente, as portuguesas terão de ganhar à Bélgica na última jornada e esperar que a Espanha marque muitos golos às italianas.
FRASES
“Horrorizou-nos porque são crianças. Porque se usam os seus nomes para que os que estão nas escolas, pais e alunos, os odeiem (…) O Chega assinou, de forma indelével, o desrespeito por todos os valores do humanismo mais básico”, João Costa, ex-ministro da Educação, num artigo de opinião publicado hoje no Expresso
“Queremos devolver o FC Porto ao seu lugar. Queremos devolver a mentalidade ao clube, representando a região e a cidade”, Francesco Farioli, novo treinador dos dragões, o terceiro a ser apresentado por André Villas-Boas em apenas 13 meses
O QUE ANDO A LER
Mário e o Mágico, de Thomas Mann
Publicado em 1930, um ano depois de Thomas Mann ser galardoado com o Prémio Nobel da Literatura, o livro conta a história de um casal de estrangeiros com dois filhos que sofre vários episódios de discriminação durante umas férias de verão numa pequena vila balnear italiana. Praticamente no fim da sua estadia, o casal de forasteiros leva as crianças a ver o espetáculo de um ilusionista, que acaba por se revelar um homem maldoso que despreza o público e que, através da hipnose, expõe elementos da plateia ao escárnio e à humilhação.
Escrita poucos anos depois da subida de Mussolini ao poder e numa altura em que o crescimento do Partido Nazi na Alemanha começava a ganhar forma, a obra é uma alegoria sobre os processos que levam à ascensão dos totalitarismos e que procura advertir para o perigo de as pessoas se deixarem seduzir ou ‘hipnotizar’ por líderes desumanos e desprovidos de valores. Quase cem anos depois, a lição de Thomas Mann volta tristemente a ganhar atualidade.
SUGESTÕES DE PODCASTS
Expresso da Manhã A ministra da Saúde está novamente debaixo de fogo devido aos muitos problemas no INEM e nas urgências de obstetrícia da Grande Lisboa. Ana Paula Martins resistirá? A editora de Sociedade do Expresso, Rita Ferreira, analisa o que está a falhar no setor.
Comissão Política Montenegro diz que o seu Governo é um exemplo de “moderação”, mas encostou à direita na imigração e nacionalidade. É esse o ponto de partida para este episódio, onde também se debate o início de funções de José Luís Carneiro como líder do PS.
O Mundo a Seus Pés O episódio desta semana do podcast da equipa de Internacional do Expresso centra-se na energia nuclear, depois de o ataque recente dos Estados Unidos a três centrais iranianas ter elevado o medo para níveis que não víamos desde a crise da Baía dos Porcos.
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