Newsletter Expresso Curto

O segredo dos seus olhos

O segredo dos seus olhos

Jorge Araújo

Editor da E

Nos olhos pequenos, o horror é grande. Mães decapitadas, pais catanados, irmãos desaparecidos. A vida ensanguentou-se, num dia de guerra, e não há como limpar tamanha experiência.

No norte de Moçambique, a dor embacia os olhos das crianças, que sofreram a violência dos ataques terroristas. As ONG alertam para a situação e pedem ajuda para ajudar. É em Moçambique, é ali e acolá. Ninguém esquece o que vê.



Nos olhos cansados, a saudade é grande. Há mais de um ano que os idosos são as principais vítimas desta pandemia. São muitos os que vivem enclausurados, afastados de quem amam. Das rotinas e da brisa.



Vivem a perder o tempo que não têm. Entre quatro paredes, a solidão é erva daninha. É em Portugal, aqui e ali. Na família de todos. Ninguém esquece o que não vê.



É verdade que a vida continua. E que amanhã é outro dia. Mas ninguém esquece o que vê, ninguém esquece o que não vê. Sem apoio, traumas e solidão doem ainda mais.



É GOZAR COM QUEM TRABALHA 



Não há um português, um único português, que não se recorde daquele sorriso. Um sorriso  de quem se imagina  acima da lei.  Acima de todos nós.



Um sorriso que nos deixou boquiabertos, há coisa de dois anos, quando foi ouvido na Comissão Parlamentar de Inquérito à gestão da Caixa Geral de Depósitos. Um sorriso que foi ao parlamento gozar  com  quem  trabalha.



Aquele sorriso tem nome. Um nome que agora virou  ativo  tóxico. Joe Berardo é um dos mais badalados exemplo do capitalismo  chico- espertista que tantos danos tem causado a este país. 



A justiça pode andar a passo  de  caracol, mas anda. E na terça feira bateu à sua porta. 

Depois de uma noite na prisão, Berardo foi ontem  ouvido pelo juíz Carlos Alexandre. Esta noite voltou a dormir atrás das grades. O interrogatório promete marcar o dia de hoje.

Mas Berardo não caminha sozinho nesta descida aos infernos. O processo que o envolve tem mais dez arguidos.

É verdade que uma detenção não é uma condenação. Mas é um sinal de que nem tudo são sorrisos.

OUTRAS NOTÍCIAS

CORONAVÍRUS. Hoje é um  dia  histórico. Entra oficialmente em vigor o certificado  digital  Covid-19. 



Em formato digital ou em papel, esta espécie de livre-trânsito foi concebido para facilitar a  livre  circulação  dentro da  União  Europeia.



Por cá, o Serviço Nacional de Saúde (SNS) já emitiu  um  milhão  de  certificados Covid-19.



 MAIS  CORONAVÍRUS. Apesar dos progressos no processo de vacinação, a verdade é que a pandemia não nos larga.  



O Boletim da Direção Geral da Saúde ontem divulgado dá conta de mais 2362 infetados e lamenta  quatro casos mortais.  



A incidência subiu em todo o território nacional, o número de infetados traz à memória contas de há quatro meses. Graças às vacinas, a parcela de óbitos é bem diferente.



Enquanto isso, António Costa continua a fazer teste atrás de teste.  



Foi o que aconteceu no início da semana, depois de se saber que o Primeiro-ministro do Luxemburgo, com quem tinha estado no Conselho Europeu, estava infetado. 



Foi o que voltou a fazer ontem, quando um  membro do seu gabinete testou positivo. 



Apesar de o Primeiro-ministro estar sem sintomas e vacinado, as autoridades de saúde decretaram-lhe isolamento prolifático. A medida deixou Marcelo Rebelo de Sousa confuso. O Presidente pede que se explique o porquê de alguém vacinado ficar em isolamento.



A tentar controlar a quarta vaga, o Estado passa a comparticipar a 100%, quatro testes de antigénio por mês, a cada cidadão. 



DESEMPREGO. Os números têm assinatura reconhecida. O Instituto Nacional de Estatística revelou ontem que a  taxa de desemprego subiu para 7,2% em Maio. 



A outra má notícia é que o desemprego continua a penalizar mais as mulheres do que os homens. 



ÓBITO I. Morreu o antigo falcão de George W. Bush. Donald Rumsfeld foi o mais novo e o mais velho dirigente a liderar o Pentágono. Tinha 88 anos.



ÓBITO II. João Figueiredo, o juiz português do Tribunal de Contas Europeu, morreu terça-feira à noite, no Luxemburgo. 



O antigo secretário de Estado da Administração Pública de José Sócrates tinha 66 anos. 



António Costa destaca a “brilhante carreira” e lamenta a morte “precoce”.



FUTEBOL. Depois de um dia de descanso, a bola volta a rolar nos palcos do Euro 2020.  



A Bélgica, carrasco de Portugal, entra em cena para medir forças com a poderosa seleção da Itália.  



O outro jogo do dia coloca frente a frente as seleções da Espanha e da Suiça e promete muitas emoções. 



MERCADO DE TRANSFERÊNCIAS. E se Leonel Messi abandonar o Barcelona? A partir de hoje o cenário é possível uma vez que o craque argentino é um jogador livre.



Consta que já tem apalavrado a renovação do contrato, mas como diz o antigo presidente do Vitória de Guimarães, no futebol, o que é verdade hoje é mentira amanhã. 




Para além de Messi, muitas outras estrelas do futebol mundial podem continuar as suas carreiras noutras paragens. Tantos que até dá para fazer uma equipa de sonho. 



PODCASTS A NÃO PERDER 

   💶 Vem aí um novo unicórnio português? A Sword Health fechou esta semana um novo financiamento que a coloca perto de valer mil milhões de dólares. O seu fundador, Virgílio Bento, conta como a ideia nasceu e fala das dificuldades em transformar uma startup de raiz universitária numa empresa à escala global no Money Money Money, podcast de Economia



   ⚽ ¿Quién nos va a curar el corazón partío'? Esta era a conversa que ninguém queria gravar antes da final do Euro 2020. Sevilha foi uma tristeza e nem a paella negra conseguiu disfarçar o desalento dos portugueses. A equipa do Vamos A Jogo regressa assim a Paço de Arcos sem chegar a dar uso às tomadas inglesas que levava na mala
de reportagem .



   ✈️ “A TAP vai ser um novo Novo Banco. Depois de gastarmos milhões vamos vender a TAP a custo zero” No seu habitual comentário semanal, José Miguel Júdice vai da TAP à pandemia de covid-19, resumindo Portugal com três palavras: estagnação, resignação e fatalismo. Ouça 'As Causas'



  O QUE EU ANDO A LER 



Já aqui escrevi sobre a minha admiração por Baltasar Lopes da Silva. Como homem e como escritor. 



Já aqui escrevi sobre o romance “Chiquinho” e o seu impacto na minha aprendizagem literária.  



O que ainda não tinha dito é que Baltasar Lopes da Silva não esteve sozinho na aventura que marcou para sempre a literatura cabo-verdiana. 



O escritor de São Nicolau pertenceu a uma geração de ouro, sem igual na história das ilhas, tendo sido uma das figuras de proa do chamado movimento Claridade.  



Quando penso em Baltasar Lopes da Silva, vem-me logo à cabeça os nomes de alguns dos seus companheiros de estrada. 



Manuel Lopes, por exemplo, ficou na história com o maravilhoso romance “Flagelados do Vento Leste”. 



Henrique Teixeira de Sousa retratou melhor do que ninguém a sociedade estratificada da ilha do Fogo, no seu “ Ilhéu da Contenda”. 



Deixei para o fim o poeta Jorge Barbosa. Ele e Baltasar Lopes da Silva foram os únicos que conheci em carne e osso. 



Jorge Barbosa era grande  amigo do meu pai e presença assídua lá em casa, nos tempos da Ilha do Sal.  



Eu era um miúdo de palmo e meio, mas recordo-me do seu apetite voraz e da sua paixão pelo cinema.  



O  livro “Arquipélago” é de leitura obrigatória para todos os que se interessam pela literatura de Cabo Verde. 



Passados estes anos, estes livros não ganharam uma única ruga. E são do melhor que existe na literatura cabo-verdiana, o que é motivo de orgulho. Mas também de preocupação. 



 O QUE EU ANDO A OUVIR 



Há um furacão  a agitar a música de Cabo-Verde. Surgiu pé ante pé, mas parece capaz de não deixar nada como dantes. Confesso que, há pouco mais de duas semanas, não sabia da sua existência.  



Agora que o ouvi, sei que vai fazer parte da banda-sonora dos dias que aí vêm. 



Ary Duarte Kueka é a mais recente descoberta de Djô da Silva, o homem que catalpultou Cesária Évora para a fama.  



Tem o ADN de Santo Antão, mas absorveu os  géneros musicais das várias ilhas. O seu ponto forte é a qualidade das  letras, que tecem um retrato de si e da vida que o rodeia, de uma forma profunda e nada habitual. É genuíno na forma de ser diferente e isso é qualidade.



Para ouvir com os sentidos à flor da pele. 



Agora que chega ao fim a minha aventura pelos Expressos Curtos, não me podia despedir sem falar de um grande amigo.  Do meu companheiro de infância, do menino que cresceu a dois passos da minha casa, no Mindelo.  



Mas não é por  ser meu amigo que é para aqui chamado. É por ser um grande músico. Um dos melhores da sua geração. Reconhecido nos quatro cantos do mundo.



Senhoras e senhores, Tito Paris.



No próximo dia 11, lá estarei, no Festival Jardins do Marquês, em Oeiras, a vê-lo subir ao palco, ao lado de Rui Veloso.



Lembro-me dos seus primeiros passos na música. O corpo franzino a agigantar-se no palco. Do nosso encontro em Santo Antão, nas comemorações do primeiro aniversário da independência de Cabo Verde.  



Ele era a estrela do grupo musical que ia embalar a noite. Eu era a estrela da equipa de futebol  da Académica do Mindelo. Boas memórias.



O tempo passou,  Tito começou a usar suspensórios e a construir uma carreira de sucesso. Várias das suas músicas colam-se ouvidos. É o caso de “Dança Ma Mi Criola” e de “Pret É Mi”. Também de “Curti Bo Life”. Gosto das três.  



Mas as minhas favoritas são “Padoce de Céu Azul” e “Clarice”, um  dueto com o maravilhoso Paulo Flores. Talvez ainda mais “Rainha Estrela”, que me acompanhou quando precisei de dizer adeus. Foi há uns anos, mas hoje lembrei-me de cada acorde.



Porque a música, a verdadeira música, é aconchego para a alma. O que fica do que passa é o que importa.



Tenha um resto de bom dia

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: JMSAraujo@expresso.impresa.pt

Comentários
Já é Subscritor?
Comprou o Expresso?Insira o código presente na Revista E para se juntar ao debate