Lembro-me como se fosse hoje daquele domingo frio e chuvoso. A tristeza tem perna curta, é por isso que se cola ao pensamento.
Lembro-me como se fosse hoje. Uma noite como outra qualquer, eu confortavelmente sentado a ver televisão. Foi assim que a tragédia entrou em minha casa. Na vida de todos os portugueses.
Lembro-me como se fosse hoje. As notícias chegavam aos soluços. Há vinte anos, Castelo de Paiva ficava demasiado longe. Quase do outro lado do mundo.
Lembro-me como se fosse hoje. Primeiro, uma voz. Depois imagens turvas, vazias de significado. A tragédia a invadir de mansinho os ecrãs de televisão para depois se instalar de pedra e cal.
Lembro-me como se fosse hoje. Ninguém conseguia acreditar no que estava a acontecer. Uma ponte ruíra. O Douro engolira um autocarro e três carros. Um autocarro com 53 passageiros e três carros com seis pessoas a bordo. Não houve sobreviventes.
Lembro-me como se fosse hoje. Portugal chorou naquele dia e nos dias seguintes. Chorou nos dias dos anos seguintes, sempre que se lembrava daquele dia.
Lembro-me como se fosse hoje. O rio vestido de luto. Um país inteiro a descobrir Entre-os-Rios. Um país preso à televisão sempre que o rio devolvia um corpo. De cada vez que a morte a desaguava no mar. 59 mortos. Crianças, mulheres, homens. O autocarro vinha a sorrir, de um passeio de domingo.
Lembro-me como se fosse hoje, mas a tragédia de Entre-os-Rios foi há vinte anos. Há coisas que não se apagam do nosso pensamento. Quando bate fundo, a tristeza vale como segunda pele.
OUTRAS NOTÍCIAS
VERGONHA. Nunca se saberá ao certo o que aconteceu naquele dia 12 de Março de 2020 no Centro de Instalação Temporária do Aeroporto de Lisboa. Mas é preciso ter estômago para acompanhar o julgamento do chamado “caso SEF”.
Ontem foi a vez de uma testemunha contar em tribunal que Ihor Homeniuk teve uma espécie de ataque quando tentaram levantá-lo do chão. E do medico legista que fez a autópsia dizer que o ucraniano morreu por asfixia.
Três inspectores do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras estão sentados no banco dos réus. São acusados de terem espancado até à morte um cidadão ucraniano.
Se quiser acompanhar a par e passo o que se passa no Campus da Justiça o jornalista Rui Gustavo é o seu melhor cicerone.
O julgamento prossegue na próxima quarta-feira.
AUTÁRQUICAS. Rui Rio começou a formar exército para aquela que deverá ser a mais dura batalha da sua vida.
Ontem, foram anunciados os nomes dos 123 primeiros candidatos às eleições municipais.
Há 23 caras novas e pelo menos uma grande surpresa - Carlos Carreiras, crítico da liderança protagonizada por Rio, vai a jogo em Cascais.
No momento de dar a cara, apareceu José Silvano. O coordenador autárquico do partido deixou uma garantia: o líder assumirá toda a “responsabilidade pelos nomes e, consequentemente, pelos resultados”
COVID-19. A tão tristemente célebre terceira vaga parece estar a abrandar. A cada dia que passa, os números são mais animadores. O boletim da DGS de ontem dá conta de quase 2000 recuperados. Mas também de mais 41 mortes e 979 novos infetados.
A pressão nas unidades de cuidados intensivos continua a baixar o que também é uma boa notícia. O mesmo se aplica ao facto de termos menos de 1000 novos casos pelo quarto dia consecutivo.
No campo das vacinas, o cenário parece finalmente a endireitar-se. Ontem, ficou a saber-se que 34% dos idosos com mais de oitenta anos já receberam a tão desejada primeira dose.
Mas todos os cuidados são ainda poucos. O vírus permanece à solta e a imunidade de grupo ainda é desejo sem data de realização.
PRESIDENTE. Hoje, São Bento vai receber um convidado especial ao almoço. Não foi anunciado o menú nem tão pouco a carta dos vinhos. Tudo o que se sabe é que António Costa convidou Marcelo Rebelo de Sousa para presidir o Conselho de Ministros e para almoçar a seguir.
Cumpre-se assim uma tradição iniciada por Cavaco Silva, no segundo mandato presidencial de Ramalho Eanes.
TAP. Continua a novela na transportadora aérea nacional. A pandemia pregou os aviões à terra e agravou, ainda mais, uma crise que parece não ter fim. Diogo Lacerda Machado, o homem que negociou o regresso da Tap ao Estado, quer via verde para deixar o conselho da administração da companhia de bandeira.
Mas não foi o único: Esmeralda Dourado e Trey Urbahn também já pediram guia-de-marcha.
FUTEBOL. Ontem, foi dia de Taça de Portugal. Futebol Clube do Porto e o Sporting de Braga mediram forças no Estádio do Dragão.
Na primeira mão, o jogo acabou empatado a uma bola mas a polémica saltou para fora do campo. No final do jogo, algo exaltado, o treinador do Futebol Clube do Porto disse ao treinador do Braga “ onze contra onze levas cinco ou seis”.
Ontem, num jogo de loucos, o Braga venceu o Porto por três a dois e carimbou a passagem para a final da Taça. Curiosamente, jogou com menos um jogador durante quase uma hora.
Hoje, o Benfica recebe o Estoril Praia, único sobrevivente da segunda liga nesta fase da prova, para decidir quem acompanha o Braga na final. Na primeira mão, o Benfica venceu por três a um fora de casa, pelo que tem escancaradas as portas do Jamor. Mas em ano de pandemia, prognósticos só depois do jogo.
EUROPA E A PRESIDÊNCIA PORTUGUESA
O Fidesz, partido de Viktor Órban, primeiro-ministro da Hungria, anunciou ontem que vai abandonar a bancada do Partido Popular Europeu (PPE). A decisão foi lida como uma antecipação da muito provável expulsão do partido húngaro da bancada do maior partido do Parlamento Europeu.
Esta quarta-feira foram aprovadas novas regras no PPE que permitem agora suspender ou expulsar delegações. Muitos dos elementos do PPE têm apoiado as críticas das instâncias europeias ao governo húngaro, acusado de estar a provocar um retrocesso da democracia e do estado de direito naquele país, com sucessivas violações dos direitos humanos , refletidas, por exemplo, nos constrangimentos à liberdade de imprensa e aos direitos das minorias étnicas.
A proliferação, um pouco por todo o mundo, de regimes extremistas e de democracias questionáveis, é uma realidade com que a UE tem cada vez mais de lidar, incluíndo dentro de portas.
Ainda recentemente, o alto representante para a política externa e de segurança da União Europeia, Josep Borrell, sublinhou a ideia de que “a democracia está a ser ameaçada” e que há que demonstrar que esta “é melhor do que qualquer outro sistema”.
Esta quinta-feira é dia de anúncio, pela Comissão Europeia, de um plano de ação para o Pilar Europeu dos Direitos Sociais, que prevê medidas, a atingir até 2030, de promoção da equidade no mundo laboral.
Bruxelas quer maior igualdade de oportunidades no acesso ao mercado de trabalho, condições de trabalho mais justas e uma maior proteção social e inclusão. As necessidades existem e são conhecidas.
Agora, será preciso aguardar para ver o que é que passa das intenções à prática. O vice-presidente da Comissão Europeia Valdis Dombrovskis anunciará os detalhes e o Expresso vai acompanhar.
O QUE EU ANDO A LER
Não tinha nome, só nacionalidade. Era a polaca. A polaca que visitou várias vezes Cesária Évora em São Vicente.
A polaca que corria o mundo atrás da rainha da morna. A polaca que voou para o funeral. Como para a Ilha de Reunião ou para Paris.
Agora, percebo que a nacionalidade no lugar da identidade, se devia à dificuldade em pronunciar o seu nome. Agora, tenho o seu nome na minha mesinha-de-cabeceira: Elzbieta Sieradzinska.
Faltam os acentos, o meu teclado parece ter problemas com a língua polaca. O seu nome na capa do livro que escreveu sobre Cesária Évora, a Diva de quem foi amiga.
Editado pela Rosa de Porcelana, editora que tem vindo a publicar vários autores e histórias de Cabo Verde, é uma viagem à biografia de uma das mais célebres cantoras de world music de sempre.
Há muito que andava a pensar ler este livro, mas só agora a tradução em português chegou ao mercado.
A Cesária não é só dos caboverdianos. É património da Humanidade.
O QUE EU ANDO A VER
Nas noites em que o cansaço dá algum descanso, a televisão pode ser a melhor das companhias. Não a televisão generalista e as suas novelas repetitivas ou os canais de notícias com a overdose de futebol.
A televisão que me desenjoa é a que transmite os grande filmes e documentários.
Por razões que não vêm aqui ao caso, nos últimos tempos, tenho visto muitos documentários. Dois encheram-me as medidas.
O primeiro é a história mirabolante que envolve a cantora Britney Spears. O segundo é o retrato da vida de Edson Aranres do Nascimento, Pelé.
Como diria o saudoso Mário Crespo, são rigorosamente a não perder.
O QUE EU ANDO A OUVIR
É um dos segredos mais bem guardados da música de Cabo Verde. Tanto quanto sei lançou um único CD que, aliás, não mereceu grande destaque na altura. É pena. A sua voz estava destinada a altos voos.
De quando em vez, regresso ao cd “Amornado”. Passados estes anos todos não ganhou uma única ruga. E tal como da primeira vez tenho a mesma convicção - é impossível não ficar apaixonado pelo timbre daquela voz.
Quando Lena França canta parece que a sua voz ganha asas. Tem um timbre ímpar no panorama da música cabo verdiana. Mas, verdade seja dita, ela é muita mais do que uma linda voz.
Em “Amornado”, a cantora mostra grande critério na escolha das músicas. E dos compositores. Rodeou-se de Betú, o trovador da ilha do Maio, e de Manuel D’Novas, o compositor que melhor retrata a alma do Mindelo.
Deixem-me também destacar Manuel Faustino, antigo ministro da Saúde e da Educação, e atual chefe da casa civil do Presidente, que assina uma das mais belas mornas. Tão bela que teima em não me sair do ouvido.
É por tudo isto que, quanto a mim, faz todo o sentido a aposta numa nova edição. Se há um disco que merece uma segunda vida é este.
Tenha um resto de bom dia.
Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: JMSAraujo@expresso.impresa.pt