Caro leitor,
O Expresso retoma hoje, 8 de outubro, a sua newsletter dedicada à sustentabilidade.
Uma vez por mês, à terça-feira, trarei a este espaço um tema-chave sobre o meio ambiente, com contexto, notícias relevantes e dicas práticas para facilitar a sua jornada “verde”. Vamos começar com uma questão urgente: o desperdício alimentar.
Portugueses são os terceiros da UE que mais comida (e dinheiro) deitam ao lixo
O desperdício alimentar é um dos maiores desafios ambientais, económicos e sociais do nosso tempo. Em Portugal, cerca de 1,9 milhões de toneladas de alimentos são desperdiçadas anualmente, com as perdas a ocorrerem ao longo de toda a cadeia: na produção e transformação, na distribuição e comércio, mas também - e sobretudo - nos consumidores finais.
Ora porque os alimentos não correspondem aos padrões estéticos do mercado ou não conseguem ser escoados, ora porque há falhas no armazenamento e transporte ou os prazos de validade são muito curtos, ora porque as compras que fazemos nem sempre são ponderadas, a má gestão acontece. E tem um custo a pagar… na carteira, na sociedade e no clima.
Como podemos observar no gráfico abaixo, baseado nos últimos dados do Instituto Nacional de Estatística (INE), as famílias contribuíram com 67% dos resíduos alimentares produzidos em 2022. Em média, cada português descartou quase 185 quilogramas (kg) de comida, o que, segundo um estudo da Too Good to Go, representa um desperdício médio de 2,38kg por semana e de 10,3kg por mês.
Essa mesma empresa estima que, em termos financeiros, o resultado é de 336 euros desperdiçados em comida a cada 365 dias. Tendo em conta que a despesa anual por habitante em alimentação e bebidas é de €3091, conforme concluiu o Inquérito às Despesas de Famílias 2022-23, realizado pelo INE, significa que 10,8% do orçamento dos portugueses está a ser gasto em produtos desperdiçados.
Estes são números que posicionam o país como o terceiro que mais desperdício alimentar produz per capita entre os 27 Estados-membros da União Europeia (UE) - à frente, só a Dinamarca (254 kg) e o Chipre (294 kg), revela o Eurostat. Olhando rapidamente para o conjunto da UE: 59 milhões de toneladas de resíduos são gerados anualmente, num valor de mercado estimado de €132 mil milhões.
Desperdício ocorre enquanto 5,9% dos portugueses vive em risco de pobreza
Isto sucede ao mesmo tempo em que quase 10% dos cidadãos europeus não têm capacidade para pagar uma refeição de qualidade a cada dois dias. O gabinete de estatística da UE indica que, a nível nacional, 5,9% da população vive em risco de pobreza e enfrenta dificuldades em garantir uma alimentação adequada, que contenha carne, peixe ou equivalente vegetariano.
Mas descartar alimentos não significa “apenas” deitar ao lixo produtos que poderiam alimentar outras pessoas - vale lembrar que erradicar a fome é um dos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas. Ao fazê-lo, desperdiçamos também os recursos que são necessários para produzi-los e transportá-los, como sejam água e energia.
Na realidade portuguesa, refere o mesmo estudo da Too Good to Go que por cada 2,38kg de alimentos desperdiçados por habitante semanalmente, 6kg de dióxido de carbono são lançados para a atmosfera - e para que se tenha uma noção, convertido, este valor daria para carregar a bateria de 1422 telemóveis. Cada pessoa desperdiça ainda 1928 litros de água, o suficiente para encher 12 banheiras.
Como podemos ser parte da solução?
A União Europeia assumiu o compromisso de reduzir pela metade o desperdício alimentar per capita até 2030, exigindo aos Estados-membros que reduzam a quantidade de alimentos perdidos durante a produção e distribuição, mas também nos consumidores.
Sendo as famílias as principais responsáveis pela produção de resíduos alimentares, há pequenas ações que podemos adotar para ser parte da solução. Deixo-lhe cinco exemplos:
- Planeie as compras: antes de ir ao supermercado, faça uma lista com base no que já tem em casa para evitar comprar alimentos em excesso ou até mesmo dos quais não precisa;
- Armazene corretamente: aprenda a armazenar os alimentos de forma adequada para prolongar a sua vida útil - o congelamento é uma excelente forma de conservá-los e evitar que se desperdicem;
- Aproveite tudo: cascas, talos e sementes podem ser utilizados em diversas receitas, aumentando o aproveitamento dos alimentos - uma breve pesquisa pela internet bastará para encontrar múltiplas ideias, em alternativa, o chef do ano poderá ajudá-lo com dicas valiosas;
- Saiba distinguir a validade: “consumir de preferência até" indica que o produto ainda pode ser consumido com segurança após a data indicada, se estiver em boas condições;
- Organize o frigorífico: mantenha os alimentos mais antigos à frente e consuma-os primeiro para evitar que estraguem;
Entrevista Expresso: Transformar da terra à mesa
O Expresso rumou até às Caldas da Rainha para falar com Diogo Maurício, o diretor-executivo da Gwiker, empresa portuguesa que dá uma nova oportunidade às frutas e legumes que não atendem aos padrões estéticos do mercado fresco, transformando-os em produtos totalmente naturais, vegan e sem adição de açúcar.
Granolas, barras de frutas e papas de aveia instantâneas são algumas das criações que resultam do processo “pai”: a desidratação. A técnica elimina toda a água dos alimentos por evaporação, permitindo a sua conservação.
Parceira de mais de 60 fornecedores, entre os quais produtores e supermercados, a Gwiker conseguiu salvar do desperdício mais de 170 toneladas de imperfeitos em 2023. E fê-lo por via da sua própria marca e de outras, já que atua também em regime de private label. Leia o artigo na íntegra aqui.
Organizações que fazem a diferença
Várias organizações têm-se destacado na luta contra o desperdício alimentar em Portugal. Vale a pena conhecer estas três:
- Fundada em 2011, a Refood é uma organização sem fins lucrativos que tem como missão combater o desperdício alimentar e a fome. Através de mão de obra voluntária, recolhe alimentos excedentes de restaurantes, cafés, supermercados e outros estabelecimentos, redistribuindo-os posteriormente por pessoas em situação de vulnerabilidade social económica. Com uma rede de 60 núcleos e 7500 voluntários, o movimento conta com 2500 parceiros, o que a possibilita salvar uma média de 150 mil refeições e evitar 1000 toneladas de resíduos por mês.
- A Too Good to Go é uma aplicação móvel de origem dinamarquesa que combate o desperdício alimentar ao permitir que consumidores comprem a preços reduzidos alimentos excedentes de restaurantes, padarias, supermercados e outros estabelecimentos que de outra forma seriam descartados. Oferece “surprise bags” com produtos que estão próximos da data de validade, mas ainda em perfeitas condições de consumo. A plataforma chegou a Portugal em 2019 e, atualmente, conta com 2 milhões de utilizadores e mais de 4000 estabelecimentos parceiros. Salvou mais de 4 milhões de “surprise bags”.
- Em Portugal desde 2016, a francesa Phenix oferece soluções tecnológicas e logísticas para que empresas, principalmente no setor alimentar, possam otimizar a gestão dos seus excedentes e reduzir os resíduos. Além de ajudá-las a escoarem os produtos que se encontram perto da data de validade, através de uma app que permite a compra de “cabazes” em bom estado para consumo a preços mais baixos, também facilita a doação de produtos a ONG e instituições de caridade. Em 2023, salvou 12 mil toneladas de alimentos, tendo chegado a 450 mil famílias.
Cada gesto, por mais pequeno que seja, conta para criar um futuro mais “verde”. A newsletter Expresso SER volta à sua caixa de correio no próximo mês, com mais dicas e informação. Para sugestões ou comentários, contacte-me através de: mcdias@expresso.impresa.pt
Até lá, boas leituras e práticas sustentáveis!
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