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Nos últimos dias de 2023 e em janeiro de 2024, o frio esteve na origem de um aumento significativo da mortalidade. Num intervalo de apenas quatro semanas morreram mais 2830 pessoas além do que seria esperado. De acordo com o site europeu de vigilância da mortalidade (EuroMomo), Portugal foi o país que registou níveis de óbitos, numa altura em que a gripe e a circulação de outros vírus respiratórios são um cenário comum na Europa. Mas estes dados só foram piores durante a pandemia de covid-19.
Vários fenómenos podem explicar este aumento, que se reflete de forma mais significativa nas populações vulneráveis, acima dos 65 anos. A sobrecarga nas urgências do Serviço Nacional de Saúde (SNS), a descida acentuada das temperaturas, dificuldade em aquecer as casas, e as complicações de saúde associadas a um cocktail de vírus provocaram um impacto não apenas nos idosos, mas também nos jovens. Na segunda semana de 2024, Portugal ocupava o primeiro lugar na lista dos países com mais mortalidade da Europa. Seguem-se a Dinamarca, Grécia, Alemanha e Espanha, que registaram igualmente um excesso de mortalidade.
Esta semana o Expresso visitou Felicidade e Adília, duas irmãs que representam de forma genuína as dificuldades de saúde que o frio provoca nos mais idosos. Na sua casa, no coração de Lisboa, as janelas estão expostas a correntes de ar, e o telhado antigo deixa passar água nos dias mais chuvosos do inverno. São os alguidares que lhes valem para evitar inundações na sala e no quarto, onde os buracos no tecto são bem visíveis, duas divisões onde passam mais tempo.
Vestidas com camisolas polares, enroladas em mantas e com chinelos de lã, enfrentam como podem o rigor do clima, sem nunca perder o otimismo: “o que me vale são os rebuçadinhos do Dr. Bayard e o xarope de cenoura com açúcar mascavado”, disse Felicidade, 86 anos, vacinada, mas com uma constipação prolongada que lhe provoca uma tosse cavernosa e impede de terminar as frases durante a nossa conversa.
Rui Tato Marinho, diretor do Centro Hospitalar Universitário Lisboa Norte (Hospitais de Santa Maria e Pulido Valente), refere que no pico do inverno as urgências recebem sobretudo idosos, com mais de 75 anos, como Felicidade e Adília. São mais frágeis, menos autónomos e com tempos de internamento mais prolongados.
Mas voltemos a debruçar-nos sobre um dos principais fatores do problema: a pobreza energética. É que Portugal ocupa os lugares cimeiros da lista de países com maiores dificuldade em aquecer a casa, com 1,8 milhões de portugueses desconfortáveis em casa. Uma incapacidade que afeta sobretudo adultos com 65 anos ou mais, de acordo com dados do Eurostat de 2022. Em entrevista ao Expresso, João Pedro Gouveia, professor da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade NOVA de Lisboa | NOVA FCT, lembrou que a pobreza energética está muito relacionada com a qualidade dos edifícios. A migração do interior para as cidades levou a que a construção fosse feita de forma rápida e sem qualidade.
Dados de 2023 do Instituto Nacional de Estatística mostram que quase um terço das famílias não tem aquecimento em casa e apenas 14% recorrem a dispositivos como aquecimento central. As lareiras, salamandras e fogões são o tipo mais comum de equipamento para combater o frio, o que não se reflete na fatura de eletricidade e baralha as contas dos investigadores. Ainda assim, o professor refere que “os portugueses têm grande capacidade adaptativa”. “Vestimos duas camisolas, casaco, gorro e luvas antes de ligar o aquecimento em casa.” Neste aspeto, Felicidade e Adília são um paradigma: não usam aquecedor, preferem reforçar as mantas e roupa quente.
Medicamentos a mais
Nem tudo são más notícias: a longevidade está a aumentar em praticamente todos os países do mundo, enquanto a diferença entre a esperança de vida de homens e mulheres está a diminuir. O tema está cada vez mais na agenda e Portugal aprovou na primeira semana deste mês o Plano de Ação para o Envelhecimento Ativo e Saudável. Trata-se de um investimento inédito: €1300 milhões de fundos provenientes do PRR e da agenda Portugal 2030.
Saúde e bem-estar; Autonomia e vida independente; Desenvolvimento e aprendizagem ao longo da vida; Vida laboral saudável ao longo do ciclo de vida; Rendimentos e economia do envelhecimento; Participação na sociedade, são as prioridades deste plano liderado pelo cardiologista Nuno Marques, e cuja estratégia está em linha com as políticas da Comissão Europeia e com o Livro Verde do Envelhecimento.
Há, no entanto, outros temas que carecem de intervenção: a polimedicação dos idosos é um deles. Um problema que acarreta diversos riscos. Foi isso que notou o médico Luís Monteiro, ainda durante o tempo de faculdade, ao qual dedicou a sua tese de doutoramento e conduziu também à construção de uma ferramenta eletrónica – ainda em desenvolvimento - que pretende auxiliar médicos, doentes e cuidadores. Objetivo: identificar medicamentos inapropriados e sugerir formas de os descontinuar. “Queremos fazer algo intuitivo, com smiles e alertas, para explicar se faz sentido ou não”, afirma o investigador.
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