Longevidade

Mudar pensamentos e ter novas perspetivas: um estudo-piloto ajuda maiores de 60 anos a combater a depressão

Mudar pensamentos e ter novas perspetivas: um estudo-piloto ajuda maiores de 60 anos a combater a depressão
Siriporn Wongmanee / EyeEm

A interpretação da realidade de uma forma negativa é característica da depressão. Mas através do treino metacognitivo, é possível “reestruturar o pensamento” e ter uma visão diferente dos acontecimentos. Este método está a ser desenvolvido num programa dedicado a pessoas com mais de 60 anos

Ajudar a mudar padrões de pensamento, tendencialmente negativos, e encontrar novas perspetivas para encarar uma situação: é este o foco do treino metacognitivo, cujo método está a ser desenvolvido num estudo-piloto no Hospital Garcia de Orta, em Almada. O programa destina-se a pessoas com mais de 60 anos, às quais foi diagnosticada depressão.

“É muito comum a pessoa com depressão ter uma visão muito negativa de tudo. O que o treino metacognitivo faz é dar exemplos práticos do dia a dia, para que as pessoas comecem a refletir sobre os seus próprios pensamentos e a reestruturar o pensamento”, explica ao Expresso a coordenadora do projeto “Treino metacognitivo para pessoas mais velhas com depressão (MCT-Silver)”, Lara Guedes de Pinho.

Um exemplo: organiza-se uma festa de aniversário, em que estão presentes vários familiares e amigos do aniversariante, mas um dos convidados faltou. “A pessoa com depressão tem tendência a focar-se nesse amigo que faltou, a atribuir a culpa a si própria: ‘este amigo faltou porque eu não sou importante para ele, porque não gosta de mim’”, ilustra a professora e investigadora do Comprehensive Health Research Centre, da Universidade de Évora.

O treino metacognitivo mostra que existem outras possibilidades para a mesma situação, outros motivos que justifiquem o que aconteceu. Depois de uma avaliação individual prévia, em que além da explicação do programa são avaliados os sintomas depressivos, a autoestima e as atitudes face ao envelhecimento, seguem-se as sessões com exercícios práticos, incluindo trabalhos de casa.

É nesta vertente que surge uma dinâmica que faz a diferença: a partilha em grupo. Cada participante aborda acontecimentos do dia a dia e os restantes colaboram na sugestão de diferentes soluções ou perspetivas. “Falam sobre os sintomas e pensamentos. Identificam-se uns com os outros”, resume Lara Guedes de Pinho.

“A depressão e a doença mental, no geral, fazem com que a pessoa se sinta sozinha, diferente. O facto de haver uma intervenção em grupo leva a que percebam que afinal não estão sozinhos, que há outras pessoas com os mesmos sintomas”, acrescenta. Tal contribui ainda para a diminuição do estigma que “a própria pessoa sente em relação à sua doença”.

Faltam opções não farmacológicas

O projeto teve origem na University Medical Center Hamburg-Eppendorf, na Alemanha, onde o treino metacognitivo foi inicialmente desenvolvido para pessoas com esquizofrenia – e sobre o qual incidiu a tese de doutoramento de Lara Guedes de Pinho. Surgiu, entretanto, a ideia de implementar a intervenção em Portugal. “Optámos por iniciar o treino metacognitivo com maiores de 60 anos porque há um elevado número de pessoas com depressão nesta faixa etária e com a pandemia agravou-se ainda mais o problema.”

Segundo a Ordem dos Psicólogos, a depressão afeta cerca de 10% dos portugueses e a Organização Mundial da Saúde estima que 5,7% das pessoas com mais de 60 anos sofrem de depressão. Em Portugal, o consumo de antidepressivos tem vindo a aumentar: no primeiro semestre de 2022, foram compradas 5.532.708 embalagens de antidepressivos, mais 8,2% em comparação com o mesmo período de 2021.

Sentimos a necessidade de implementar alguma intervenção não farmacológica em Portugal para a pessoa com depressão porque o que se faz neste momento, na maioria dos casos, é a prescrição de antidepressivos. Não há outras opções não farmacológicas, ou existem muito poucas”, retrata a investigadora, realçando que a doença está “subdiagnosticada”.

Muitas vezes, é a depressão que conduz à dependência em idade mais avançada. Em situações de multimorbilidade – quando se tem duas ou mais doenças –, se uma delas for depressão, “a probabilidade de dependência e incapacidade é muito superior”. “Se a pessoa tiver depressão e ao mesmo tempo uma doença física, a depressão faz com não tenha motivação para nada, para sair da cama, de casa ou para fazer coisas que anteriormente gostava de fazer, nem para o tratamento da doença física ou para a sua reabilitação.”

Além do Hospital Garcia de Orta, onde é executado por profissionais da área de enfermagem de saúde mental e psiquiatria, o objetivo é que o estudo-piloto – com financiamento do Acordo de Cooperação Científica entre Portugal e Alemanha da Fundação para a Ciência e a Tecnologia – consiga abranger pelo menos 100 pessoas e se realize em mais três unidades de saúde no Alentejo, uma região “muito envelhecida e onde há uma taxa elevada de depressão e de suicídios no idoso”.

No futuro, através da obtenção de mais financiamento, o intuito é chegar a mais hospitais em todo o país e “validar cientificamente” a intervenção, que também poderá ser aplicada nos cuidados de saúde primários, havendo condições para formar os profissionais da área da saúde mental.

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: scbaptista@impresa.pt

Comentários

Assine e junte-se ao novo fórum de comentários

Conheça a opinião de outros assinantes do Expresso e as respostas dos nossos jornalistas. Exclusivo para assinantes

Já é Assinante?
Comprou o Expresso?Insira o código presente na Revista E para se juntar ao debate
+ Vistas