Mais de 100 dias depois do início da guerra entre Israel e o Hamas, a situação humanitária em Gaza foi tema de discussão no Parlamento Europeu. A cinco meses das eleições, uns pediram o cessar-fogo, outros a libertação de reféns, outros pedem que se olhe para um “genocídio”. Mas os partidos unem-se maioritariamente numa vontade: que a União Europeia tenha mão forte para “intervir em prol da paz”
Na primeira sessão plenária do ano do Parlamento Europeu, em Estrasburgo, eurodeputados de vários grupos políticos uniram-se no pedido de um cessar-fogo permanente na Faixa de Gaza, reforçando o apelo à solução de dois Estados.
102 dias depois do início da guerra entre o Israel e o Hamas, ouviram-se esta terça-feira no Parlamento as considerações do Conselho Europeu e da Comissão Europeia e os discursos de deputados dos vários grupos políticos sobre a situação humanitária em Gaza e os riscos de escalada do conflito no Médio Oriente.
Pelo Conselho Europeu, Hajda Labib, ministra dos Negócios Estrangeiros da Bélgica — país que assumiu este mês a presidência —, refere que o apoio de 125 milhões de euros em ajuda humanitária para a população palestiniana em 2024, na Faixa de Gaza e na Cisjordânia, anunciado em dezembro por Ursula von der Leyen, será adiantado para fevereiro.
Labib reitera a criação de um Estado palestiniano para assegurar a segurança daquele povo, “um meio de poder sair desta crise atual”. Ponto de vista partilhado pela Comissão Europeia, que deixa claro que “a União Europeia [UE] quer encontrar uma solução para que existam dois Estados”.
Hajda Labib, ministra dos Negócios Estrangeiros da Bélgica, país que assumiu em janeiro a presidência do Conselho Europeu
Janez Lenarčič, comissário para a Ajuda Humanitária e Gestão de Crises, refere que a proteção dos civis é “primordial”, instando a Israel que “faça mais” para restringir os ataques em Gaza, uma vez que o “respeito pelas normas internacionais não é negociável”, mas que também o Hamas “deve libertar os reféns israelitas sem qualquer condição”.
A libertação dos reféns foi igualmente ponto comum entre deputados de várias posições políticas, ainda que, para os partidos da direita europeia, esta seja considerada a solução central para o conflito que se estende há mais de 100 dias.
Os Democratas Cristãos reforçam que “a solução para tudo isto” é a libertação dos reféns por parte do Hamas, com a extrema-direita do Grupo Identidade e Democracia a salientar que os reféns estão “nas mãos de verdadeiros criminosos” e que “há que pensar, acima de tudo, na situação” destes reféns. As intervenções de alguns dos deputados destes partidos foram recebidas com silêncio, outras com contestação.
Maioria dos grupos pede um cessar-fogo e a criação de um Estado palestiniano
A maioria das posições, porém, foi ao encontro da ideia de um cessar-fogo “permanente”. Os liberais do Renew Europe, pela voz da belga Hilde Vautmans, apontam que, “se a Europa quer ter uma influência geo-política, devemos empenhar-nos numa só solução e mostrar ao mundo que estamos de acordo entre nós, não a mais diferendos entre Estados-membros”.
Uma posição partilhada pelos eurodeputados portugueses que intervieram na sessão. Pedro Marques (PS), dos Socialistas e Democratas, ressalta a desproporcionalidade dos ataques de Israel na Faixa de Gaza face aos perpetrados pelo Hamas a 7 de outubro: “Como é que isto pode ser considerado uma resposta proporcional?”. “O Hamas tem de ser eliminado, mas a sua eliminação não pode ser feita a qualquer custo. As crianças e os doentes não são terroristas. Os crimes de guerra [de Israel] têm de ser trazidos à justiça”, refere o eurodeputado socialista.
Isabel Santos (PS), também dos socialistas, critica a passividade europeia perante “tudo o que está a acontecer”. “Só temos um caminho certeiro e limpo, um caminho para a paz com vista a um cessar-fogo”, refere.
Isabel Santos (PS), eurodeputada da bancada socialista, criticou a "passividade europeia" perante a guerra no Médio Oriente.
Os partidos mais à esquerda definem os ataques de Israel como um “genocídio”. Marisa Matias (BE), deputada no grupo da Esquerda, avisa que “o que está a acontecer em Gaza tem um nome: genocidio. E tem um autor: Israel, que continua a violação do direito internacional.”
“A UE não pode continuar cumplice da politica genocida de Israel”, complementa João Pimenta Lopes (PCP), referindo ser “premeditado” o “impedimento de acesso a água, alimentos, electricidade, combustíveis, medicamentos, a imposição da fome e da doença” em Gaza. “É vergonhoso que o último Conselho Europeu nem uma palavra tenha concluido sobre o sofrimento do povo palestiniano”, critica. O pedido da esquerda europeia acaba por ser unânime à maioria dos intervenientes: que a UE “intervenha em prol da paz”, como referiu a deputada Manon Aubry.
Diferentes partidos instaram o Parlamento Europeu a apoiar a iniciativa da África do Sul, que apresentou queixa contra Israel no Tribunal Internacional de Justiça, e classifique “como genocídio a ação de Israel”, como pedido por Manon Aubry, da Esquerda. Hajda Labib, pela presidência belga do Conselho Europeu, referiu no final da sessão que a UE está “atenta” à acusação sul-africana, ainda que a Comissão tenha dito, esta segunda-feira, que a União Europeia não pode estar envolvida no processo de acusação que a África do Sul interpôs contra Israel, mas que os Estados-membros podem.
Vários dos grupos parlamentares apontam, ainda, a criação de um Estado palestiniano independente e reconhecido internacionalmente, “no seguimento dos acordos de Oslo”. A Comissão Europeia refere que a União está a procurar caminhos para “encontrar uma solução em que existam dois Estados”. A resolução votada em outubro pelo Parlamento Europeu já reiterava o apoio à solução dos dois Estados, pela “necessidade absoluta de relançar imediatamente o processo de paz”.
Essa resolução, no entanto, focava-se nos “ataques terroristas desprezíveis do Hamas contra Israel e o direito de Israel de se defender em conformidade com o direito humanitário e internacional”. Esta quinta-feira, será votada uma nova resolução, a cinco meses das Eleições Europeias, que desta vez deverá ter em vista o cessar-fogo, a libertação de todos os reféns, bem como o fim do assassinato de jornalistas e trabalhadores humanitários.
Editado às 21h15 com a clarificação das declarações do eurodeputado português João Pimenta Lopes
[O Expresso viajou para Estrasburgo a convite do Parlamento Europeu]