Vêm aí legislativas e europeias: da governação económica ao pacto ecológico — que assuntos da UE podem "aterrar" nas eleições nacionais?
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Com uma curta distância entre as eleições legislativas e as europeias, o Expresso conversou com os eurodeputados portugueses para perceber que temas europeus, entre os que ainda estão por encerrar ou aqueles que recentemente atingiram o consenso, podem surgir em debate no panorama nacional
Com apenas três meses a separar as eleições legislativas, que acontecem a 10 de março, das europeias, que em Portugal decorrem a 9 de junho, as pastas europeias podem ditar os assuntos que serão discutidos nos debates que antecedem a eleição da nova Assembleia da República e algumas das medidas escolhidas para os programas eleitorais.
E isto tanto pode acontecer com temas que ainda estão por encerrar no Parlamento Europeu (PE) como com aqueles cujo acordo foi atingido recentemente. A governação económica na União Europeia (UE), a intensificação do combate à corrupção ou a mitigação dos efeitos das alterações climáticas são alguns dos temas europeus que terão agenda provável nos próximos programas eleitorais.
“Na verdade, estamos a eleger metade dos decisores europeus em março e a outra metade dos nossos decisores europeus em junho”, adverte Henrique Burnay, consultor em assuntos europeus e professor no Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica Portuguesa (IEP). O processo de decisão europeu envolve as duas partes: o Parlamento, constituído pelos eurodeputados, e o Conselho, formado pelos chefes de Estado dos 27 Estados‑Membros da UE.
A meio ano das eleições europeias, os eurodeputados portugueses apressam-se para encerrar os temas que consideram mais urgentes. Existe uma “pressão distinta entre o Parlamento e o Conselho, o Conselho com o seu ritmo normal e o Parlamento com vontade de fechar dossiers”, explica Henrique Burnay.
Governação económica europeia na política nacional
José Gusmão, eurodeputado eleito pelo Bloco de Esquerda, destaca como tema incontornável para a discussão durante as legislativas, as novas regras de governação económica, que vão “afetar de forma determinante o que será a política económica e social durante os próximos anos”.
O também vice-presidente da Comissão dos Assuntos Económicos e Monetários da UE explica que “praticamente toda a política de investimento público em Portugal ficou dependente dos fundos comunitários”, o que ditou os níveis “historicamente baixos de investimento público, que prejudicam a capacidade do país de ir fazendo uma transição, uma transformação da sua economia”. Para o deputado do BE, as regras de governação económica, que não tiveram a flexibilidade esperada, ”não vão ajudar muito" a inverter esta situação.
João Pimenta Lopes, eurodeputado do PCP, partilha uma opinião semelhante ao destacar as alterações às regras do Pacto da Estabilidade e Crescimento, um “instrumento de imposição de políticas orçamentais restritivas no quadro dos Estados e de desinvestimento até naquilo que são os próprios serviços públicos”. Face a este Pacto, o PCP propôs “não a necessidade de uma revisão do Pacto de Estabilidade, mas a sua revogação e a criação por oposição a este, aquilo que chamámos, um pacto pelo progresso social e pelo emprego".
O défice e a dívidasão igualmente “questões centrais para países como Portugal, que têm grandes constrangimentos financeiros” afirma Nuno Melo, deputado único do CDS-PP no PE. Realça também o “desperdício de fundos comunitários num país em que os recursos são escassos”.
Também, João Albuquerque, eurodeputado pelo PS, explica que o uso de fundos europeus “será sempre um ponto importante, porque é sempre um apoio fundamental para o desenvolvimento de Portugal e faz parte da nossa estratégia de convergência com o centro Europeu”.
Em relação à discussão dos fundos europeus, Henrique Burnay considera que há uma “visão muito pedinte da Europa”. Por isso, embora seja habitual uma forte discusão em torno do uso deste orçamento europeu, considera que isto é “zero política europeia”, pois trata-se de uma escolha nacional; uma decisão do país sobre onde quer aplicar o fundo.
Das migrações ao combate às alterações climáticas
“Há vários assuntos que são totalmente prioritários do ponto de vista da agenda europeia, que são conexos ou podem influenciar o debate para as eleições legislativas, alguns pela carga emocional”, explica Nuno Melo, referindo-se, por exemplo ao pacto de migrações, recentemente aprovado.
O presidente do CDS-PP salienta que este “é absolutamente necessário”. O líder centrista não o considera um“documento perfeito”, mas antes algo que“tem que conciliar diferentes realidades” e alinhar com as leis próprias de cada país. Defende que é preciso controlar os fluxos e perceber que a “União Europeia tem de escolher os migrantes que quer e não ser escolhida pelos migrantes que querem escolher a União Europeia”. Defende que esta é a forma de “podermos ser humanistas na integração”.
João Pimenta Lopes tem algumas dúvidas sobre a centralidade deste tema durante o debate legislativo, mas admite que “certamente alguns procurarão instrumentalizar uma parte da questão dos migrantes para promover sentimentos, enfim, xenófobos, de incompreensão e de estigma”.
Requerentes de asilo e migrantes num barco perto de Paleochora, no sul de Creta, depois de terem sido resgatados do mar
Outra problemática que será preponderante na altura de elaborar os programas eleitorais é o combate às alterações climáticas. Com o lema “um pacto verde, um coração vermelho”, João Albuquerque afirma que “a própria Comissão Europeia reconheceu que os Estados-Membros têm que fazer mais e melhor, relativamente àquilo que foram os compromissos que assumiram no âmbito do Pacto Ecológico Europeu”. O eurodeputado afirma que é necessário existir uma transição energética que “que seja verdadeiramente justa” e que “não deixe ninguém para trás”.
Também acerca deste tema, José Gusmão aponta que “tem havido um recuo nas ambições europeias no que diz respeito à transição energética e no combate às alterações climáticas” e que Portugal tem “um lugar um bocadinho particular” com “recursos extraordinários do ponto de vista das energias renováveis”, por isso, é preciso discutir a transição energética de forma a “aliviar a fatura de energia das famílias”.
Portugal, cada vez mais assolado por secas, precisa de encontrar soluções para a escassez de água. Um tema crucial para o presidente do CDS-PP, que defende ser necessário mais financiamento da União Europeia para combater esta problemática e a adoção de uma política pensada para os países do Sul da Europa, que pela localização, sofrem mais com este problema. “Se o CDS concorresse sozinho, estaria de certeza absoluta [no programa eleitoral] e eu espero que o CDS consiga influenciar a nível da coligação o tema da água como prioritário”, diz.
Nuno Melo destaca ainda a diretiva contra a corrupção, por encerrar, na qual o mesmo está responsável pelo relatório. “Todo o debate sobre a corrupção tem justificado muito também, até a ascensão de certos extremismos e esta configuração político-partidária da União Europeia nos últimos anos, e portanto, eu acredito que esta diretiva contra a corrupção também será tema nas eleições legislativas e nas europeias”, diz.
“A extrema-direita, que passa a vida a falar sobre a limpeza da política, nem sequer nomeou um relator” para esta diretiva, revela José Gusmão e acrescenta que “esta é uma ausência que diz volumes sobre o verdadeiro compromisso da extrema-direita para com o combate à corrupção”.
Um tema importante para o PS e que “será claramente um dos principais temas de campanha” é o fim dos estágios não renumerados, um “grande cavalo de batalha” dos socialistas. E, embora o tema não seja concluído neste mandato europeu, João Albuquerque espera que “possa entrar agora nas prioridades da Comissão para 2024”.
“Haverá pontos de convergência, obviamente, entre os dois momentos, sobretudo tendo em conta a proximidade das eleições, mas nós temos que ser capazes de, nas eleições europeias, tentar debater aquilo que são mesmo os temas europeus e aquilo que são as matérias de competência da União [Europeia]”, diz o representante do PS. A crise na habitação “será ponto de convergência porque é um problema português, é um problema nacional, não obstante ter réplica em todos os países europeus”.
“Sentimos que este é um problema que afeta muito os jovens, que é uma coisa que tem muito impacto na possibilidade de os jovens se emanciparem, de criarem condições de autonomização, e de poderem viver vidas independentes e com condições decentes de vida”, afirma. Uma das estratégias, através do apoio da UE, que o eurodeputado do PS destaca foi a aplicação de “uma soma muito avultada” dos fundos do PRR às políticas de habitação, complementando aquilo que já era o investimento nacional.
Os impactos da guerra e a geopolítica europeia deveriam ser, para Henrique Burnay, dos temas por encerrar no Parlamento Europeu, os mais cruciais na discussão. O consultor em assuntos europeus explica, por exemplo, que é necessário clarificar a posição de cada partido quando à adesão da Ucrânia ou da Geórgia à UE. Caso ocorra o alargamento, o centro da Europa “vai deslocar centenas de quilómetros para leste e, portanto, nós vamos tornar-nos profundamente periféricos, isso é uma transformação brutal da Europa e não discutirmos o impacto disso e o que devemos fazer perante esse facto, é uma irresponsabilidade”.
Henrique Burnay admite ter a “esperança ingénua” de que as datas tão próximas permitam uma discussão apenas sobre políticas europeias durante as eleições para o Parlamento Europeu. José Gusmão, do BE, acredita que “vamos ter, sobretudo, debates sobre políticas nacionais e sinceramente acho que é o que faz sentido”, com as questões europeias a surgir como “contexto e naquilo que revelam do ponto de vista do posicionamento dos partidos”. Por outro lado, João Pimenta Lopes afirma que a prioridade serão os problemas concretos das pessoas “inevitavelmente”, ligando, a políticas que resultam da União Europeia.
O Expresso tentou obter reações do grupo do PSD no Parlamento Europeu, mas não nos foram dadas quaisquer declarações em tempo útil para a publicação no artigo.
Texto de Eunice Parreira editado por Pedro Miguel Coelho