Rússia

Putin diz que o Ocidente “está a preparar-se” para atacar a Rússia e avisa que isso pode desencadear uma guerra nuclear

Putin, em Moscovo, no já habitual discurso do estado da Nação
Putin, em Moscovo, no já habitual discurso do estado da Nação
Evgenia Novozhenina/REUTERS

O Presidente da Rússia, Vladimir Putin, começou o seu discurso do estado da Nação pelas questões internacionais, o que não é muito comum. Este ano, tem como pano de fundo o aviso do seu homólogo francês, Emmanuel Macron, que se recusou a negar, na segunda-feira, 26 de fevereiro, uma possibilidade futura de envio de tropas para a Ucrânia

O Presidente da Rússia falou na manhã desta quinta-feira, 29 de fevereiro, no Parlamento, no discurso anual do estado da Nação, e a primeira parte foi dedicada às ameaças do Ocidente que, na sua avaliação, são o maior problema que a Rússia enfrenta neste momento. “O Ocidente está a tentar destruir-nos e conter o nosso desenvolvimento”, afirmou Vladimir Putin, acrescentando ainda as “tendências imperialistas” desse mesmo Ocidente que já está a utilizar o espaço russo para o seus próprios fins. Esse espaço russo, para Putin, é a Ucrânia, um país que ele invadiu há dez anos. “Estão absolutamente determinados a introduzir a divisão entre nós e a enfraquecer-nos, mas os cidadãos da Rússia defenderão a [nossa] liberdade e independência. Só depende de vós, haver ou não um caminho determinado em direção ao futuro.”

Logo depois, Putin tornou-se mais específico, sublinhado que a Rússia vai retaliar se houver qualquer intervenção da NATO no território russo ou envio de tropas da NATO para a Ucrânia. “Estão a preparar-se para atacar o nosso território e a utilizar as melhores forças possíveis e mais eficazes para o fazer”, começou por afirmar. Não ficou claro o que quis Putin dizer com o “seu território”: se as fronteiras russas internacionalmente reconhecidas, se as que o líder russo desenhou no seu plano para ressuscitar a União Soviética. Na lei atual russa, há quatro distritos ucranianos ocupados que já são considerados russos: Luhansk, Donetsk, Kherson e Zaporíjia. Todos continuam a ser reconhecidos como parte da Ucrânia pela comunidade internacional.

Como resposta a esses ataques que Putin antecipa, a Rússia teria então de usar as suas armas, incluindo as nucleares. “O Ocidente tem de compreender que nós também temos armas. Armas que os podem derrotar no seu próprio território e, claro, tudo isto é muito perigoso porque pode efetivamente desencadear a utilização de armas nucleares. Será que eles não compreendem isso?”, perguntou Putin, olvidando o facto de que do lado do Ocidente esse tipo de armamento também existe.

Sempre muito antecipado e mediatizado, este estado da Nação está envolto numa camada extra de esforço propagandístico uma vez que a Rússia vai a votos entre 15 e 17 de março. Putin está a concorrer a mais seis anos de mandato, que obviamente vai obter sem esforço nas urnas que controla, mas ainda assim, desta vez, o Kremlin está mesmo a esforçar-se por transmitir a ideia de que as pessoas estão ainda mais ao lado do Presidente, e dão o seu total aval à guerra.

Uma outra parte do discurso foi dedicada a fazer-se passar por um líder que está interessado nas negociações, uma ideia que já tinha tentando transmitir na entrevista que deu a Carlson Tucker, ex-jornalista da emissora norte-americana Fox News, no início do mês. Nessa entrevista Putin disse até que tinha retirado as suas tropas de Kiev para que os ucranianos se sentissem mais confortáveis na mesa de negociações, mas que a delegação ucraniana foi convencida pelo Ocidente, nomeadamente pelo então primeiro-ministro britânico, Boris Johnson, a continuar a lutar. Os intervenientes nas negociações, que colapsaram um mês depois de terem tido início, em Istambul, já vieram negar que a Rússia tivesse estado seriamente investida nas negociações de paz, propondo apenas uma paz que incluísse a retenção do que foi conquistado ilegalmente e sem garantias de que não voltaria a atacar.

Hoje, disse que “a Rússia está pronta para dialogar com os Estados Unidos sobre a estabilidade estratégica”, garantiu, acusando, no entanto, os EUA de estarem a tentar "infligir uma derrota estratégica à Rússia”. “Há acusações infundadas contra a Rússia por causa de tentativas de instalar armas no espaço. É uma tentativa de forçar a Rússia a entrar em conversações. A declaração dos EUA sobre a disponibilidade para conversações sobre estabilidade estratégica é demagógica. O Ocidente está a tentar atrair a Rússia para uma corrida ao armamento”, afirmou perante o Parlamento.

É sempre um exercício complexo desmontar todo o raciocínio de Putin, tal como as referências históricas que quase sempre utiliza nos seus discursos. Umas vezes são vagas, outras vezes só revisionismo. Neste discurso, escolheu as referências vagas, ao lembrar os exércitos que não tiveram sucesso nas suas tentativas de invadir a Rússia. “Lembramo-nos do destino de outros que enviaram os seus contingentes para o nosso território”, disse Putin, atirando o discurso para as invasões nazis ou napoleónicas. A NATO nunca tentou invadir território russo, nem o atual nem o que, até 1990, se designava por União Soviética.

Depois de uma hora em que falou maioritariamente dos desafios internos, nas áreas da educação, desenvolvimento de infraestruturas e desenvolvimento tecnológico, Putin finalizou o discurso agradecendo aos “jovens soldados russos envolvidos na operação militar especial” que “vieram em defesa do país”.

Putin prometeu que aqueles que servem nas forças armadas russas terão um melhor acesso ao ensino superior e à formação académica no futuro. Os que voltarem.

Notícia atualizada às 13h09

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