Reino Unido

Boris Johnson não convence comité parlamentar da sua inocência no escândalo das festas ilegais e pode perder lugar de deputado

Boris Johnson numa das festas que afirma terem sido “essenciais” para fins de trabalho
Boris Johnson numa das festas que afirma terem sido “essenciais” para fins de trabalho
D.R.

Grupo de sete deputados emitirá veredicto dentro de semanas, mas até os companheiros de partido do ex-primeiro-ministro o criticaram ao longo de três horas de interrogatório. Johnson, que pode perder o assento parlamentar, não prometeu acatar a conclusão a que o comité chegar

Boris Johnson não convence comité parlamentar da sua inocência no escândalo das festas ilegais e pode perder lugar de deputado

Pedro Cordeiro

Editor da secção Internacional

Boris Johnson terá treinado longamente com assessores para não perder a compostura durante o interrogatório de três horas a que se sujeitou esta quarta-feira perante o Comité de Privilégios da Câmara dos Comuns. Em vão. Quando o deputado Bernard Jenkin, seu companheiro no Partido Conservador, sugeriu que o antigo primeiro-ministro não se aconselhou devidamente antes de ter afirmado ao Parlamento que não houvera festas na sua residência durante os confinamentos ditados pela pandemia (o que hoje se sabe ser falso, pois houve-as e ele frequentou pelo menos cincos), Johnson levantou a voz: “É um disparate completo”.

“Perguntei às pessoas relevantes. Eram pessoas importantes. Tinham trabalhado muito”, assegurou o ex-governante (2019-22). Johnson, que jurou “de mão no coração” não ter mentido à Câmara dos Comuns, repetiu várias vezes ter seguido a informação dada por assessores e que, se esta era errada, ele não estava ciente disso.

Esta linha tem sido minada pela afirmação de vários responsáveis do seu então gabinete de que não lhe deram qualquer segurança de que não houvera violação de regras sanitárias. Simon Case, à época secretário do Governo, negou tê-lo feito. O então diretor de Comunicações Jack Doyle, demarcou-se da afirmação de Johnson de que lhe fora dito “repetidas vezes que não houve incumprimento de regras”. “É difícil dizer uma coisa dessas”, rematou.

A agravar o caso de Johnson, o comité apurou que este abdicara de dizer, num debate parlamentar, que seguira sempre as diretrizes, após aviso do seu secretário particular.

Johnson admite que distanciamento não foi perfeito nem rígido

Os sete deputados que avaliarão o seu comportamento — quatro conservadores, dois trabalhistas e um nacionalista escocês — demorarão algumas semanas a emitir o seu veredicto. Se decretarem que enganou o Parlamento deliberadamente ou por irresponsabilidade, pode ser suspenso e, no limite, o lugar de deputado por Uxbridge e Ruislip Sul (Grande Londres) ir a votos mais cedo do que o previsto.

A trabalhista Harriet Harman, que preside ao comité, considerou a defesa de Johnson “fraca”, afirmando que este se satisfez com garantias pouco sólidas dos seus adidos. As conclusões do comité serão submetidas a votação por todos os 650 deputados, tendo o primeiro-ministro Rishi Sunak assegurado que os conservadores terão liberdade de voto.

Embora reconhecendo que o distanciamento social não foi “perfeito” nem “rigidamente cumprido” em Downing Street, o antigo chefe de Governo — acompanhado de um assessor jurídico e de apoiantes políticos como o ex-ministro Jacob Rees-Mogg — assegurou que os encontros polémicos foram reuniões de trabalho “essenciais”, até as despedidas festivas de funcionários que mudaram de posto, com consumo de bebidas alcoólicas, aperitivos e ambiente de diversão.

Até a sua festa de anos de 20 de junho de 2020, pela qual foram multados tanto o próprio como Sunak, então ministro das Finanças (duas de 126 penalidades emitidas), era “razoavelmente necessária para fins de trabalho”, sustentou Johnson, acrescentando que ambos ficaram surpreendidos pelo castigo imposto pela polícia. A seu ver, o pessoal da residência oficial não podia ter “uma cerca elétrica invisível em seu redor”.

Enquanto Boris Johnson depunha no comité parlamentar, críticos manifestavam-se à porta do Parlamento acusando-o de ser mentiroso
ADRIAN DENNIS/Getty Images

As revelações sobre festas no n.º 10 de Downing Street e noutros edifícios do Executivo surgiram em 2021 e causaram escândalo, pois os governantes não seguiam as regras que impunham ao povo. Na altura Doyle, o diretor de comunicações, terá recomendado a um colega: “Sê robusto e eles acabam por se aborrecer”.

Circular a 100 à hora, mas dizer que não

Jenkin espantou-se por ouvir Johnson considerar normal aconselhar-se apenas com conselheiros políticos e de comunicação antes de falar ao Parlamento sobre as festas. “Se me acusassem de violar a lei e tivesse de falar sob compromissos ao Parlamento, quereria aconselhar-me com um advogado”, disse o deputado, para fúria do seu antigo chefe. Havendo “a mais fina centelha de dúvida”, insistiu, esses pareceres seriam indispensáveis.

Foi aí que Johnson levantou a voz, irritado. “Perguntei às pessoas relevantes. Eram pessoas importantes. Trabalhavam muito.”

Jenkin assegurou que o comité não concordava com essa avaliação e com a interpretação que o antigo primeiro-ministro fez das diretrizes do seu próprio Governo. “As orientações não diziam que se podia fazer festas de agradecimento com tantas pessoas na sala quantas se quisesse.” Harman recorreu a uma imagem: “Se eu circulasse a 100 milhas à hora e visse o velocímetro a dizer 100 milhas à hora, não seria estranho eu dizer: ‘Asseguraram-me que não’”.

Johnson não quis comprometer-se a aceitar o que o comité decidir. “Esperarei para ver como atuam com os indícios que têm. Estudarei as conclusões que tirarem dos indícios. Creio que se estudarem estes indícios de forma imparcial, chegarão à conclusão que indiquei.” E quando se despediu, no fim da sessão, dizendo ter “gostado muito” da conversa, alguém que estava na sala não foi capaz de conter uma gargalhada.

Outra reação irónica veio de Dominic Cummings, o antigo chefe de gabinete com quem Johnson se incompatibilizou. “Toda a defesa se baseia em afirmar que ele só repetiu à Câmara dos Comuns as garantias que altos funcionários lhe tinham dado, mas os três mais altos funcionários disseram que não lhe deram garantias de que as regras e orientações tivessem sido ‘seguidas em todos os momentos’. Quando lhe perguntaram quem lhe deu tais garantias, respondeu que não quer nomear as pessoas, mas elas existem. Está encurralado pelas suas próprias mentiras e sabe-o”, escreveu nas redes sociais.

Cheira a virar de página

O jornal “The Guardian” escreve que é provável que o comité responsabilize Johnson por mentira irresponsável, mais do que deliberada. Se lhe for aplicada uma suspensão de mais de dez dias, terá de haver eleições antecipadas no círculo que representa. Mas o diário progressista admite que seria inédito, pelo que os sete deputados que avaliam o ex-primeiro-ministro podem preferir uma sanção mais leve mas que recolha maior consenso no Parlamento todo.

“The Telegraph”, mais politicamente próximo de Johnson, deteta no interrogatório desta quarta-feira “ecos dos últimos dias de Roma” — isto é, de fim de carreira política do homem que ao demitir-se, em 2022, se comparou a Cincinato, general romano que foi chamado após jubilado para uma última batalha —, mormente porque ao mesmo tempo Sunak conseguiu fazer aprovar na Câmara dos Comuns um acordo para a Irlanda do Norte a que o antecessor se opusera.

Vários dos eurocéticos que outrora apoiavam Johnson estão hoje ao lado do atual chefe de Executivo. Até Kwasi Kwarteng, efémero ministro das Finanças no consulado de mês e meio de Liz Truss, elogiou o orçamento de Estado recentemente apresentado pelo seu sucessor Jeremy Hunt.

Nas últimas semanas, Sunak colecionou êxitos como o acordo com Bruxelas para a fronteira irlandesa, alguma recuperação de intenções de voto nos estudos de opinião — apesar da larga vantagem para o Partido Trabalhista de Keir Starmer —, a confirmação do pacto Aukus com a Austrália e os Estados Unidos, a queda da independentista Nicola Sturgeon de chefe do governo regional escocês e, sem dúvida, a perda de (ainda mais) credibilidade de Johnson.

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