Sánchez é reeleito, mas fica refém das exigências dos parceiros de coligação e da contestação nas ruas
Pedro Sánchez foi reconduzido no cargo de primeiro-ministro de Espanha
SUSANA VERA/REUTERS
Depois de uma investidura sofrida, Sánchez respira de alívio mas vê-se agora obrigado a honrar os pactos com os independentistas, ao mesmo tempo que terá de aliviar a pressão do povo nas ruas de Espanha, apoiado por movimentos da ultradireita e do Partido Popular
Pedro Sánchez (51 anos) jurará amanhã (sexta-feira) o seu cargo perante o rei Filipe VI e retomará as suas funções como presidente do Governo de Espanha, que exercia de maneira provisória desde que decidiu dissolver o Parlamento e antecipar as eleições gerais em 23 de julho. Hoje, cumprindo o guião previsto, acabou eleito para esta alta função política por maioria absoluta (179 votos a favor, 171 contra) no Congresso dos Deputados.
Apesar de não ter a lista mais votada nos sufrágios de julho, o político madrileno conseguiu forjar uma aliança de múltiplos apoios com grupos muito díspares, que incluem partidos de esquerda, independentistas catalães e bascos, nacionalistas e regionalistas de variado cunho, sob a batuta do Partido Socialista Operário Espanhol (PSOE, centro-esquerda), do qual Sánchez é secretário-geral. Os socialistas formarão coligação de Governo com o Somar, dirigido pela até agora segunda vice-presidente do Executivo, Yolanda Díaz. Sánchez anunciará a formação da sua nova equipa governamental — que já está muito definida, segundo fontes próximas do Palácio de La Moncloa — no próximo fim de semana. O Partido Popular (PP, centro-direita), dirigido por Alberto Núñez Feijóo, vencedor das eleições, passa a encabeçar a oposição.
Legislatura turbulenta
Como tarefas imediatas, uma vez constituído o novo Governo, surgem a aprovação dos Orçamentos, que já estão elaborados, o fim do mandato semestral por parte de Espanha no Conselho da UE ou a normalização do poder judicial, abalado por numerosos incidentes nos últimos anos.
Gorka Elejabarrieta fotografado no Senado espanhol, em Madrid
Se a sessão de investidura for tida como um reflexo do que virá a ser o resto da legislatura, já se pode antecipar que esta que agora começa (15ª) será turbulenta. Foi o que resultou do intercâmbio de discursos através dos quais o candidato a presidente e os restantes líderes políticos expuseram e defenderam as suas teses, com abundância de palavras grosseiras, de acusações e até de insultos.
Num debate que teve momentos muito ásperos e desagradáveis, os eixos da confrontação dialética ficaram delimitados: o aspirante à investidura acusa o líder da oposição conservadora de se acorrentar à ultradireita do Vox a partir das eleições municipais e autonómicas de 28 de maio passado e comprometer assim a rejeição deste por boa parte dos cidadãos. Núñez Feijóo censura Sánchez por ter feito concessões anticonstitucionais aos independentistas catalães com o único objetivo de ganhar o favor dos seus votos parlamentares para continuar à frente do Governo.
Por esta mesma razão, Santiago Abascal, presidente do Vox, acusa o líder socialista de estar a encabeçar um golpe de Estado e de assestar o mais grave ataque sofrido pela democracia espanhola. Se Feijóo descreveu o seu oponente como “um ambicioso sem escrúpulos capaz de ceder qualquer coisa a fim de manter o seu benefício pessoal”, Abascal comparou o candidato com “Chávez, Maduro ou Hitler” e recordou-lhe que o líder nazi alemão também chegou ao poder através de eleições democráticas.
Manifestações diárias
Tudo isto com o ruído de fundo das manifestações diárias nas ruas, alentadas pelo PP e pelo Vox, que tiveram o seu auge nas manifestações massivas em toda a Espanha no passado domingo, dia 12. O líder da ultradireita espanhola recriminou Feijóo e ameaçou romper os acordos que mantêm em cinco comunidades autónomas e 134 municípios se o PP não rejeitar no Senado a aprovação da Lei da Amnistia. O chefe dos conservadores espanhóis, pelo seu lado, prometeu continuar a utilizar as ruas para agitar a contestação a Sánchez.
Protesto em Barcelona contra a amnistia aos independentistas catalães que permitirá a recondução do socialista Pedro Sánchez como primeiro-ministro
A causa principal dos duros juízos da oposição aos métodos com que Pedro Sánchez conseguiu reunir a maioria parlamentar que lhe permite revalidar o cargo são as concessões feitas aos principais grupos independentistas catalães, Esquerda Republicana da Catalunha (ERC, à frente do Governo regional) e Juntos pela Catalunha (JxCat, separatistas conservadores). A principal é uma amnistia para todos os implicados nos processos judiciais relacionados com os dois referendos ilegais de independência que se celebraram na Catalunha em 2014 e 2017.
Regressos polémicos
Essa disposição legal, cujo texto começará a ser discutido no Parlamento na próxima semana, elimina todos os delitos relacionados com o independentismo catalão desde 2012 a 2023 e extingue as suas consequências penais, políticas e económicas. Permite, além disso, o regresso a Espanha, quando a lei entrar em vigor, de figuras políticas fugidas à justiça espanhola, como o antigo presidente do Governo autonómico catalão Carles Puigdemont, que proclamou de maneira unilateral a independência da Catalunha em 10 de outubro de 2017, embora tenha suspendido em seguida os seus efeitos jurídicos. Puigdemont, um foragido à justiça, foi figura-chave nas negociações para se chegar aos apoios do independentismo à investidura de Sánchez. Núñez Feijóo prometeu recorrer às instituições da UE para que Espanha seja sancionada.
Em nome da “concórdia e da convivência”, Sánchez pactuou com os independentistas catalães boa parte das exigências destes: perdão de uma parte da dívida, gestão de 100% dos impostos gerados na região, diálogo para encontrar encaixe constitucional a um futuro referendo de autodeterminação, presença de verificadores internacionais para garantir o cumprimento dos acordos, entre outros.
Precisamente a vigilância desse cumprimento apresenta-se como um dos elementos mais determinantes da legislatura que agora começa. Os porta-vozes parlamentares da ERC, Gabriel Rufián, e do JxCat, Miriam Nogueras, advertiram Sánchez na sessão de investidura, em tom muito severo, de que ele terá de ganhar “peça a peça” o apoio dos grupos catalanistas às suas iniciativas legais. “Ou as coisas mudam de verdade ou, se não for assim, não apoiaremos nada do que este Governo aprovar”, ameaçou Nogueras, que concluiu: “Connosco não se arrisque a tentar a sorte.”