Sem nunca referir a Rússia, o presidente brasileiro repudiou "veementemente o uso da força como meio de resolver disputas”, num recado que parece dirigido a Vladimir Putin. Contudo, deixa também claro que discorda da política de "sanções e bloqueios" que serve "apenas para penalizar as populações mais vulneráveis”. E, aqui, a crítica é claramente para os europeus.
Lula da Silva foi o primeiro o fazer-se ouvir esta segunda-feira em Bruxelas, onde reclamou para o Brasil um lugar de destaque na política internacional. Lamenta que a guerra "no coração da Europa" canalize "para fins bélicos, recursos até então essenciais para a economia e programas sociais". Diz que "a corrida armamentista dificulta ainda mais o enfrentamento da mudança do clima".
Na resposta, António Costa argumenta que o reforço do investimento em defesa "não é desejável", mas "é necessário", ao mesmo tempo que desdramatiza as divergências. “É um sinal de que o mundo é diverso e que não olha com os mesmos olhos para todos os problemas”. A posição do Brasil nem sequer é das mais polémicas e, nas Nações Unidas, o país acompanha os europeus na votação das resoluções sobre a invasão da Ucrânia.
Um assunto “incontornável”
A posição de Cuba, Venezuela ou Nicarágua é bem mais incómoda, ao recusarem condenar Putin. E é por isso que, para o chanceler austríaco, o assunto deve ser discutido. "A América Latina não está unida. Alguns países têm um posicionamento claro contra a Federação Russa e outros, como Cuba, não", afirmou Karl Nehammer à entrada para o encontro.
Alguns líderes - sobretudo da América Latina - ainda tentaram virar o foco para as parcerias económicas e os desafios sociais e climáticos, mas a atualidade foi mais forte. A decisão da Rússia de não renovar o acordo dos cereais, tornou o assunto "guerra" incontornável. E para os que, do outro lado do Atlântico, acham que o conflito na Ucrânia é um problema europeu, o chanceler alemão, Olaf Scholz, avisa que os efeitos são globais: "muitos países, também na América do Sul, sofrem as consequências da guerra de agressão da Rússia devido ao aumento dos preços e às questões de segurança alimentar".
A UE gostaria que a declaração final fosse forte a condenar a Rússia, mas a referência a Moscovo poderá ser uma total ausência, sendo a linguagem final a que é defendida pelos países da América Latina e Caraíbas. Tal como o Expresso antecipou este domingo, a CELAC defende que se escreva apenas que estão “preocupados com a guerra” e as consequências “para a economia global” e que “apoiam as iniciativas a favor do fim das hostilidades”.
Para o primeiro-ministro holandês, a questão que se coloca é "como convencer" a América Latina "a apoiar a Ucrânia". Mark Rutte considera a questão fundamental e faz um mea culpa. Lembra que, "no passado, a UE nem sempre atendeu o telefone para escutar os problemas dos outros". Agora terá de saber corrigir a atitude "arrogante", face a uma "guerra geopolítica" e onde há interesses comuns.
Ganhar terreno à Rússia e à China
E os interesses passam também por ganhar terreno à Rússia e à China do outro lado do Atlântico. A UE quer ser o parceiro fiável e confiável para os latino-americanos e os caribenhos. "Os países da CELAC constituem uma enorme oportunidade. Muitos falam de recursos naturais. Eu estou a pensar em parcerias", diz o primeiro-ministro da Letónia. Krišjānis Kariņš diz que "a UE precisa de parcerias para o comércio, as empresas e a segurança".
O presidente do Chile - com quem a UE assina, esta terça-feira, um memorando de entendimento sobre matérias-primas críticas, como o lítio - mostra-se disposto a "impulsionar" parcerias nas várias dimensões "não apenas comerciais e económicas mas também políticas e sociais".
Os europeus querem diversificar fornecedores e procurar alternativas à China, numa lógica de diminuir dependências. Mas é o próprio alto-representante para a política externa a reconhecer que a UE não pode olhar para a CELAC "a partir de uma lógica de extração". Josep Borrell reconhece que se esse for o tiro, pode sair ao lado. "Precisamos deles para os materiais, mas não é só por isso. Temos de apoiar estes países para que acrescentem valor a estes recursos minerais".
Para já, o sucesso principal da cimeira é o de ter acontecido, reatando um formato parado há oito anos. Esta terça-feira, continua o fórum de discussão e as reuniões bilaterais. E não só vão tentar chegar a um consenso sobre a declaração final, como há a expectativa de que, à margem, se possa dar esperança a acordos que têm estado parados como o do Mercosul, com o Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai.
A presidência espanhola da UE tem esperança num acordo até ao final do ano e António Costa veio dizer, esta segunda-feira, que também a partilha. França e Áustria têm estado no centro do bloqueio, do lado europeu. Já Lula da Silva reafirma que tem como "prioridade" fechar o acordo do Mercosul com a UE, mas avisa que o processo deve basear-se "na confiança mútua e não em ameaças”, avisando que “a defesa de valores ambientais (...) não pode ser desculpa para o protecionismo”.