Internacional

“Não é o meu rei”. Movimento republicano no Reino Unido protesta na coroação. Líder do grupo foi detido

Membro do grupo Republic detido pela polícia em Londres no dia da coroação de Carlos III
Membro do grupo Republic detido pela polícia em Londres no dia da coroação de Carlos III
NIKLAS HALLEN/AFP/Getty Images

Cada vez menos britânicos consideram a monarquia parte “importante” da vida coletiva do país. Isso não quer dizer que o Reino Unido deixe de ter monarcas como chefes de Estado a curto prazo, mas que é preciso ter cuidado como a forma como se comunica os benefícios da família real, assente na hereditariedade e sustentada pelos impostos do povo. Esta manhã, enquanto preparava cartazes e bebidas para os manifestantes antimonarquia, a polícia prendeu o chefe do principal grupo republicano do país

“Não é o meu rei”. Movimento republicano no Reino Unido protesta na coroação. Líder do grupo foi detido

Ana França

Jornalista da secção Internacional

Nem Carlos III nem o seu filho mais velho e herdeiro do trono, William, e sua mulher, Kate, que as britânicas seguem como padrão de elegância, nem Harry e Meghan e as suas vidas de celebridades dos dois lados do Atlântico conseguem encantar quem, no Reino Unido, está contra a ideia de monarquia. Podem vir os sucessores que vierem, para quem é republicano, nenhum chefe de Estado hereditário serve.

É por isso que os membros do grupo Republic, a maior organização republicana no país, estão este sábado na rua, em protesto. Mas o seu presidente e rosto mais reconhecível, Graham Smith, já não vai poder gritar “Não é o meu rei!” nem agitar bandeiras com o slogan dos republicanos para a coroação. Foi preso no centro de Londres, com outros republicanos, perto da praça Trafalgar, enquanto reunia cartazes e bebidas para oferecer aos manifestantes.

A polícia londrina já avisara que haveria “pouca tolerância” com os que tentassem “provocar disrupção” na festa, mas o protesto antimonárquico tinha sido autorizado pelo Governo. “Os nossos membros perguntaram porque estavam a ser presos e a polícia disse que saberiam depois de uma revista à carrinha. Mas em seguida, simplesmente prenderam os seis organizadores que lá estavam. Perguntámos qual a base legal para esta decisão, mas não recebemos resposta. É estranho, porque durante a semana reunimo-nos algumas vezes com a polícia e estavam de passo acertado connosco”, disse outro membro do Republic, Harry Stratton, ao diário “The Guardian”.

Menos republicanos do que se previa

Os manifestantes tinham esperado mais gente no protesto, que se reuniu perto da estátua de Carlos I, o rei que perdeu a cabeça, literalmente, às mãos dos republicanos de Cromwell há quase 400 anos. Quando a enorme procissão de pessoas que, pelo contrário, se reuniram para celebrar a monarquia, começou a descer sobre Trafalgar Sqaure com bandeiras, óculos e roupa brilhante com as cores do Reino Unido, os republicanos admitiram que os do seu lado eram “muito, muito menos”. A monarquia leva mais de um milénio de existência, a contar dos primórdios; o Republic nasceu em 1986.

Symon Hill, também do Republic, escreveu um artigo no jornal britânico “i” a explicar alguns dos motivos dos republicanos que saíramà rua. “Vou ter um cartaz com a frase ‘Charles Windsor é meu igual’”, escreveu. “A monarquia dá continuidade a sociedade desigual, justificando a ideia de que uma pessoa deve se curvar a outra e que a vida de algumas pessoas é mais importante do que a de outras”.

Nada disto significa o movimento seja suficientemente expressivo para ser um problema imediato para a família real, apenas que a desilusão com algumas das práticas e privilégios que caracterizam as monarquias está cada vez visível, sobretudo entre os mais novos. Uma sondagem da empresa YouGov, há dois anos, mostra que 41% dos jovens de 18 a 24 anos consideram que o chefe de Estado devia ser eleito, contra 31% dos que apoiam a existência de um rei ou rainha. Dois anos antes desta sondagem, em 2019, os números eram quase ao contrário: 46% preferiam a monarquia a 26% desejam a sua substituição por um regime republicano.

Entre a faixa etária seguinte (25-49 anos) o apoio à monarquia sobe, para 53%, mas mesmo este número revela uma queda de cinco pontos percentuais desde que as mesmas perguntas foram feitas aos britânicas em 2019. O apoio a um chefe de Estado eleito subiu, nesse período, quatro pontos. Em abril deste ano, outro estudo, do Centro National de Investigação Sociológica, mostra que a oposição, ou a apatia perante a monarquia atingiu números inéditos. Apenas 29% dos inquiridos a consideram “muito importante” para o país, o nível mais baixo em 40 anos de sondagens desde centro sobre o assunto.

Numa recente entrevista com a revista “Time”, o líder do “Republic” explicou algumas das razões que, na sua opinião, estão a levar à decadência do fulgor monárquico no país. “Grande parte da monarquia estava ligada à rainha, e Carlos não é a rainha. Grande parte é isso. E então há grandes mudanças nas atitudes: acho que, de maneiras muito diferentes, Harry e André causaram muitos danos à monarquia, e o feitiço foi quebrado. As pessoas não os veem como algo diferente ou especial”, disse Graham Smith, numa referência ao filho mais novo de Carlos, que se afastou da família por considerá-la opressiva e até racista com a sua mulher, Meghan Markle, e a André, irmão de Carlos, acusado de abuso sexual de uma menor de 17 anos.

A marca Reino Unido

Os que vibram com este dia, e são milhares e milhares, dizem que a marca “Reino Unido” é, em grande parte, a monarquia. É o traço distintivo do país, que lhe confere a estabilidade, traz turistas, investimento, une toda a gente e serve de lembrança permanente das lutas passadas. Do outro lado, estão os que não entendem como é que se justifica gastar tantos milhares de libras numa coroação quando a inflação no Reino Unido atingiu 10%, quando médicos, enfermeiros e maquinistas de comboios estão em greve, quando as filas para entrega de bens essenciais gratuitos crescem de semana para semana.

Os custos finais da coroação só serão conhecidos depois de todos os confetti terem sido varridos das ruas, mas a coroação da mãe de Carlos, Isabel II, custou qualquer coisa como 912 mil libras, isto em 1959, qualquer coisa como 25 milhões de euros nos dias de hoje.

Carlos III reduziu a sua lista de convidados, de 8000 mil para 2000, e vai chamou para a cerimónia, pela primeira vez, não só bispos mulheres como também líderes de comunidades religiosas com forte presença no Reino Unido: budistas, muçulmanos, judeus, sikh.

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: afranca@impresa.pt

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