É o segredo mais mal guardado de Bruxelas: Volodymir Zelensky vai finalmente marcar presença numa Cimeira Europeia, depois de ter ido a Washington em dezembro e a Londres e Paris esta quarta-feira. Por questões de segurança, a coreografia e respetivas horas do Conselho Europeu não foram oficialmente divulgadas, mas tudo aponta para uma manhã de discussão com os 27 líderes europeus, seguida de um almoço. Antes, o presidente ucraniano deverá passar pelo Parlamento Europeu, para discursar perante os eurodeputados.
O Conselho Europeu resistiu o mais que pode a confirmar a viagem, mas a informação fugiu ao controlo do presidente da instituição, Charles Michel, que convidou o líder ucraniano a deslocar-se a Bruxelas. O Parlamento Europeu deixou "escapar" a informação logo na segunda-feira. Depois, já nesta quarta-feira, o primeiro-ministro português deu como certo o incerto, merecendo uma crítica de um alto responsável europeu que considerou a confirmação de António Costa "um jogo irresponsável".
Só que com Zelensky a voar entre Londres e Paris, não restavam grandes dúvidas sobre o destino seguinte e o próprio acabou por confirmar a visita a Bruxelas quando estava ainda no Reino Unido. A preocupação é só uma: a segurança do presidente ucraniano. Ao fim de quase um ano de guerra é a segunda vez que sai do país.
Zelensky não tem escondido aquilo que pretende: pede mais armas, mais tanques e quer também que os aliados lhe enviem caças: "aviões modernos" que permitam terminar a guerra "mais rapidamente", afirmou em Paris. Da UE espera, ainda, apoio financeiro, o reforço das sanções à Rússia e uma porta de entrada para o projeto europeu. Esta quinta-feira deverá ouvir muitas palavras de solidariedade e apoio, mas os caças estão para já fora da mesa, o décimo pacote de sanções ainda não está pronto e a abertura das negociações de adesão é ainda uma miragem.
Fortes palavras de apoio, mas adesão ainda é miragem
Em Bruxelas, a surpresa não foi tanto a deslocação de Zelensky, mas o timing. Fonte diplomática dá conta de que teria feito mais sentido "em março" ou "junho". Desde logo, porque passou apenas uma semana desde a Cimeira UE-Ucrânia em Kiev - não há grandes novidades a anunciar - e, depois, porque só na primavera é que a Comissão vai divulgar uma primeira análise dos progressos feitos pela Ucrânia face aos objetivos traçados quando da atribuição do estatuto de país candidato.
Os líderes vão reafirmar que "o futuro da Ucrânia é na UE" e que continuarão "a fornecer um forte apoio político, económico, militar, financeiro e humanitário pelo tempo que for necessário". As frases estão no esboço de conclusões da Cimeira a que o Expresso teve acesso. Mas o documento nada diz em relação às pretensões de Zelenksy em ver abertas as negociações de adesão já este ano. Aliás, várias fontes dão conta de que não pode haver atalhos no processo de adesão. A atribuição do estatuto de candidato à Ucrânia já foi um grande salto político e há que gerir não só as expectativas ucranianas, mas também as dos restantes países - leia-se dos Balcãs - que estão há mais tempo na fila de espera para entrar.
A viagem a Bruxelas é sobretudo simbólica, para reafirmar o que tem sido dito e que o presidente francês voltou a dizer esta quarta-feira à noite, quando recebeu Zelensky para jantar no Eliseu: "A Ucrânia pode contar com a França e os Aliados para ganhar a guerra".
A Alemanha, Dinamarca e Países Baixos anunciaram esta semana o envio de, pelo menos, uma centena de tanques Leopard 1A5 para complementar o envio de Leopard 2. Mas para já nem uma palavra sobre o envio de caças.
Outro assunto difícil em cima da mesa é a potencial utilização dos bens russos congelados para a reconstrução da Ucrânia. A Polónia e os Bálticos têm pressionado nesse sentido e o assunto vai ser discutido pelos líderes, mas outra fonte diplomática adianta que se trata sobretudo de uma expressão de vontades. Não há qualquer decisão ou solução à vista. "Vários políticos simpatizam com a ideia, mas não sabemos como atuar sobre este assunto a 27". O confisco e congelamentos de ativos russos e a sua utilização levanta vários dúvidas, incluindo de legalidade.
Por fim, os líderes deverão também discutir e apoiar o plano de paz "em 10 pontos" do presidente Zelensky.
Conselho Europeu e Parlamento em pouca sintonia
A presidente do Parlamento Europeu deverá receber Volodymir Zelensky logo pela manhã. Roberta Metsola foi a primeira presidente de uma instituição europeia a visitar Kiev a 1 de abril do ano passado e o gesto pode agora ser retribuído com uma ida do presidente ucraniano ao Parlamento Europeu, em Bruxelas, antes de ir ao Conselho Europeu. Está também previsto um discurso no hemiciclo que será transmitido em direto.
Só que terá sido a habitual "rivalidade" e medição de forças entre instituições a pôr em causa a segurança de Zelensky. A viagem só deveria ter sido conhecida esta quinta, mas acabou por chegar aos jornais logo no início da semana, para irritação do presidente do Conselho Europeu.
Economia e Migrações empurrados para segundo plano
A presença de Zelensky acaba por ofuscar a discussão sobre migrações e sobre a resposta europeia ao plano norte-americano de combate à inflação. Os dois assuntos deveriam ter especial destaque numa cimeira que foi convocada precisamente para discuti-los. Só que o encontro extraordinário acaba por focar-se na guerra ucraniana.
A outra dúvida diz respeito ao número de dias que vai demorar o encontro. Deverão ser dois - até sexta - mas há a indicação que tudo poderá ficar discutido já esta quinta-feira, permitindo que os líderes regressem mais cedo a casa.
Em relação às migrações - assunto sempre polémico e de difícil acordo - o debate volta a estar focado na "dimensão externa", no reforço da proteção e controlo das fronteiras externas da UE e no retorno aos países de origem de todos os que não forem elegíveis para asilo.
O primeiro-ministro húngaro deverá fazer o elogio da importância dos muros e vedações para proteger a Europa. O tema é polémico e a posição da Comissão tem sido sempre a de que os muros não devem ser construídos com dinheiro europeu, mas essa postura poderá sofrer alterações.
No esboço de conclusões pode ler-se que os líderes apelam "à mobilização de fundos e meios da UE para apoiar os Estados-Membros no reforço das capacidades e infraestruturas de controlo das fronteiras, meios de vigilância, incluindo a vigilância aérea, e equipamento". A frase é suficientemente ambígua para permitir várias leituras.
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