Parlamento britânico investiga alegações de intimidação entre deputados conservadores
Lindsay Hoyle preside à Câmara dos Comuns desde novembro de 2019
Parlamento do Reino Unido/PA Images/Getty Images
Deputados conservadores terão coagido fisicamente alguns colegas a votar com o Governo contra uma proposta da oposição. Quarta-feira foi um dia de caos na política do Reino Unido
O presidente da Câmara dos Comuns, Lindsay Hoyle, anunciou esta quinta-feira que abriu uma investigação a incidentes registados na quarta-feira à noite numa votação no do Parlamento do Reino Unido. Hoyle reagiu assim a alegações de intimidação física no grupo parlamentar do Partido Conservador. “Comportamento como o que se viu na noite passada não é aceitável em qualquer circunstância”, afirmou, na abertura da sessão parlamentar.
Em causa estão cenas de confusão registadas na votação de uma proposta do Partido Trabalhista, o maior da oposição, para proibir a fraturação hidráulica (fracking), uma técnica de exploração de gás de xisto. A proposta acabou por ser chumbada por 326 contra 230 votos. No entanto, nem toda a bancada conservadora votou com o Governo.
Não só vários parlamentares anunciaram previamente que, em consciência, não podiam apoiar o Executivo, como outros não chegaram a votar devido à confusão gerada nos corredores da Câmara dos Comuns. E ao longo do dia de quarta-feira e da manhã de quinta-feira acumularam-se exigências de demissão da primeira-ministra, algumas vindas do seu próprio partido. Doze deputados pedem em público que Truss saia.
O deputado Chris Bryant foi um dos trabalhistas que acusaram membros
do Partido Conservador de forçar colegas a alinhar com o Governo na votação.
Durante a tarde de quarta, os deputados conservadores foram instruídos a votar contra a proposta. A direção da bancada explicou que uma derrota seria vista como uma moção de censura à primeira-ministra Liz Truss, cuja autoridade já está sob contestação devido às substituições de dois importantes ministros em menos de mês e meio no poder, além de inversões de políticas anunciadas.
A meio da tarde, um secretário de Estado negou no Parlamento que a votação fosse caso de vida ou morte para o Executivo, lançando assim a confusão. Sentindo-se desautorizados, dois dirigentes do grupo parlamentar ter-se-ão demitido, segundo a imprensa britânica. Quinta-feira de manhã, porém, Downing Street informava que as renúncias ficavam sem efeito.
“Foi muito agressivo”
A dúvida sobre a disciplina de voto criou confusão e o processo foi ensombrado por acusações de coação, inclusive física. Minutos depois, o deputado Chris Bryant exortou a vice-presidente da Câmara dos Comuns, Eleanor Laing, a investigar o ocorrido.
Bryant, trabalhista, relatou quinta-feira à BBC ter visto um grupo de cerca de 20 deputados, incluindo os ministros da Saúde e da Economia, respetivamente Therese Coffey (também vice-primeira-ministra e Jacob Rees-Mogg, a rodear um par de colegas indecisos. Nas redes sociais, partilhou uma imagem.
“Foi muito agressivo”, declarou, referindo "muitos gritos, dedos no ar, gesticulação" e pelo menos um deputado a ser empurrado à força para a sala de voto a favor do Governo.
O deputado conservador Charles Walker descreveu a situação à BBC como “indesculpável” e “absolutamente vergonhosa”. Declara-se “furioso” com as cenas a que assistiu e disse que “a paciência chegou ao limite”.
Prevendo uma futura derrota do seu partido nas urnas, alertou: “A menos que nos organizemos e nos comportemos como adultos, receio que muitas centenas dos meus colegas, talvez 200, saiam por vontade dos seus eleitores”. Ele próprio não se recandidata.
Também à BBC, o conservador Simon Hoare confessou sentir “fúria, desespero, tristeza” perante a instabilidade no Governo e grupo parlamentar. “É preocupante”, reconheceu, defendendo uma “grande remodelação governamental” e dando à primeira-ministra “cerca de 12 horas” para mostrar que é capaz de “virar o barco”. “Hoje e amanhã são dias decisivos”, disse, apontando para o “crescente sentimento de pessimismo em todas as alas do partido”.
“Deve sair o mais depressa possível”
O antigo negociador do processo de saída do Reino Unido da União Europeia (UE), David Frost, juntou a voz ao crescente coro de vozes a pedir a demissão de Truss, em funções há apenas 44 dias. “Deve sair o mais depressa possível. O sucessor, seja quem for, deve ser capaz, competente, e capaz de comunicar eficazmente”, escreveu num artigo de opinião no jornal “The Daily Telegraph”, próximo dos conservadores.
Suella Braverman à porta do n.º10 de Downing Street, residência oficial da primeira-ministra do Reino Unido
A posição da primeira-ministra tornou-se ainda mais precária, quarta-feira, com a demissão da ministra do Interior, Suella Braverman, substituída por Grant Shapps. Embora oficialmente tenha renunciado por ter (por distração) violado as regras de segurança, ao usar um telemóvel particular para enviar conteúdos secretos do Governo, ficaram patentes as divergências entre Braverman e Truss.
Na carta de renúncia, a agora ex-ministra acusou a chefe de romper com compromissos, nomeadamente na política migratória, e aconselhou-a a assumir a responsabilidade pelos erros cometidos na estratégia económica, que criou turbulência nos mercados financeiros. Insinua mesmo que deve renunciar ao cargo.
“O funcionamento do Governo depende de as pessoas aceitarem responsabilidade pelos seus erros. Fingir que não cometemos erros, continuar como se ninguém visse que os cometemos, e esperar que as coisas fiquem bem por magia não é politicamente sério. Eu cometi um erro, aceitei responsabilidade, demiti-me”, escreveu Braverman.
O número de deputados conservadores a pedir a cabeça da chefe já atingiu o limiar de 15% da bancada, que em condições normais desencadeia a votação de uma moção de censura interna. Não assim com Truss, por estar no cargo há menos de um ano.
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