Internacional

“Insultos” e “violência” no parlamento britânico. Deputados conservadores acusados de forçar colegas a rejeitar proposta trabalhista

O deputado Chris Bryant foi um dos trabalhistas que acusaram membros
do Partido Conservador de forçar colegas a alinhar com o Governo na votação.
O deputado Chris Bryant foi um dos trabalhistas que acusaram membros do Partido Conservador de forçar colegas a alinhar com o Governo na votação.
Jacob King - PA Images / Getty Images

Acabou chumbada a proposta de lei trabalhista que visava impor restrições à utilização da fraturação hidráulica no Reino Unido. Uma vitória para o Governo, mas que acabou ensombrada pela acusação de que deputados do Partido Conservador terão sido “intimidados” e coagidos por colegas para votarem ao lado do Executivo, além da confusão sobre se estava em causa a confiança neste. Conservadores negam ter feito pressão. No final, foram 326 os votos a favor da rejeição da proposta 230 os votos contra

“Insultos” e “violência” no parlamento britânico. Deputados conservadores acusados de forçar colegas a rejeitar proposta trabalhista

Helena Bento

Jornalista

“Insultos” e “violência” no parlamento britânico. Deputados conservadores acusados de forçar colegas a rejeitar proposta trabalhista

Pedro Cordeiro

Editor da Secção Internacional

O Parlamento britânico tornou-se esta quarta-feira um pequeno campo de batalha, com alegadas trocas de insultos e mesmo violência verbal e física. Como era pretensão do Governo, acabou rejeitada a proposta de lei do Partido Trabalhista que visava impor limites à técnica de fraturação hidráulica (fracking), através da qual se extrai gás do solo.

No entanto, dezenas de deputados conservadores votaram ao contrário do que pretendia o executivo de Liz Truss. E outros nem chegaram a votar e, embora a própria primeira-ministra assegure que o fez, o seu voto não ficou registado. Durante o dia Downing Street fizera circular que a votação era assunto equivalente a uma moção de confiança, dela dependendo a continuidade do Governo.

Horas depois, na Câmara dos Comuns, um ministro negou que tivesse essa natureza. Face à confusão e à indignação de alguns deputados, com as notícias de demissão de responsáveis pela bancada que se tinham sentido desautorizados, o gabinete de Truss explicou que o ministro falara assim “por lapso”.

Pior foi o que se passou durante a votação. Segundo parlamentares do Partido Trabalhista, entre os quais Chris Bryant, vários deputados conservadores foram alvo de “agressões verbais” e “intimidados” por terem ponderado votar a favor da admissão a debate da proposta de lei trabalhista.

Um desses conservadores terá sido, inclusive, “literalmente puxado” para a sala de voto contra (na Câmara dos Comuns vota-se passando por uma de duas salas, consoante o sentido de voto).

“Vários deputados conservadores manifestaram dúvidas sobre a possibilidade de votarem a favor da moção trabalhista, por não saberem se o voto era livre ou se se tratava de uma moção de confiança [ao Governo]”, afirmou Bryant, na rede social Twitter. De imediato ouviram “gritos”, lançados por “um grupo de conservadores, vários deles ministros”, entre os quais Jacob Rees-Mogg, titular da Economia, e Therese Coffey, ministra da Saúde e vice-primeira-ministra, garantiu Bryant. Acrescentou que “pelo menos um deputado” conservador foi “literalmente puxado” para votar.

Outros trabalhistas fizeram denúncias semelhantes. Lloyd Russell-Moyle garantiu ter visto um deputado conservador, “em lágrimas”, igualmente “arrastado” para a votação. Numa publicação no Twitter, referiu que estas “atitudes tóxicas” não são toleráveis e acrescentou: “Se [o partido] faz isto com os seus deputados, imaginem o que fará com a população”.

“Nunca vi acontecer nada assim numa votação. Conservadores em guerra aberta. Rees-Mogg e outros ministros a gritar com os seus colegas”, referiu o deputado Ian Murray, defendendo que sejam convocadas eleições gerais face ao sucedido. “Foi chocante.”

O pedido de ida às urnas já data de há vários dias, embora Truss esteja em funções há menos de mês e meio. A oposição fala em caos. Dia 14 Truss demitiu o ministro das Finanças, Kwasi Kwarteng, dia 14, após anúncio de políticas que chocalharam os mercados e que o seu sucessor, Jeremy Hunt, reverteu quase por completo; quarta-feira foi a ministra do Interior, Suella Braverman, que se demitiu por ter quebrado regras de segurança e privacidade, mas escreveu uma carta a Truss que mostra que em causa estão também divergências políticas.

Jess Philips, outra deputada trabalhista, referiu ter visto um grupo “enorme” de conservadores a forçar o voto. No final da votação, feitas as contas, foi anunciada a derrota dos trabalhistas: 230 deputados votaram a favor da proposta de lei e 326 votaram contra.

Conservadores negam ter feito pressão

Em declarações à Sky News, Rees-Mogg negou ter feito pressão sobre companheiros de partido para que votassem contra a proposta trabalhista. Questionado sobre se observou atitudes que possam configurar bullying, respondeu: “Do que vi, não.”

Também a ministra da Saúde negou ter forçado deputados a votar a favor do Governo. Fontes próximas de Coffey referiram que poderá ter “encorajado” esse alinhamento, “mas não forçou ninguém a fazê-lo”, cita “The Guardian”.

Há demissões?

Esta quarta-feira à tarde, antes de ser votada a proposta de lei trabalhista sobre o fracking, os chefes da bancada conservadora anunciaram aos deputados que a votação equivaleria a uma moção de confiança. O que significa que teria de ser cumprida a disciplina, votando os deputados conservadores, mesmo os que estivessem inclinados a apoiar o partido de Keir Starmer, líder trabalhista, ao lado do Executivo britânico.

“Não se trata de uma moção sobre [a técnica de] fraturação hidráulica. É uma moção de confiança no Governo”, alertou o vice-líder da bancada conservadora, Craig Whittaker, numa mensagem aos 359 deputados do partido. “Não podemos, em circunstância alguma, permitir que o Partido Trabalhista controle a agenda e faça avançar a sua legislação.” Deixou claro que não haveria contemplações com parlamentares para quem esta questão levante dúvidas.

Antes da votação, pelo menos cinco deputados conservadores afirmaram em público não poder apoiar o Governo, em consciência, ainda que tal significasse a suspensão do partido. A imprensa britânica diz que há muitos mais contra a técnica de extração.

Depois de serem conhecidos os resultados, surgiram rumores sobre a alegada demissão de Wendy Morton, chefe de bancada conservadora, bem como de Whittaker, seu vice. Não foram adiantados detalhes e a demissão não foi confirmada. Questionado no Parlamento sobre isso, Jacob Rees-Mogg, referiu apenas não ter informação sobre o assunto. “A situação não é clara.”

Na confusão gerada, dezenas de deputados conservadores não votaram com o Governo: de um total de 356, só 326 o fizeram. E se alguns tinham autorização para faltar (por exemplo, o ex-primeiro-ministro Boris Johnson, de férias no estrangeiro), 15 a 20 terão mesmo querido votar contra Truss, ainda que arriscando-se a sofrer sanções disciplinares. Outros, como a chefe da bancada, esqueceram-se de votar no meio da confusão gerada em Westminster.

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