O húngaro Viktor Orbán veio para a rede social Twitter dizer que os planos de Bruxelas "fazem lembrar a compra conjunta de vacinas: lenta e cara". Na altura, Budapeste recorreu à vacina russa contra a Covid19, comprando milhares de doses e acusando a distribuição europeia de não funcionar. Agora, o primeiro-ministro húngaro sai uma vez mais em defesa dos produtos russos, defendendo que o gás de Moscovo é necessário "para alimentar a economia" e que não há alternativa "nos próximo cinco anos".
A discussão poderá subir de tom, sobretudo entre os países que esperavam da Comissão uma proposta para limitar o preço do gás para a produção de eletricidade, numa adaptação do Mecanismo Ibérico para o resto da UE. Apesar dos sucessivos pedidos, Bruxelas não o fez, argumentando que ainda tem dúvidas sobre se pode ser aplicado. Mas no esboço de conclusões da cimeira, os líderes voltam à carga a pedir que seja avaliado. E França já mostrou o desagrado com a falta de um mecanismo que faça rapidamente descer os preços do gás e da eletricidade.
O problema é que, uma vez mais, nem todos estão de acordo com esta solução. Para os Países Baixos, não há forma nem faz sentido adaptar o Mecanismo Ibérico à realidade holandesa. Uma das preocupações é que países fora da UE, como o Reino Unido ou a Suíça, acabem a beneficiar da eletricidade mais barata produzida desta forma (tal como França também tem beneficiado com o Mecanismo Ibérico). E a questão de quem beneficia com o quê também se coloca dentro da UE.
Em Portugal e Espanha, o limite ao preço do gás para produção de eletricidade foi permitido porque os dois países formam uma espécie de ilha energética, com poucas ligações ao resto da Europa. Só que o mesmo não acontece com os países do centro da Europa, muito mais interligados.
Por isso, há dúvidas de que a Comissão alguma vez venha a apresentar uma proposta para limitar o preço do gás para produzir eletricidade. No caso português funcionou, porque o país tem uma forte componente de renováveis, mas o mesmo não acontece com outros países europeus, como é o caso da Bélgica e também dos Países Baixos. É certo que o pedido está para já nas conclusões, mas está também rodeado de salvaguardas.
Limitação ao preço das importações de gás posta de lado
A estratégia da Comissão tem passado por pôr em cima da mesa apenas propostas capazes de reunir rapidamente o apoio de uma maioria qualificada de países, deixando de lado as mais polémicas, e, coincidentemente também as que não agradam à Alemanha. É o caso da limitação ao preço das importações de gás. Quinze países, incluindo Portugal, Espanha e França tinham pedido à Comissão que fosse nesses sentido, mas a ideia arrefeceu e não é mencionada nas conclusões do Conselho Europeu. Aliá, a expressão "limite de preço" causa alergia a vários países mais a norte, que argumentam que não se pode entrar por caminhos que possam levar a problemas de abastecimento. O receio é que os fornecedores travem a venda de gás à Europa, se os europeus impuseram limites ao preço.
O único limite de preço que para já se fala é o que está previsto no novo mecanismo temporário apresentado esta terça-feira pela Comissão Europeia para limitar os preços "excessivos" de gás. Uma intervenção no mercado da energia que a Comissão está ainda a afinar antes de apresentar uma proposta concreta. Tinha sido defendido pela Itália, Polónia, Grécia e Bélgica.
A questão passa agora por saber quando é que o também chamado "corredor dinâmico de preços" poderá estar a funcionar, o que justifica a insistência dos líderes para que a Comissão acelere o passo.
40 mil milhões da Coesão não convencem, nem a proposta de Costa
Outra das discussões que está por fazer diz respeito ao apoio às famílias e empresas que surge como "prioridade imediata", nas conclusões da reunião. No entanto, não há qualquer entendimento previsto sobre uma resposta financeira comum.
Aliás, os chamados Frugais - Países Baixos, Dinamarca, Áustria e Suécia - nem sequer veem necessidade para uma resposta europeia - como foi feito durante a pandemia - rejeitando novas verbas. O argumento tem sido o de que primeiro é preciso gastar os muitos milhares de milhões de Euros que estão por gastar do Fundo de Recuperação. E há mais de 200 mil milhões de euros em empréstimos não usados.
Em Praga, há duas semanas, António Costa veio sugerir que estes euros não usados - e cuja fatia portuguesa ultrapassa os 10 mil milhões - pudessem ser reprogramados para apoiar as empresas, à semelhança do como foi feito durante a pandemia.
No entanto, a ideia tem encontrado resistências. É que esse dinheiro - mais de 200 mil milhões - já estão destinados a ir para o RepowerEU, o plano que a Comissão desenhou para que a UE deixe de ser dependente da Rússia, e que passa por um maior investimento em energias renováveis e alternativas e para uma maior eficiência energética.
O dinheiro é o mesmo e à falta de dinheiro novo, a Comissão decidiu propor esta semana "desviar" até 40 mil milhões de euros dos fundos estruturais e de coesão - também eles por gastar - para que os Estados apoiem as empresas, o trabalho e os consumidores vulneráveis.
Só que a proposta é vista como insuficiente. Não só pelos montantes, mas também porque em muitos casos esses fundos já estão alocados a projetos (o que falta é a execução).
A habitualmente difícil discussão sobre o financiamento não deverá levar a grandes conclusões na cimeira de quinta-feira. E, para complicar, deverá estar ligada também ao esforço financeiro que será preciso fazer para apoiar a reconstrução da Ucrânia. Está ainda por definir como serão canalizados cerca de 9 mil milhões de euros para Kiev.
Costa e Sánchez tentam convencer Macron
Depois da conversa em Berlim, com o chanceler alemão, na passada sexta-feira, os chefes dos Governos português e espanhol vão agora encontrar-se com o presidente francês. O objetivo é sensibilizá-lo para a necessidade se construir um novo gasoduto entre Espanha e França, que ligue a Península Ibérica ao resto da Europa, permitindo no futuro também o transporte de hidrogénio verde.
Emmanuel Macron tem estado irredutível, ao opor-se à construção do chamado Midcat. Esta quinta-feira de manhã, antes da Cimeira de líderes, António Costa e Pedro Sánchez vão saber se a posição francesa mudou e se a conversa em Berlim surtiu algum alguma pressão e efeito.
Depois, durante o Conselho Europeu, os 27 vão também debater a situação e o apoio à Ucrânia e ainda a possibilidade de sanções à Bielorrússia, devendo também deixar claro que podem ir mais longe nas medidas restritivas à Rússia.
A reunião entre Costa, Macron e Sánchez está marcada para as 10h (de Lisboa) e o Conselho Europeu arranca às 14h.
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