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“Sou uma combatente”, assegura Liz Truss. “Está no cargo mas não está no poder”, responde a oposição

Liz Triss bateu um recorde ao liderar o mais curto executivo de sempre no Reino Unido
Liz Triss bateu um recorde ao liderar o mais curto executivo de sempre no Reino Unido
Parlamento do Reino Unido/Getty Images
Primeiro debate parlamentar da primeira-ministra britânica desde que trocou de ministro das Finanças ficou marcado pela ideia de que já não é ela que manda no país. Voto sobre fraturação hidráulica pode fazer cair o Governo se houver rebelião na bancada tory
“Sou uma combatente”, assegura Liz Truss. “Está no cargo mas não está no poder”, responde a oposição

Pedro Cordeiro

Editor da Secção Internacional

Foi aos gritos de “Demita-se!” que a oposição recebeu a primeira-ministra do Reino Unido, esta quarta-feira, na Câmara dos Comuns. No primeiro debate semanal desde que Liz Truss trocou de ministro das Finanças, a troça dirigida à governante conservadora foi evidente, com o speaker Lindsay Hoyle a ter de acalmar os ânimos vários vezes.

“Fui muito clara”, começou Truss, inquirida pelo deputado trabalhista Justin Madders sobre o motivo por que se mantinha no cargo, quando o principal executor da sua política — o ex-ministro das Finanças Kwasi Kwarteng ­— fora defenestrado, sexta-feira passada, depois de as medidas de desagravamento fiscal que anunciou terem abalado os mercados. A risada da oposição não deixou a primeira-ministra terminar.

“Pedi desculpa e cometi erros”, acabou por admitir Truss. “O correto nestas circunstâncias é fazer mudanças, como fiz, e continuar a trabalhar para servir o povo britânico.” Truss gabou-se de ter garantido o congelamento dos preços da energia neste inverno, sem mencionar a decisão anunciada pelo novo titular das Finanças, Jeremy Hunt, de encurtar essa garantia de dois anos para seis meses.

Instada a convocar eleições, Truss não reagiu. A sondagens preveem uma derrota sem paliativos para os conservadores, com maioria absoluta folgada para os trabalhistas. Sucede que o calendário normal só prevê a ida às urnas para dentro de cerca de dois anos.

O chefe do Partido Trabalhista foi particularmente agressivo. Sobre um livro no prelo acerca do mandato de Truss, gozou Keir Starmer: “Sai até ao Natal. Ora, isso é o anúncio do lançamento ou o título do livro?” A seu ver, não basta pedir desculpa quando “alguns vão ver a prestação da sua casa subir 500 libras” (575 euros). “Como se pode responsabilizá-la se não é ela quem manda?”

“Foi-se!”, “Foi-se!”, “Foi-se!”

Se a primeira-ministra enumerou medidas tomadas “em menos dois meses”, desde que tomou posse (de novo a energia, a anulação do aumento das contribuições para a segurança social, a luta contra sindicatos que têm promovido greves ferroviárias), Starmer respondeu com uma série de revogações da política anunciada por Truss e Kwarteng, e que foi o cerne do programa com que aquela foi eleita líder do Partido Conservador e, por essa via, do Executivo.

Corte da taxa de 45% no IRS dos mais ricos, redução do IRS, baixa das taxas de imposto sobre dividendos, compras sem IVA para turistas internacionais… de cada vez que Starmer falava de uma medida, a oposição respondia em coro “Foi-se!”. Se as medidas desapareceram e Kwarteng também, quis saber o trabalhista, porque é que Truss ainda está no cargo? “No cargo mas não no poder”, criticaria em seguida Ian Blackford, líder parlamentar do Partido Nacional Escocês (SNP, independentista).

“Sou uma combatente, não uma desistente”, insistiu a primeira-ministra. Conseguiu esclarecer uma dúvida ao assegurar que as pensões continuarão a gozar do “triplo cadeado”, ou seja, da garantia de aumento consoante o mais alto de três indicadores: inflação, salário médio ou 2,5%. Algo que Hunt não quisera prometer ao anunciar a reversão das medidas de Kwarteng, nomeadamente por a inflação estar à roda dos 10%.

“Estou completamente comprometida”, assegurou a primeira-ministra, desautorizando pela primeira vez o homem a quem confiou as contas públicas há menos de uma semana, e dando “uma pirueta sobre uma pirueta”, nas palavras da editora de política do diário “The Guardian”, Pippa Crerar. Se a primeira reviravolta foi Hunt não assegurar o aumento das pensões, a segunda foi Truss vir reafirmar tal promessa.

Interrogada por um companheiro de partido, a chefe do Governo não garantiu o mesmo para os benefícios sociais. Mas quis reiterar: “Somos conservadores compassivos”.

Moção de confiança… ou de fraturação

Outro assunto em foco, trazido ao debate pelo deputado conservador Mark Menzies, foi a fraturação hidráulica, um processo pelo qual se extrai gás do solo. Se Menzies queria garantias de que as empresas envolvidas estarão sujeitas ao consentimento dado (ou não) pelas autoridades locais para prospeção, a relevância do assunto é outra.

Os chefes da bancada conservadora anunciaram aos deputados que uma votação, esta tarde, sobre uma proposta de lei trabalhista nesta matéria equivalerá a uma moção de confiança. Ou seja, os muitos deputados conservadores inclinados a apoiar as restrições sugeridas pelo partido de Starmer à fraturação hidráulica devem cumprir a disciplina e votar com o Executivo, sob pena de o fazerem cair. Mas Truss não fez anúncios oficiais sobre esta matéria.

Segundo “The Guardian”, o ministro da Economia, Jacob Rees-Mogg, prometeu que haverá um mecanismo de consentimento local, que será levado ao Parlamento. O objetivo, obviamente, é aplacar a potencial revolta na bancada.

O que nos leva aos motivos que ditaram o fim do consulado do antecessor de Truss, Boris Johnson: questões éticas. A atual primeira-ministra também se viu confrontada com algumas esta quarta-feira. Durante o debate semanal, o trabalhista Nick Smith referiu a investigação ao chefe de gabinete de Downing Street, Mark Fullbrook, por atividade lobista.

Mesmo no fim da sessão, a Sky News revelava que Jason Stein, conselheiro especial de Truss, foi suspenso. Está sob inquérito interno por denegrir membros do Governo, segundo o canal de televisão.

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