“Hasta la vista, baby”, diz Boris Johnson. Mas há quem queira vê-lo regressar quanto antes
O primeiro-ministro britânico protagonizou o provável último debate semanal na Câmara dos Comuns
Câmara dos Comuns/Lusa
Primeiro-ministro do Reino Unido despediu-se dos debates semanas com a Câmara dos Comuns... “por agora”. Cerca de 2000 militantes do seu partido queriam que o seu nome aparecesse nos boletins de voto da eleição do próximo líder, ao lado dos de Rishi Sunak e Liz Truss
Foi com uma frase emblemática do filme “Exterminador Implacável 2” que o primeiro-ministro do Reino Unido se despediu dos debates semanais da Câmara dos Comuns, esta quarta-feira. Com o Parlamento prestes a entrar em férias, Boris Johnson traçou um balanço de “missão largamente cumprida” e foi ovacionado por quase toda a bancada conservadora (uma exceção foi a antecessora Theresa May), embora sem colher aplausos da oposição, que costuma ser magnânima com primeiros-ministros cessantes.
O governante mantém-se no cargo até 5 de setembro, dia em que será conhecido o seu sucessor. E há mesmo no partido quem defenda que a opção de mantê-lo na liderança devia ser dada aos militantes, acrescentando o nome do demissionário ao boletim de voto onde irão constar os de Rishi Sunak, ex-ministro das Finanças, e Liz Truss, ministra dos Negócios Estrangeiros.
Reivindicando êxitos na saída da União Europeia, nas eleições legislativas de 2019, na pandemia e no apoio à Ucrânia invadida pela Rússia, Johnson descreveu os três anos em que ocupou o n.º10 de Downing Street como “o maior privilégio da [sua] vida”.
“Francamente, isso é quanto baste para já”, disse Johnson. Isso e a tirada proferida no grande ecrã por Arnold Schwarzenegger sugerem que não dará a carreira política por encerrada. Descreveu o debate como “provavelmente… certamente” o último, mas já várias vezes voltou atrás na sua palavra.
“Boris Johnson foi eleito pelos militantes”
Quem tampouco acha que o seu consulado acabou são mais de 2000 militantes tories, que escreveram ao presidente do partido a exigir que o nome de Johnson seja incluído como opção, agora que a eleição do futuro líder passa das mãos da bancada parlamentar — que reduziu os candidatos de oito a dois — para todos os inscritos, que são quase 200 mil.
A iniciativa partiu de Peter Cruddas, membro da Câmara dos Lordes e generoso nos donativos ao partido, e do antigo eurodeputado David Campbell Bannerman. Argumentam, numa petição online, que “em 2019, Boris Johnson foi eleito pelos militantes” e que “agora essa escolha foi alterada sem consultar as pessoas que o elegeram, os militantes leais e trabalhadores do Partido Conservador”.
Rishi Sunak e Liz Truss durante um debate televisivo. Voltarão a encontrar-se na BBC na segunda-feira, 25 de julho
“A nossa primeira escolha foi retirada sem a nossa participação”, queixam-se os subscritores da petição. Reduzir a escolha à bancada parlamentar acarreta o risco de “razões e interesses ocultos e contas a ajustar” com Johnson. Asseguram que “foi isso que aconteceu no processo em curso”.
Cruddas, que deve a Johnson a elevação a lorde (é barão de Shoreditch, apesar de a comissão de nomeações da câmara alta do Parlamento se ter oposto à sua nomeação) assegura que a direção do partido tem poder para alterar as regras da eleição. “Acrescentando Boris ao boletim final e passando a corrida a ser a três, o vencedor terá o apoio dos militantes. Não haverá ambiguidade no resultado e haverá integridade na escolha final. Os militantes não sentirão que foram excluídos do processo.”
O Partido respondeu que as regras já estavam definidas e que a eleição interna só fora desencadeada por Johnson ter anunciado a sua demissão. O jornal “The Telegraph” pediu comentário ao primeiro-ministro, que não quis fazê-lo.
Conselhos a quem vier a seguir
Em Westminster, esta quinta-feira, o debate semanal demorou mais 15 minutos do que a meia hora habitual. Muitos deputados quiseram interpelar Johnson e este deixou conselhos ao sucessor ou sucessora.
“Número um: fique perto dos americanos, apoie os ucranianos, defenda a liberdade e a democracia em toda a parte. Baixe os impostos e desregule sempre que possa, para tornar este o melhor lugar para viver e investir, como já é”, afirmou. O candidato à sucessão Rishi Sunak pode não ter gostado, já que tem defendido que é cedo para cortar impostos.
Johnson acrescentou uma farpa às Finanças: “Se déssemos sempre ouvidos ao Tesouro, não teríamos construído a [autoestrada] M25 nem o Túnel da Mancha”.
Ligeiramente mais autocrítico do que a 7 de julho — quando anunciou a renúncia ao cargo culpando o “instinto de manada” dos seus próprios deputados e membros do Governo (que precipitaram a saída ao demitirem-se às dezenas) — e a 18 — quando se autoelogiou copiosamente no debate da moção de censura — o primeiro-ministro admitiu agora, implicitamente, que não conseguiu fazer tudo e recomendou ao próximo chefe do Executivo que “olhe para a estrada mas não se esqueça de verificar sempre o espelho retrovisor”. Traidores abundam, leia-se.
Os antigos primeiros-ministros Harold Wilson (trabalhista, à esquerda na imagem) e Edward Heath (conservador) numa cerimónia em 1971
Sspl/Getty Images
Poderá Johnson voltar? No último meio século só o trabalhista Harold Wilson regressou ao poder depois de o ter perdido (esteve em Downing Street de 1964 a 1970 e de 1974 a 1976). No entanto, tudo se passou através de eleições nacionais. Quando as perdeu para o conservador Edward Heath, Wilson manteve-se à frente do seu partido, passando a líder da oposição e desforrando-se nas urnas nas seguintes legislativas.
A oposição não deu trégua a Johnson. Embora com votos de felicidade pessoal e familiar, o trabalhista Keir Starmer acusou Johnson e os conservadores: “Meteram-nos nesta confusão e não fazem ideia de como sair dela”. Pouco antes do debate, chamara-lhe bullshitter, termo insultuoso para quem mente constantemente.
O nacionalista escocês Ian Blackford agradeceu ironicamente ao governante demissionário por ter aumentado o apoio à independência. Falou ainda de perda de poder de compra, problemas gerados pelo Brexit. Já Ed Davey, chefe dos Liberais Democratas, defendeu legislativas antecipadas.