Depois das várias críticas feitas ao Governo chinês pela forma como tem lidado com o surto de coronavírus no país, incluindo a perseguição e repressão do médico que alertou para a existência de pacientes em quarentena e de um possível novo vírus no hospital onde trabalhava, vários académicos e outras centenas de cidadãos chineses assinaram uma petição online em que exigem que seja protegido o direito à liberdade de expressão no país.
Além desse direito, que deve, conforme refere o documento, ser discutido nas sessões legislativas anuais do Congresso Nacional do Povo, o parlamento da China, a petição dirigida a este órgão exige que seja assinalado o dia nacional da liberdade de expressão na data da morte do referido médico chinês, Li Wenliang, que morreu a 6 de fevereiro vítima do vírus, que se garanta que ninguém é punido, ameaçado, interrogado, censurado ou detido por falar ou comunicar de outras formas, e que os residentes de Wuhan e outras cidades da província de Hubei tenham acesso a um tratamento equitativo, incluindo no que diz respeito aos cuidados de saúde.
De acordo com o “South China Morning Post”, alguns dos subscritores da petição foram já penalizados pela sua iniciativa. É o caso do sociólogo chinês Guo Yuhua, professor na Universidade Tsinghua, em Pequim, e do seu antigo colega Xu Zhangrun, docente na mesma faculdade. As contas de ambos na rede social chinesa WeChat foram bloqueadas.
As críticas dos académicos chineses antes da petição
Na semana passada, Xu Zhangrun, que foi impedido de dar aulas na faculdade depois de ter criticado a decisão de acabar com o limite de dois mandatos presidenciais, permitindo assim a Xi Jinping manter-se no poder, e tem estado sob vigilância das autoridades desde então, publicou um artigo igualmente acusatório em que falava em “colapso do sistema político” e em “tirania”. Também acusava Pequim de exigir “mais lealdade do que competência”, sendo o que aconteceu na província de Hubei, onde se localiza Wuhan, “apenas a ponta do icebergue porque é igual em todas as outras províncias chinesas”.
Mais ou menos pela mesma altura, outro conhecido intelectual chinês publicou um artigo nas redes sociais a exigir a demissão do Presidente chinês, devido à sua “incapacidade de lidar com crises de grande dimensão” no país. E os exemplos disso são vários, segundo Xu Zhiyong, que assina o texto, a começar desde logo pela guerra comercial entre a China e os EUA, e os protestos em Hong Kong.
Xu Zhiyong acusou ainda o presidente Xi Jinping de ter uma ideologia política “confusa” e um modelo de governação “ultrapassado”, tendo arruinado o país com as suas “medidas exaustivas de manutenção da estabilidade social”. “Não acho que seja um vilão”, disse ainda, dirigindo-se ao presidente, que não sendo isso, um vilão, “simplesmente não é muito esperto”. “Para o bem da população, peço-lhe: demita-se”.
É importante falar e denunciar, “independentemente do resultado disso”
Para o sociólogo chinês Guo Yuhua, a petição que assinou “pode ser apenas outro gesto que é travado antes de ter qualquer consequência, mas é importante assumir uma posição” e “falar, independemente do resultado disso”, afirmou em declarações ao “South China Morning Post”, acrescentando que, se o Governo chinês tivesse valorizado todos os alertas que foram sendo dados e agido atempadamente, “não teríamos chegado a este ponto de não retorno”.
Ao mesmo jornal, outro académico que subscreveu a petição, Zhang Qianfan, da Universidade de Pequim, afirmou tê-lo feito como forma de luta pelo direito da população à informação, por ser essa a chave para conter crises de saúde pública. “Será necessário algum tempo para perceber se todo este descontentamento irá colocar em causa a legitimidade do Governo de Pequim”, disse também, afirmando que tudo dependerá das “consequências do atual surto para a economia nacional”, tal como tinha já sugerido um especialista ao Expresso.
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