Como é que optou pela área da hotelaria? Era algo que já tinha em mente há algum tempo ou simplesmente surgiu?
Na verdade, não havia propriamente um plano para enveredar pela área da hotelaria ou de ter uma rede de hotéis como é hoje a Vila Galé. No segundo ano do curso de Direito comecei a estagiar no Ministério das Obras Públicas e a ter muito contacto com a área da construção, do desenvolvimento de projetos e com a visão dos engenheiros, que me permitiu ser mais objetivo e focado. Depois de me formar, e já a trabalhar como advogado, mantive-me muito ligado a essa área. Fazia muita consultoria jurídica e, em muitos casos, até era mais do que advogado. Acompanhava todo o processo, montava as equipas, contratava o arquiteto, o engenheiro, o empreiteiro, coordenava a evolução dos projetos, tratava do financiamento. Nessa fase, reuni muito conhecimento e ganhei muita experiência, que depois quis pôr em prática num projeto meu e, assim, realizar o meu grande desejo de produzir e fazer coisas. Mais do que consultor, queria ser executor. Já sentia a necessidade de dar esse passo, até para aproveitar tudo o que tinha aprendido sobre liderar projetos ou antecipar e identificar os erros e problemas que possam surgir para evitar repeti-los, que foi outra das grandes lições do percurso que tinha feito.
Em 1986 criei a Vila Galé e passei de uma atividade de gabinete e de papéis para a ação no terreno. Abrimos o primeiro empreendimento em 1988, no Algarve, na praia da Galé, o Hotel-apartamento Vila Gale – hoje Vila Galé Atlântico. A partir daí, fomos crescendo cautelosamente, embora ainda tenha mantido a atividade na advocacia por algum tempo, até consolidar esta aposta na hotelaria e poder dedicar-me em exclusivo à Vila Galé.
É por isso significativo para si estar neste lote de seis finalistas?
Penso que é um reconhecimento do nosso empenho e do trabalho que temos desenvolvido na Vila Galé, não só eu, mas todas as equipas, que somam mais de 3.500 pessoas, em Portugal e no Brasil. Por outro lado, é importante que existam estas iniciativas para puxar pelo empreendedorismo e para desafiar as pessoas a pensar em novas ideias, em inovação e em formas de levar os bons projetos para a frente.
Ao longo de todo este tempo, quais foram as maiores dificuldades que enfrentou?
Ao início, houve o risco de avançar para uma área que ainda não estava muito desenvolvida em Portugal. Nessa altura, o turismo já vivia algum dinamismo no Algarve, mas a Praia da Galé era desconhecida. Além disso, o investimento obrigou a algum endividamento, numa época em que as taxas de juro eram muito altas. Por isso, e para garantir que tudo corria bem, desenhei três possibilidades para o hotel-apartamento que estávamos a fazer na Praia da Galé: a atividade hoteleira propriamente dita, a venda em time sharing ou a venda dos apartamentos. A primeira opção acabou por correr bem, conjugada com o time sharing. De qualquer forma, sempre procurei crescer com passos cautelosos e nunca me pus a jeito para correr riscos excessivos ou mal calculados. Acredito que, para ser ter sucesso, não se pode arriscar no escuro, mas sim ter uma noção muito concreta dos desafios e dos riscos, até para poder ter várias soluções para o que possa correr mal. Tenho sempre este princípio para os negócios e até para a vida.
Depois, ao longo da minha carreira, naturalmente, enfrentei desafios conjunturais. Por exemplo, as crises financeiras, que sabemos que são cíclicas, e que, apesar de tudo, conseguimos ultrapassar com relativa facilidade porque a Vila Galé sempre evitou dar passos maiores do que as pernas, privilegiando a segurança, o equilíbrio financeiro, a gestão prudente e o reinvestimento na empresa. Mais recentemente, tivemos a pandemia, em que tudo parou e tivemos quebras na faturação de 75%. Foi muito difícil. Mas sou um otimista e a verdade é que a recuperação foi bastante mais rápida do que esperávamos. Além disso, há os desafios mais estruturais. Em Portugal, por exemplo, continuamos a ter uma burocracia muito pesada e vivemos alguma indefinição e falta de rumo para o país. Continuam por fazer reformas muito importantes em áreas como a justiça, saúde, educação ou laboral.
Essa falta de reformas prejudica o empreendedorismo em Portugal?
Acho que era preciso dar mais atenção, até porque é essencial para o país. Só vamos melhorar de vida se conseguirmos que apareça gente mais motivada para fazer coisas. Se as pessoas soubessem o prazer que isso dá, haveria mais gente a empreender. É claro que ninguém é empreendedor à força ou por decreto e as pessoas que têm o empreendedorismo dentro de si fazem-no por prazer, com paixão. O essencial é ter vontade e empenho. Uma pessoa até pode ser empreendedora não por conta própria, mas dentro de uma organização. E depois, mais à frente, aventurar-se por si. Foi o que aconteceu comigo e com o lançamento da Vila Galé. E o principal nem é ter ideias brilhantes, mas sim evitar fazer disparates e preparar muito bem a execução dos projetos. Costumo dizer que quem trabalha muito e de perto com a realidade do dia a dia, acaba por ter boas ideias. Mas quem está sentado à espera disso, desengane-se porque não terá êxito. O mais importante é fazer e, com isso, fazer acontecer.
E agora, como olha para o futuro?
Continuar a fazer coisas, que é o que realmente gostamos na Vila Galé. Nada me dá mais prazer do que chegar a um sítio, imaginar algo para lá e depois ver essa ideia concretizar-se. Ainda hoje sou uma pessoa do terreno e continuo muito envolvido na maior parte dos projetos, desde a conceção do conceito, à arquitetura, decoração ou estratégias de venda. Acompanho tudo do princípio ao fim. Mas não se trata de ter mais hotéis apenas por ter. A nossa grande preocupação é criar algo diferente e inovador, de modo a valorizar a oferta turística e o país.
A vida em três atos
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"O Adágio de Albinoni ou a 4ª sinfonia de Mozart".