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Só há igualdade a sério com mais mulheres líderes

Daniela Braga fundou a Defined.ai (antiga DefinedCrowd) nos EUA em 2015 e é uma referência no campo da inteligência artificial
Daniela Braga fundou a Defined.ai (antiga DefinedCrowd) nos EUA em 2015 e é uma referência no campo da inteligência artificial
Nuno Botelho

Contraste: Portugal é o sexto país do mundo com mais empresas detidas por mulheres e, ao mesmo tempo, apenas 6% dos CEO são do sexo feminino. Entre o progresso e o caminho a percorrer, conheça a visão destas empreendedoras

Já dizia Sérgio Godinho que “só há liberdade a sério quando houver liberdade de mudar e decidir” e o mesmo aplica-se na igualdade no feminino. Só será “a sério” quando os números e as mentalidades refletirem a paridade.

Primeiro, as boas notícias. O Índice Mastercard de Mulheres Empreendedoras afirma que 32% das empresas em Portugal são detidas por mulheres, o que coloca o país na sexta posição a nível global e, segundo um estudo da McKinsey, as mulheres representam 50% da população ativa. Quando chegamos ao topo é, no entanto, possível ver o longo caminho ainda a percorrer: apenas 6% dos CEO em Portugal são mulheres; só 31,5% ocupam cargos de administração nas empresas cotadas em bolsa e 32,8% dos cargos de direção superior na Administração Pública, de acordo com dados do INE. Algo que ganha ainda outra dimensão quando é possível ver que a população portuguesa é maioritariamente feminina, com 112 mulheres para cada 100 homens e que estas têm um nível médio de educação mais elevado, tendo 36,5% completado o ensino superior, por oposição aos 25% de homens.

Sentir que as suas possibilidades de progressão na carreira eram inferiores à dos homens que estavam no mesmo patamar foi um dos fatores que levou Daniela Braga a fundar nos EUA a Defined.ai (antiga Defined Crowd), empresa especializada na recolha, processamento e estruturação de dados de treino para inteligência artificial. “Em vez de esperar que o mundo se ajuste à minha ambição, porque não controlo o meu próprio destino?”, pensou a CEO. “Estamos por nossa conta”, resume. E soma o fator biológico da maternidade e da “pressão para ter filhos e assumir o papel de mãe” que se torna “prioritário em relação à carreira”. Daniela Braga não tem dúvidas que a mudança “demora gerações a acontecer” e faltam políticas para acelerar a “disrupção social” em Portugal e que passam por medidas de “apoio social à família” ou implementar “sistemas de quotas com incentivos fiscais”, porque “mostrar que se tem 20 ou 30% de mulheres na força de trabalho não chega”.

Na opinião da CEO e fundadora da InoCrowd, Soraya Gadit — que define a empresa como “um Linkedin da Inovação” onde se colocam “em contacto 1,6 milhões de investigadores do mundo inteiro com organizações que necessitam de inovar” — para uma mulher singrar é preciso “um bom apoio familiar”, algo ainda distante quando 49% das mulheres são responsáveis por todas ou quase todas as tarefas domésticas perante só 15% dos homens. Já entre os desafios que teve que enfrentar como fundadora do “primeiro laboratório privado de genética médica no país, em 1992”, o CGC Genetics, Purificação Tavares (vencedora na categoria Emerging na edição de 2009 do “EY Entrepreneur of the Year”) recorda “as deslocações à Arábia Saudita, com as pessoas a questionarem” e a quererem demovê-la de ir “por ser mulher”, o que não a impediu de causar impacto numa especialidade “até então realizada apenas no sector público”.

Mentalidades

Arriscar faz parte do ADN do empreendedorismo e foi o que trouxe Verónica Orvalho da Argentina para Portugal, onde fundou a Didimo, “após mais de dez anos de pesquisa”, assente numa tecnologia que permite criar seres humanos digitais de alta fidelidade em apenas 30 segundos. “Temos que mostrar que é possível e admirável as mulheres perseguirem qualquer sonho”, defende. Até porque as mentalidades só mudam quando há “oportunidades” iguais. Para a CEO é necessário desenvolver serviços que permitam às mulheres serem “fundadoras, executivas, mães, professoras, talvez tudo ao mesmo tempo”. Só com estas estruturas a postos é que a mudança pode começar e quanto mais “exemplos vemos, mais sucessos vemos”. Não é só “haver mais cursos ou programas”, exemplifica, tem que haver também um “grupo de pessoas” a mostrar que “é possível a mulheres novas e inteligentes seguirem carreiras empresariais de topo ou começarem o seu negócio”.

Cofundadora da Talkdesk, empresa portuguesa que atingiu o estatuto de unicórnio, e atualmente investidora e sócia do fundo de capital de risco Indico Capital, Cristina Fonseca olha para a questão como algo estrutural e que, por exemplo, no campo da tecnologia, passa pelos “números de licenciadas serem mais reduzidos do que na globalidade”, pelo que o “número e valores de financiamento alocados a empreendedoras refletem esta tendência”. Fica claro “que é preciso haver uma mudança de mentalidades, sobretudo na sociedade”, com a empreendedora a exortar as mulheres a “não se restringirem nas ambições”.

Candidaturas femininas duplicam

A fase de apresentação de candidaturas para a seleção do EY Entrepreneur of the Year decorre a todo o vapor e a ênfase está em começar a perceber quem pode almejar a suceder a nomes como Guy Villax (Hovione), António Rios Amorim (Corticeira Amorim), Dionísio Pestana (Pestana Hotel Group) ou Belmiro de Azevedo como o vencedor da edição 2023 do prémio.

Com início em Portugal em 2006, até agora a única mulher a chegar à fase final foi Purificação Tavares, da CGC Genetics (que pode conhecer melhor nesta página), vencedora na categoria Emerging na edição de 2009, mas o panorama pode estar prestes a mudar, pelo menos com base no que os números das candidaturas nos dizem nesta fase. Com 12 candidaturas confirmadas e outras ainda em avaliação, registam-se quatro candidaturas com mulheres, o que duplica o total de candidaturas de empreendedoras em todo o percurso do EY Entrepreneur of the Year em Portugal, e dá conta de uma disparidade que parece finalmente conhecer alguns progressos apesar das dificuldades que se mantêm. Evolução a acompanhar quando já decorre a fase de entrevistas com os candidatos.

Como funciona o prémio empreendedor do ano

O que é?

Programa Com arranque nos EUA em 1986, o EY Entrepreneur of the Year já se realizou em mais de 60 países, com um total aproximado de 10 mil candidaturas por ano em todo o mundo. Em Portugal, esta será a 9ª edição.

Quem já venceu internacionalmente

Distinguidos Nomes como Jeff Bezos (Amazon) ou Serguei Brin e Larry Page (Google).

Quem pode participar?

Critérios A candidatura (que pode ser por iniciativa própria ou indicação de outrem) tem de cumprir requisitos como deter uma participação mínima de 10% no capital social da empresa e participar ativamente na gestão da empresa há pelo menos dois anos (com funções executivas ou de chairman ativo). Deve ter centro de decisão em Portugal, volume anual de negócios superior a €10 milhões e um mínimo de 10 colaboradores. Se a candidatura for de uma equipa de empreendedores, esta deve apresentar um máximo de três candidatos.

O que se procura?

Requisitos Capacidade de identificar oportunidades, construir e liderar equipas em torno de um objetivo comum ou tenacidade e resiliência perante a adversidade com apoio à criação de valor, além da atividade empresarial.

Como se faz a escolha?

Processo Os finalistas e posterior vencedor do EY Entrepreneur of the Year serão determinados por um júri presidido por António Horta Osório.

Quais são as datas?

Fases O período de candidaturas já arrancou a 17 de fevereiro e decorre até 12 de maio. O anúncio dos finalistas terá lugar a 19 de maio e a entrega do prémio será feita a 29 de junho de 2023. Pode candidatar-se ou nomear alguém AQUI.

Empreendedor do ano

O Expresso associa-se ao prémio EY Entrepreneur of the Year — um dos mais cotados programas globais de empreendedorismo —, que, em Portugal, atinge a 9ª edição, isto depois de anteriormente ter distinguido gestores como António Rios Amorim ou Dionísio Pestana. Acompanhe ao longo dos próximos meses.

Textos originalmente publicados no Expresso de 14 de abril de 2023

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: toliveira@impresa.pt

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