O ensino será à medida de cada aluno

Tecnologia: menos burocracia e maior personalização dos conteúdos pedagógicos são as grandes vantagens da inteligência artificial na educação. Mas os riscos existem e estão a ser estudados
Tecnologia: menos burocracia e maior personalização dos conteúdos pedagógicos são as grandes vantagens da inteligência artificial na educação. Mas os riscos existem e estão a ser estudados
Francisco de Almeida Fernandes
Simulação, é esta a palavra que melhor define o que é a inteligência artificial (IA). As diferentes ferramentas desenvolvidas com base nesta tecnologia são treinadas por humanos para detetar padrões, contextos e produzir um resultado em função do objetivo para o qual foram criadas. “Não acho que o ChatGPT seja um exemplo excecional de IA”, considera Penousal Machado, professor e investigador desta área no Departamento de Engenharia Informática da Universidade de Coimbra. Para o especialista, que desde a década de 80 trabalha este tema, o ChatGPT é apenas “a constatação de algo que já sabemos há muito tempo, de que se dominarmos a linguagem parecemos inteligentes”.
Penousal Machado, um dos oradores de mais uma conferência itinerante para celebrar os 50 anos do Expresso, que decorreu no Colégio da Trindade, em Coimbra, refere-se ao modelo de linguagem que está na base do sistema disponibilizado ao público pela OpenAI em finais do ano passado. Mais do que ter consciência, um conceito que o professor atribui exclusivamente ao ser humano, o ChatGPT “nunca tem um plano” e “apenas prevê qual a próxima palavra em função do contexto” de uma determinada conversa. Por tudo isto, o investigador acredita que há ainda um longo caminho a percorrer até um cenário em que a tecnologia tem “inteligência artificial genérica”, mais aproximada do que consideramos ser a inteligência de uma pessoa de carne e osso.
Significa isto que a utilidade destas ferramentas é irrelevante? A resposta é um redondo não. Aplicada ao ensino, a IA poderá vir a ser um complemento nos processos de aprendizagem e alterar a forma como os estudantes, universitários ou não, absorvem o conhecimento. Joana Feijó, diretora de Desenvolvimento de Novos Negócios do Health Cluster Portugal (HCP), prefere olhar para um futuro em que o sistema de educação tem “mais tempo para o pensamento crítico” e menos para “tarefas administrativas e de pesquisa”. O potencial tecnológico estende-se ao que defende ser uma desejável “personalização do ensino”, que passa por utilizar a IA para adaptar os conteúdos educativos a cada aluno, tendo em conta a sua personalidade, as suas limitações e o seu contexto académico. “Este é um modelo que terá muito mais eficácia”, antecipa Joana Feijó.
Para os oradores da conferência, as vantagens potenciais da IA no sistema de ensino são claras, mas todos fazem questão de assinalar os riscos que comporta. Susana Aires de Sousa, professora da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, sublinha a importância de apostar em programas de literacia digital e no ensino sobre a utilização destas ferramentas para mitigar a “manipulação de informação” e a “discriminação”. “Temos de nos preocupar com a nossa impreparação para lidar com a IA”, afirma.
Prever as potenciais desvantagens da tecnologia é o trabalho que investigadores como Penousal Machado têm procurado fazer ao longo dos anos, através do desenvolvimento de normas éticas. “Enquanto investigador, o que me preocupa nesta altura é contribuir para o uso eticamente responsável destes mecanismos. Isso passa por [ter em conta] questões de exatidão e rigor [da informação gerada pela IA]”, exemplifica. Mas há outras questões, influenciadas pela programação feita por humanos, como perspetivas morais e enviesamentos, que, se traduzidos para o código em que se baseiam soluções de IA, podem ter efeitos “perigosos” na sociedade. Este é, aliás, o foco do maior consórcio internacional sobre IA responsável, liderado pela plataforma Unbabel, sediada em São Francisco e com ADN português, que envolve instituições académicas e empresas para assegurar uma utilização ética da tecnologia (ver caixa).
Neste momento, os cenários de aplicação da IA na educação passam sobretudo por aliviar a carga burocrática dos professores e dos serviços administrativos com tarefas repetitivas, potenciar o ensino à distância e estimular o pensamento crítico dos estudantes. “O desafio da IA é desenvolver ferramentas que promovam uma expansão cognitiva que nos tornem mais inteligentes e que nos apoiem nas tarefas criativas”, reforça Penousal Machado.
INVESTIMENTO Apesar de não estar entre os que mais fundos canalizam para o desenvolvimento de ferramentas de inteligência artificial (IA), o país tem procurado apanhar o comboio da disrupção. Da banca à saúde, são muitas as áreas de atividade que apostam nesta tecnologia para melhorar processos, criar produtos e serviços inovadores e aumentar a competitividade dos negócios.
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INOVAÇÃO Uma investigação da Universidade de Coimbra permitiu criar um modelo de inteligência artificial que pode tornar o desenvolvimento de novos medicamentos mais rápido e mais barato. O projeto, que resulta da parceria entre a Faculdade de Ciências e Tecnologia e a Faculdade de Farmácia, criou um método inovador com aplicações na oncologia e noutras áreas terapêuticas. O estudo teve apoio nacional e europeu.
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COMPETITIVIDADE O Tribunal de Contas Europeu defende que a União Europeia (UE) deve reforçar a aposta em IA para não ficar em desvantagem face ao resto do mundo. Em 2021, 8% das empresas na UE investiam nesta tecnologia, uma média ultrapassada por Portugal (17%) e pela Dinamarca (24%).
“Acredito profundamente nas potencialidades de um ensino inovador, com novas dinâmicas pedagógicas e tecnologicamente dotado, mas nunca esquecendo a sua vertente humanista”
Amílcar Falcão
Reitor da Universidade de Coimbra
“Nesta altura, o grande desafio para quem trabalha nesta área é como é que se desenvolvem ferramentas de inteligência artificial responsáveis. Enquanto investigador, é o que me preocupa”
Penousal Machado
Professor do Departamento de Engenharia Informática da Universidade de Coimbra
“Com a inteligência artificial os profissionais de saúde têm agora oportunidade de serem dispensados de tarefas administrativas básicas e de ter suporte à decisão”
Joana Feijó
Diretora de Desenvolvimento de Negócio no Health Cluster Portugal
Conferências 50 anos
À boleia do roadshow que faz pelo país, inserido nas comemorações do 50º aniversário, o Expresso organiza durante o ano várias conferências para perceber os desafios e as estratégias de desenvolvimento das diferentes regiões. Coimbra foi a última paragem, em parceria com a Universidade de Coimbra.
Textos originalmente publicados no Expresso de 12 de maio de 2023
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