Guarda quer levar o mar para o interior do país

Mercadorias: investimento de €11 milhões no porto seco, que alivia a pressão sobre os portos tradicionais, traz mais emprego até final do ano. Meta: fazer da região um centro logístico nacional
Mercadorias: investimento de €11 milhões no porto seco, que alivia a pressão sobre os portos tradicionais, traz mais emprego até final do ano. Meta: fazer da região um centro logístico nacional
Francisco de Almeida Fernandes
Habitação mais barata, melhor qualidade de vida e apoio ao empreendedorismo são argumentos do município da Guarda para atrair talento para a região. A par da captação de recursos, é fundamental evitar a fuga dos jovens especializados que todos os anos são formados pelo Instituto Politécnico da Guarda (IPG). Para isso, acredita o professor e investigador André de Sá, é preciso “trazer empresas mais competitivas” para o distrito, por via da aposta na inovação, através de projetos como o CoLab LogIN. Trata-se de um laboratório colaborativo do IPG com o tecido empresarial para investigação de ponta aplicada à logística, que conquistou €1,3 milhões de financiamento da Fundação para a Ciência e Tecnologia e que prevê a criação de um observatório do sector. “Vamos trabalhar assuntos da ferrovia e tudo isso será explorado ao nível da descarbonização e das tecnologias que podem mitigar as emissões de carbono”, exemplificou durante a conferência na Guarda que assinalou o 50º aniversário do Expresso.
Entre as organizações que integram o projeto estão startups com soluções para a previsão atempada, através de algoritmos, de problemas mecânicos nas frotas logísticas ou para a utilização de drones para o transporte aéreo de mercadorias. A veia disruptiva do concelho motiva investimento da Câmara Municipal da Guarda, que quer tornar a capital de distrito “um verdadeiro hub do interior”, da tecnologia e do empreendedorismo. “[Queremos potenciar] a atração dos nómadas digitais e das empresas de base tecnológica”, sublinhou Sérgio Costa, presidente da câmara.
Para materializar esta intenção, o município inaugurou, em novembro, o Espaço Tecnológico no centro histórico da cidade, que será, garante o edil, apenas um de muitos. No entanto, as empresas precisam de trabalhadores em quantidade e qualidade, missão com a qual o Politécnico está comprometido. “Temos estado recetivos às necessidades [formativas] do tecido empresarial”, assegura Joaquim Brigas, que tem procurado “trazer o saber prático para dentro da sala de aula”. A estratégia do presidente do IPG tem sido marcada pelo envolvimento de empresas da região, como a multinacional de cibersegurança Fortinet ou a tecnológica Merkle, no desenho dos currículos académicos. “A parceria que temos com o Politécnico é para a formação de pessoas nas áreas tecnológicas que trabalhamos, que não são dadas a nível académico. Isto tem sido muito importante”, refere o especialista em sales force da Merkle. Luís Baptista assinala que o apoio da instituição de ensino e do município permitiu à empresa passar de três para 82 colaboradores nos últimos quatro anos.
Logística é prioridade regional
Junto à fronteira com Espanha, a cidade da Guarda tem uma localização privilegiada para se afirmar “no panorama logístico nacional e ibérico”, defende o presidente da câmara, com olhos postos no “mercado potencial de 2,5 milhões de pessoas” em Castela e Leão. “A logística emprega cerca de nove mil pessoas aqui na Guarda. É um grande sector e muito importante”, assinala João Logrado, diretor-geral da Olano Portugal. Servida por duas autoestradas, a capital de distrito tem à disposição a ferrovia, através das Linhas da Beira Alta e da Beira Baixa, fatores considerados essenciais para a distribuição de mercadorias. A estas infraestruturas vai juntar-se, até ao final do ano, o Porto Seco da Guarda — um centro logístico que será capaz de aliviar a pressão dos portos de mar, como o de Leixões, e fazer a ligação às plataformas logísticas. Será uma forma, acrescenta Sérgio Costa, de “alargar a área de influência dos portos de mar e promover mais coesão territorial”, mas também de aproximar “o mar do interior”.
A concessão foi atribuída à Administração dos Portos do Douro, Leixões e Viana do Castelo, que vai investir €11 milhões neste projeto, que permitirá duplicar o carregamento de contentores. O Politécnico tem vindo a preparar cursos técnicos e licenciaturas em áreas como a análise de dados e inteligência artificial para “antecipar” as necessidades de recursos humanos do porto seco. “Sou dos que acreditam piamente que a Guarda vai ser o maior centro logístico do país”, remata Joaquim Brigas.
Aprendizagem O Instituto Politécnico da Guarda tem vindo a apostar na disponibilização de cursos técnicos superiores profissionais (CTeSP) em vários concelhos do distrito. O objetivo é impedir a fuga de jovens da região e criar competências em áreas estratégicas para o desenvolvimento do território. Estes cursos têm uma duração de dois anos e não conferem grau académico.
é a percentagem de residentes que o distrito da Guarda perdeu desde 2011, segundo o Censos 2021. O concelho de Almeida foi o que mais encolheu em população (18,7%), enquanto Aguiar da Beira registou a menor descida entre os 14 municípios. Índice de envelhecimento aumentou para 368 idosos por cada 100 jovens.
Competências Captar e fixar o tecido empresarial tem sido uma estratégia seguida no Instituto Politécnico da Guarda para aumentar a especialização dos alunos, mas também para potenciar a sua empregabilidade na região. A multinacional de cibersegurança Fortinet e a consultora tecnológica Noesis são exemplo de organizações que ali abriram escritórios.
milhões de euros é o montante total de investimento previsto para as obras da Linha da Beira Alta até 750 metros, que deverá permitir reduzir o tempo de viagem e facilitar a circulação de comboios de mercadorias.
“Temos um peso muito forte do sector logístico no nosso concelho e a Guarda está, portanto, melhor posicionada para se afirmar no panorama logístico nacional e ibérico”
Sérgio Costa
Presidente da Câmara Municipal da Guarda
“Vão-se embora muito mais [jovens] do que gostaríamos. Uma das formas de os reter, e o Politécnico está a fazer esse trabalho, é através da capacitação de recursos”
Joaquim Brigas
Presidente do Instituto Politécnico da Guarda
“Estar na Guarda não foi negativo, foi diferenciador e positivo. Podemos ir a Lisboa em duas horas e meia ou a Madrid em três horas”
João Logrado
Diretor-geral da Olano Portugal
Conferências 50 anos
À boleia do roadshow que fez pelo país, inserido nas comemorações do 50º aniversário, o Expresso organizou várias conferências para perceber os desafios e as estratégias de desenvolvimento das diferentes regiões. Guarda foi a última paragem, em parceria com a sua Câmara Municipal.
Textos originalmente publicados no Expresso de 31 de março de 2023
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