Projetos Expresso

Até ao fim da vida, os enfermeiros estão sempre lá

Apesar de uma forte componente humanista, a enfermagem será cada vez mais auxiliada pelas novas tecnologias de saúde
Apesar de uma forte componente humanista, a enfermagem será cada vez mais auxiliada pelas novas tecnologias de saúde
Getty Images

Projetos Expresso. Saúde. A pandemia trouxe à enfermagem maior reconhecimento na sociedade, mas os velhos desafios de carreira mantêm-se. Falta “valorizar e dignificar a profissão” e “remuneração digna”, aponta a bastonária Ana Rita Cavaco

Francisco de Almeida Fernandes

Mais reconhecimento, melhores remunerações e descongelamento das carreiras. Estas são três das principais reivindicações dos enfermeiros portugueses há muitos anos, mas pouco ou nada parece ter mudado. Pelo menos é esta a perspetiva da bastonária da Ordem dos Enfermeiros, Ana Rita Cavaco, que admite existir uma maior valorização da profissão junto da população, em consequência da pandemia, mas que o mesmo não acontece junto do poder político. “Os enfermeiros precisam de ter uma remuneração digna e não podem continuar a reformar-se aos 66 anos”, defende, acrescentando que falta “valorizar e dignificar a profissão”. Para a presidente do Conselho Clínico da Lusíadas Saúde, Eduarda Reis, as profissões da saúde são muitas vezes desconsideradas: “Não sei se por serem tidas como um bem adquirido ou por serem consideradas abnegadas, sendo talvez os enfermeiros os que veem menos reconhecida a sua diferenciação e importância.”

O regresso do apoio em casa aos doentes acamados

À boleia da passagem dos séculos, muito mudou na enfermagem e no papel que desempenha, ainda que, como acontece no revivalismo artístico, algumas das funções perdidas comecem a regressar com nova roupagem. Um exemplo claro deste regresso às origens é o apoio domiciliário a doentes acamados, em particular os mais idosos. “Todos nos lembramos que as pessoas sempre foram cuidadas em casa. O médico e os enfermeiros iam cuidar das pessoas a casa”, recordou Dulce Gonçalves durante o Lusíadas Nursing Summit, evento ao qual o Expresso se associou. Essa tendência, diz, está a regressar com os desafios impostos aos sistemas de saúde pelo envelhecimento da população. Entre esta camada da sociedade, os internamentos são mais frequentes e as complicações que daí podem surgir são, também, em maior número quando comparadas com outras faixas etárias. A prestação de cuidados em casa é, por isso, uma área em crescimento. Patrizia Vasconcelos, que participou na conferência por videochamada, é enfermeira ao domicílio há 15 anos, no Brasil, e afirma que “com o aumento de idosos, observamos um aumento do número de doenças crónicas”, que causam, muitas vezes, limitações físicas e maior incapacidade.

O acompanhamento no lar de cada doente, embora traga alguns desafios aos enfermeiros, permite realizar tratamentos com benefícios em relação aos hospitais — na redução do número de infeções cruzadas, nos cuidados personalizados, com menos custos para os sistemas de saúde e com a libertação de camas nas estruturas hospitalares. Patrizia Vasconcelos lembra, no entanto, que “é importante termos indicadores de qualidade” como a taxa de mortalidade domiciliar ou controlo da infeção. Só assim, garante, será possível aferir a eficácia desta forma terapêutica. “O homecare nada mais é do que o cuidado personalizado, individualizado e humanizado ao doente”, destaca.

Tecnologia ao serviço da saúde

A onda de digitalização chega a todos os sectores de atividade e a saúde não é exceção. “A enfermagem de futuro deve juntar o melhor dos dois mundos [físico e digital] numa fusão sinergética, em que o phygital permite-nos verdadeiramente acompanhar o doente no seu dia a dia”, explica ao Expresso Sofia Couto da Rocha, responsável pela transformação digital do grupo Lusíadas Saúde. Uma parte desta mudança, que já se tinha iniciado antes da pandemia, foi acelerada durante a crise sanitária como forma de aumentar a capacidade de resposta dos serviços de saúde, nomeadamente através da telemedicina. Este conceito permite evitar deslocações e aliviar a pressão dos cuidados primários e hospitalares em situações como “ver um penso no pós-operatório”, exemplifica a também médica. Outras aplicações da tecnologia podem passar por esclarecimentos, via internet, sobre a administração de medicação e outras ações que contribuam para aumentar a literacia em saúde, diz Carmen Gaudêncio, enfermeira coordenadora do internamento no Hospital de Cascais.

Futuro desafiante e exigente

Mas não são apenas os cidadãos com doença que beneficiam da utilização dos meios digitais, também o sistema pode ganhar. “Ganhos em eficiência e organização de processos, que vão permitir um saldo positivo na disponibilidade e no tempo que os enfermeiros têm para se focar na prestação de cuidados”, adianta Isabel Pereira Lopes, diretora de Qualidade e Segurança da Lusíadas Saúde. A responsável acrescenta ainda que os sistemas tecnológicos de apoio à enfermagem são importantes como suporte à tomada de decisão, bem como para “prever e antecipar cuidados e fazer benchmarking”, monitorizando o sucesso ou insucesso da atividade assistencial. “Este futuro vai ser desafiante, mas também muito exigente para os enfermeiros”, remata.

Tendências de futuro

  • Envelhecimento De acordo com dados do INE, em 50 anos Portugal deverá ter cerca de três milhões de idosos. É um sinal que preocupa médicos e enfermeiros, pela sobrecarga que cidadãos mais velhos representam para o sistema de saúde. Será, por isso, cada vez mais importante garantir enfermagem ao domicílio para apoiar esta faixa etária, que reúne, habitualmente, um conjunto de comorbilidades que a coloca numa posição mais frágil.
  • Especialização À semelhança das restantes profissões, a enfermagem deverá caminhar progressivamente em direção a mais qualificações. Já em 2018, o Governo aprovou novas áreas de especialização, como a Enfermagem de Saúde Comunitária ou Saúde Familiar, por exemplo. A ordem defende, há vários anos, o alargamento do internato aos enfermeiros, tal como acontece com os médicos, uma medida que ainda não viu a luz do dia.
  • Tecnologia As ferramentas digitais terão um papel importante no apoio a estes profissionais, nomeadamente pela telemedicina, inteligência artificial ou realidade aumentada, que podem melhorar a eficiência na prestação de cuidados.

As melhores frases

“Lá fora, [os enfermeiros] cuidam de chefes de Estado e de Governo e são destacados por isso.
Cá são ignorados pelo poder político”
Ana Rita Cavaco
Bastonária da Ordem dos Enfermeiros

“A tecnologia confere aos profissionais uma plêiade de opções, que, se bem aplicadas, promovem tanto a qualidade e segurança como a comodidade e proximidade”
Sofia Couto da Rocha
CTO da Lusíadas Saúde

“Homecare é um tema muito atual e com futuro, porque vemos um aumento considerável no número de idosos”
Patrizia Vasconcelos
Enfermeira domiciliária

Textos originalmente publicados no Expresso de 4 de junho de 2021

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