“É ainda difícil e pouco usual o pedido de apoio psicológico por parte dos profissionais de saúde”
A exigência vivida durante a pandemia provocou sequelas psicológicas a muitos profissionais de saúde considerados segundas vítimas da covid-19
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Projetos Expresso. A psicóloga Ana Duarte Ferreira esteve na linha da frente do combate à covid-19, ouvindo e apoiando médicos, enfermeiros e doentes nos momentos mais exigentes. A importância da saúde mental, mas também as experiências durante a pandemia, foram temas centrais no Lusíadas Nursing Summit, organizado pela Lusíadas Saúde com o apoio do Expresso
O conceito de segunda vítima é, para muitos, desconhecido, mas muito simples de compreender. Para os profissionais de saúde que estiveram, ao longo dos últimos meses, na linha da frente do combate à pandemia e que lidaram, de perto e em permanência, com o sofrimento e a morte, estas experiências podem deixar sequelas na sua saúde mental. São, por isso, segundas vítimas da situação.
“A probabilidade de terem sofrimento psicológico, cognitivo e físico era uma realidade”, recorda a psicóloga Ana Duarte Ferreira, da Lusíadas Saúde, que acompanhou o percurso de médicos, enfermeiros e doentes durante esta jornada. “Os sintomas [sentidos por quem lidou com situações de extrema exigência emocional] podem ser idênticos aos do stress pós-traumático”, explica.
Apesar do treino rigoroso, teórico e prático a que estão sujeitos estes profissionais durante a sua formação, o nível de exigência a que foram expostos com o embate da covid-19 deixou-os “em condições limite”. “Para alguns foi a primeira vez que contactaram com a morte ou com o olhar de horror de um ser humano que vai ser induzido em coma e que não sabe por quanto tempo e se algum dia acordará”, descreve a especialista. Estar atento aos sinais de alerta é, refere, fundamental para conseguir agir atempadamente, mas é sobretudo importante procurar ajuda. “É ainda difícil e pouco usual o pedido de apoio psicológico por parte dos profissionais de saúde”, aponta.
A saúde mental, cada vez mais debatida por toda a sociedade, é um tópico que Ana Duarte Ferreira acredita ser essencial continuar a abordar, promovendo a literacia e o conhecimento da população. Foi isso que procurou fazer, esta manhã, durante a sua intervenção na primeira edição do Lusíadas Nursing Summit, um evento de homenagem à enfermagem e de valorização da profissão. Neste evento, organizado pela Lusíadas Saúde com o apoio do Expresso, foram partilhadas experiências vividas por estes profissionais ao longo da pandemia, mas também formas de continuar a apostar na evolução desta função central dos sistemas de saúde, o papel da tecnologia e a importância da formação académica.
A psicóloga Ana Duarte Ferreira foi uma das participantes no Lusíadas Nursing Summit
Conheça as principais conclusões:
Apoio à segunda vítima
A introdução do apoio psicológico na dinâmica hospitalar é uma realidade nos hospitais do grupo privado de saúde, mas também em todo o sistema nacional. A psicóloga Ana Duarte Ferreira assinala que é preciso desconstruir a ideia de perfecionismo, que “só nos leva ao medo de falhar e se alimenta do julgamento”, mas também fomentar a partilha emocional entre equipas;
Sinais de alerta a que todos devem estar atentos no que respeita à saúde mental – pesadelos frequentes, desmotivação, chorar com facilidade e sem motivo aparente, dificuldade em gerir o stress, baixa tolerância à frustração ou dificuldade em adormecer são apenas alguns exemplos.
Normalizar a procura de ajuda profissional é um caminho necessário para combater a estigmatização dos doentes. “Há ainda o receio [nos profissionais de saúde] de que sejam vistos como fracos ou maus profissionais”, diz.
Uma profissão em evolução
Para a antiga enfermeira e agora professora na Escola Superior de Saúde do Instituto Politécnico de Setúbal, Lucília Nunes, ao contrário daquilo que diz ser a conceção geral no sector da saúde, “os contextos clínicos são lugares de produção de conhecimento” e “as práticas validam as teorias”. Essa perspetiva é reforçada com a intervenção de Melinda Sawyer, da United Healthcare Global, que partilhou um estudo sobre agrupamento de cuidados.
“Sabemos que o ambiente hospitalar é pouco propício ao sono”, diz, exemplificando com questões como “dor, ansiedade, efeitos da medicação, intervenções médicas ou barulho e luz” que impedem os doentes de dormir. De acordo com o estudo que citou, levado a cabo nos EUA, é possível reduzir de 95% para 35% o número de pacientes com perturbações no sono durante o internamento com o que chama agrupamento de cuidados.
Optar por agrupar atividades noturnas como a verificação de sinais vitais, administração de medicação e a realização de análises são exemplos de como é possível melhorar a qualidade e quantidade de sono dos doentes, evitando desconforto e o surgimento de problemas como delírios. “As necessidades dos doentes devem ser individualizadas”, refere.