Falta de perspetivas e progressão na carreira leva enfermeiros a mudar de profissão: “porque tem de ser”
Luis Alvarez
“É uma profissão muito desvalorizada”, diz Magda Rocha. Emília Araújo concorda, acrescentando que há “muita gente” na área a fazer transição. Além de partilharem a profissão base, ambas querem mudar de carreira. Para isso, aprenderam a programar
Emília Araújo e Magda Rocha partilharam, em tempos, a mesma profissão: eram enfermeiras. Em comum têm os 31 anos de idade e a vontade de mudar de profissão para uma área mais tecnológica. Os motivos que as leva a quererem fazer essa mudança são distintos, mas ambas concordam com a desvalorização desta carreira. São apenas dois exemplos entre tantos outros na área da saúde.
“Estou inscrita na Ordem dos Enfermeiros, mas estou a recuperar de uma doença”, esclarece Emília de 31 anos. “Tenho covid longo”. Anteriormente já diagnosticada com asma, Emília ainda se encontra a recuperar.
A doença fez com que colocasse em perspetiva o seu futuro. “Quando me disseram que podia não vir a exercer a minha profissão, tive de tomar uma decisão: vou trabalhar em mim própria”, explica Emília. Dentro da área de IT (Tecnologia de Informação), Emília selecionou três áreas que gosta: front end, quality assurance e product manager.
Apesar de lhe ter sido aconselhado a “aceitar ser requalificada” e “contentar-se” com isso, Emília acredita que, não tendo capacidade física pode “perfeitamente dar 100%” num outro emprego longe da enfermagem: “Tem de ser”.
“A profissão de enfermagem está muito desvalorizada”
Magda Rocha, atualmente implementadora de software médico e com o objetivo de “ser quality assurance”, optou por mudar de carreira porque “a profissão de enfermagem está muito desvalorizada” e “não existe qualquer tipo de progressão na carreira”.
Emília partilha da mesma opinião. Recuando ao tempo da pandemia, recorda os dias de trabalho. “Nós não tínhamos qualidade de vida. Para nós era normal trabalhar mais de 14 horas. Durante a pandemia, houve famílias a ficarem destruídas”, conta.
“Nos últimos anos tem existido muita falta de respeito por parte dos utentes, principalmente para enfermeirasdo sexo feminino”, relata ainda Magda.
“Enquanto enfermeira não tinha qualidade de vida. Fazia turnos à noite, feriados e fins de semana. Na profissão em que estou atualmente, apesar de em certas ocasiões ser necessário viajar e fazer horas extra, maioritariamente tenho um horário de trabalho de segunda a sexta-feira. Ganhei alguma qualidade de vida tanto em termos de horário como em termos de salário”, realça.
Pedro Santa Clara, professor catedrático e fundador da 42 Lisboa e Porto
O processo, em ambos os casos, ainda está a acontecer. Mas Magda e Emília partilham algumas estratégias:
Networking
“Falar com pessoas. Inteirar-me do que fazem”, começa Emília. As conversas com Emília costumam incluir perguntas como “Qual é a tua profissão?” e “Qual é o teu percurso profissional?”. As perguntas servem para perceber que competências tem ou precisa de ter e que área é melhor para ela.
Já Magda optou pelo uso do LinkedIn: “Fui pesquisando empresas e enviando currículos”, diz.
Aprender
Ambas reconhecem a importância de aprender novas competências. “Atualmente utilizo competências na ótica do utilizador na aplicação que implemento e utilizo as soft skills adquiridas na profissão de enfermagem”, explica Magda, que demorou três meses à procura deste emprego.
Mas a procura continua, com o desejo de trabalhar na área de quality assurance. “Neste momento estou a fazer um curso”, explica. “Estou a aprender as ferramentas para fazer testes manuais de software, abrangendo áreas como técnicas e ferramentas para testar, programação orientada objetos, programação em python, base de dados, metodologias Agile e estudo para o exame do ISTQB [International Software Testing Qualifications Board]”.
Emília também tem feito cursos. “As formações gratuitas, como é o caso do freeCodeCamp. Além disso realça a importância de ler sobre o assunto.
Além do freeCodeCamp, Lisboa e Porto têm a alternativa da escola 42, descrita como “a mais inovadora escola de programação”. “A 42 adota uma abordagem inclusiva, permitindo que todas as pessoas, independentemente da formação académica ou experiência profissional, se possam candidatar”, explica Carolina Fulcher. A escola permite que os alunos aprendam a programar do zero e que “escolham a especialização que mais lhes interessa, como cybersecurity, AI, game development”.