Geração E

O TikTok vai ser banido nos EUA? E em Portugal? E haverá realmente perigo? Para quem? 10 perguntas e respostas sobre a polémica

Manifestação em defesa do TikTok em Washington, aquando da audiência do CEO da plataforma na Câmara dos Representantes
Manifestação em defesa do TikTok em Washington, aquando da audiência do CEO da plataforma na Câmara dos Representantes
EVELYN HOCKSTEIN

O TikTok tem estado sob fogo nas últimas semanas, tendo já sido banido de telemóveis oficiais de vários países. Mas quais são as principais críticas apontadas à plataforma? Haverá perigo para os utilizadores? A lei permite banir a aplicação dos telemóveis das pessoas? E o que pode acontecer em Portugal?

A lista de países que proíbe a utilização do TikTok nos dispositivos profissionais dos funcionários públicos não para de aumentar.

Em causa, dizem, está a cibersegurança. E há preocupações com a privacidade de dados pessoais, mas também com a segurança nacional.

“Não estamos, nem por sombras, apenas a falar de uma rede ou de uma app. Estamos a falar de uma discussão a nível geopolítico”, garante Raquel Vaz Pinto, a investigadora do IPRI (Instituto Português de Relações Internacionais da Universidade Nova).

Mas o que é que isto quer dizer? E, no fundo, o que se passa com o TikTok? Devemos preocupar-nos? Vamos às perguntas e respostas.

1.

O que se passa então com o TikTok?

O TikTok tem estado no centro das tensões entre o Ocidente, sobretudo os EUA, e a China. Nos EUA, desde dezembro do ano passado que o TikTok está banido dos dispositivos móveis oficiais dos funcionários federais. A medida foi também implementada em vários estados e universidades. Na última semana, o governo subiu ainda mais a parada ao ameaçar banir totalmente a aplicação caso a gigante chinesa ByteDance (dona do TikTok) não venda as suas ações na plataforma.

Esta quinta-feira, o líder executivo do TikTok testemunhou na Câmara dos Representantes nos EUA. Shou Zi Chew tentou convencer os congressistas e o público de que podem confiar na aplicação.

No entanto, como aponta o New York Times, o tom adotado pelos congressistas nesta audiência foi bastante diferente do utilizado no passado, quando outros líderes de gigantes tecnológicas, como Mark Zuckenberg, foram chamados a testemunhar. O jornal aponta mesmo que esta audiência parece ser um ponto de viragem quanto ao escrutínio que as empresas chinesas são sujeitas nos EUA. E neste caso, os legisladores não pareceram sair satisfeitos com as respostas dadas pelo CEO do TikTok.

Mas a tensão não está circunscrita aos EUA. Em pouco mais de um mês, a plataforma foi banida dos telefones e computadores dos trabalhadores da Comissão Europeia, assim como dos dispositivos de funcionários públicos na Austrália, Bélgica, Canadá, Dinamarca, Países Baixos e Reino Unido. Está também a ser investigada em Itália por alegadamente não remover “conteúdo perigoso”.

2.

Quais são as principais preocupações?

A cibersegurança está no centro da tensão. Como salienta Raquel Vaz Pinto, há “uma preocupação a nível do que é a privacidade dos dados, relacionada com as questões mais a nível do consumidor. Essa é uma preocupação bastante europeia, face a outros contextos internacionais”.

Mas não é a única. Como referiram os congressistas na audiência desta quinta-feira, há uma forte preocupação com a segurança nacional.

Raquel Vaz Pinto aponta como há “cada vez maior proximidade entre o que são as empresas chinesas com expressão internacional e o que é o partido com Xi Jinping”, que é o partido todo-poderoso que manda em tudo na China. Segundo a investigadora, o Presidente chinês tem vindo a “tornar essa fronteira, que já não era muito óbvia, cada vez mais inexistente”.

Hoje, as grandes empresas tecnológicas são obrigadas por lei a entregar dados ao Partido Comunista da China em nome da “segurança nacional” - isto ao abrigo de uma lei recente.

A popularidade do TikTok tem assim uma “série de implicações”, aponta Luís Mah Silva, professor de desenvolvimento global no ISCTE. Há a percepção de que o TikTok pode ser utilizado como um “instrumento de influência política” e “pode ser utilizada como uma arma pelo governo chinês”.

3.

Estas preocupações têm fundamento?

“O governo da China tem feito nos últimos tempos uma grande campanha para apresentar os seus argumentos, face àquilo que entende ser algumas acusações injustas sobretudo lideradas pelos Estados Unidos”, diz Raquel Vaz Pinto.

Para isso tem feito sucessivos anúncios que parecem ir ao encontro das principais críticas. No início deste mês, por exemplo, anunciou a criação de dois centros de dados europeus. Isto depois de já terem gasto mais de mil milhões de dólares no “Projecto Texas” (que visa reconstruir sistemas de forma a manter dados de utilizadores americanos nos EUA e sob controlo de uma equipa norte-americana, com promessas de várias camadas de proteções que garantam transparência).

Ainda assim, as preocupações não são infundadas. No ano passado, a Forbes noticiou que uma auditoria interna tinha provado que funcionários da chinesa ByteDance obtiveram indevidamente dados de dois jornalistas e um pequeno grupo de outros utilizadores norte-americanos.

Mais, o mesmo governo chinês que tenta apresentar o TikTok como uma plataforma neutra é também aquele que não permite a presença de apps não chinesas no seu território (e as que permite têm versões domésticas). “Há uma perceção clara de que esse acesso à informação ou o acesso a estas redes de comunicação é em si mesmo um valor estratégico”, argumenta Raquel Vaz Pinto.

4.

O que está então em causa?

“Qualquer pessoa que descarregue uma aplicação sabe que tem que dar acesso a uma série de dados, quer essa plataforma seja chinesa, norte-americana, europeia ou de outro país. Portanto, nós partilhamos sempre os nossos dados. A diferença é que estamos agora perante uma situação geopolítica de tensão e de conflito entre o Ocidente e a China”, explica Luís Mah Silva.

Mais especificamente, afirma, está em curso uma guerra tecnológica, que “começa claramente com Biden” (nomeadamente com a Lei dos Semicondutores, que proíbe a exportação de microchips para a China e a colaboração de cidadãos norte-americanos com empresas tecnológicas chinesas), mas teve “as primeiras origens já com Donald Trump” (estando patente na questão em torno da ZTE e Huawei).

“Nós sabemos que a próxima revolução industrial, que já está a acontecer, é a 4.0 e tem a ver com a dimensão tecnológica. E aqui temos dois grandes líderes que são os Estados Unidos e a China. No fundo, [a tensão] é [sobre] quem vai liderar esta revolução tecnológica, com as implicações que isso tem em termos de governação global, de influência global e política.”

Assim, “podemos também ler esta guerra como uma forma dos Estados Unidos manterem a liderança tecnológica, pelo menos por alguns anos mais”. E a polémica em torno do TikTok é também um “reflexo” disto.

5.

Mas o TikTok é assim tão popular?

Para responder a esta questão, importa recuar um pouco no tempo.

O TikTok foi lançado inicialmente em setembro de 2017 e relançado em agosto de 2018, depois da ByteDance ter adquirido e fundido a plataforma com outra semelhante, a Musical.ly.

O crescimento desde então foi vertiginoso. Em apenas nove meses, a plataforma chinesa bateu o recorde ao tornar-se na aplicação mais rápida de sempre a atingir os 100 milhões de utilizadores mensais.

Para referência, o Google Translate demorou seis anos e meio para alcançar este volume. No caso do Instagram foram necessários dois anos e meio. No entanto, o feito foi recentemente superado pela ascensão meteórica do ChatGPT, que o conseguiu em pouco mais de dois meses.

Atualmente, o TikTok é a sétima aplicação mais popular do mundo. Tem mais de mil milhões de utilizadores.

Só na UE, 125 milhões de pessoas utilizam esta app todos os meses. Em Portugal eram no ano passado, de acordo com a Data Reportal, 2.83 milhões.

Esta popularidade é duplamente um motivo de preocupação, mas possivelmente também a maior defesa que a plataforma tem contra eventuais proibições alargadas que visem a população.

6.

O TikTok já foi totalmente proibido em algum país?

Sim. Na Índia, o TikTok e cerca de 50 outras aplicações chinesas foram banidas em 2020. O governo alegou serem potencialmente prejudiciais à segurança e integridade do país, depois de um confronto violento na fronteira com a China em que morreram 20 soldados indianos.

Mas o caso não é único. No Afeganistão, o governo talibã anunciou em abril de 2022 a intenção de banir esta aplicação por não ser “consistente com leis islâmicas".

No Paquistão, já esteve banida temporariamente quatro vezes desde 2020. A mais recentemente foi em julho de 2021 por quatro meses

No Bangladesh, o acesso esteve bloqueado em 2018 e foi levantado em 2020. Uma decisão judicial decretou mais três meses de bloqueio em 2021.

Também na Indonésia, foi banida durante cerca de uma semana em 2018. Em causa estiveram acusações de que a app estava a promover pornografia e obscenidades.

7.

Onde fica a Europa no meio disto?

Importa notar que toda esta situação está a acontecer quando há uma guerra na Europa, que tem implicado um “realinhamento a nível internacional”. E sucede também uma pandemia, na qual houve uma tomada de consciência dos “riscos estratégicos” de depender excessivamente de um país.

Como resultado, a Europa começou a procurar uma “maior autonomia estratégica”, procurando uma diversificação “em termos de fornecimentos”. “E isso vai contra aquilo que tem sido a prática até agora, que é uma dependência excessiva da China em muitos setores da nossa vida.”

Este caminho - que será “doloroso” e com “imensos custos económicos” - ainda não está totalmente definido. Por um lado, os próprios estados-membros ainda estão divididos na postura a adotar em relação a uma China que procura “assumir um papel cada vez mais global” (recorde-se que o líder chinês esteve nos últimos dias em Moscovo, onde reforçou a sua parceria comercial com Putin).

Por outro lado, “a própria China também tem que equilibrar as suas necessidades económicas e de desenvolvimento e as restrições que está a sentir a partir do exterior em relação a toda a sua ascensão tecnológica e militar”, nota Luís Mah Silva. A Europa ainda é uma parceira comercial importante que a China quer manter “do seu lado face às tensões que está a ter com os Estados Unidos”.

8.

E Portugal tem uma posição definida sobre o TikTok?

Por enquanto não. Em comunicado enviado ao Expresso, o Centro Nacional de Cibersegurança afirma que “tem vindo a acompanhar, conjuntamente com outras entidades competentes nacionais e internacionais, os desenvolvimentos nesta matéria, incluindo a tomada de posição da UE e de alguns dos seus Estados-Membros”.

E acrescenta que “o uso da app em questão, bem como de outras redes sociais, implica riscos de curto, médio e longo prazos para o utilizador, considerando que oferece uma experiência de utilização cada vez mais dependente quer do acesso a dados, quer a funcionalidades dos próprios dispositivos, em muitos casos sem que o próprio utilizador se aperceba.”

Por isso, “tem vindo a fazer um conjunto de recomendações de boas práticas relativas à utilização de redes sociais e disponibiliza um conjunto de instrumentos”, nomeadamente para “mitigar esses riscos”.

9.

A lei portuguesa permite que o TikTok venha a ser banido?

Do ponto de vista legal, mesmo sem precedentes, uma proibição total do TikTok não é impossível. “Enquanto serviço extra-comunitário, [o TikTok] não deixa de estar sujeito à aplicação da lei portuguesa”, explica o advogado e constitucionalista Pedro Lomba.

“Por isso, podem ser impostas medidas restritivas, incluindo ações concretas contra um prestador de serviços, se a atividade de um prestador de serviços lesar ou ameaçar gravemente a segurança pública, incluindo a cibersegurança, a saúde pública ou os consumidores, incluindo os seus direitos fundamentais (v.g. privacidade) na esfera digital.”

E acrescenta: “naturalmente que qualquer medida restritiva que possa contender com os direitos económicos e de comunicação quer das plataformas, quer dos seus utilizadores, suscita problemas de liberdade de expressão, pelo que terá de ser apreciada – numa lógica multinível – em face da Constituição portuguesa, do artigo 10.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e também da Carta dos Direitos Fundamentais.”

Ainda assim, “é entendido que o exercício da liberdade de expressão pode ser restringido, condicionado ou sancionado se tal for rigorosamente necessário para garantir, numa sociedade democrática, por exemplo, a segurança nacional, a integridade territorial ou a segurança pública, a defesa da ordem e a prevenção do crime, ou a proteção da honra ou dos direitos de outrem. Trata-se, portanto, de um conflito que requer sempre uma análise cuidadosa das circunstâncias do caso.”

10.

Qual será provavelmente a posição de Portugal nesta matéria?

Quer devido à relação histórica (nomeadamente com Macau, antigo território português que foi entregue à China), quer devido à importância económica (desde a crise de 2011 que a China se tornou num importante parceiro comercial e investidor), a verdade é que temos assistido a “uma certa abstenção de Portugal” em relação a temas ligados à China, aponta Luís Mah Silva.

“Hoje em dia, claramente, Portugal vota com a União Europeia quando tem que votar. Ou seja, se a UE é crítica em relação à China, Portugal também será, como membro da UE. Mas Portugal está sempre aqui, no fundo, a tentar gerir esta relação de modo a não ferir ou criar um conflito com a China”.

Quanto ao TikTok, o professor do ISCTE considera que esta é uma “discussão ainda muito recente para se perceber qual poderá ser o posicionamento da União Europeia e mesmo nas discussões internas qual poderia vir a ser o posicionamento de Portugal”.

Ainda assim, acredita que “o governo português terá algum cuidado diplomático e irá provavelmente esperar para que Bruxelas tome alguma decisão. É mais fácil escudar-se enquanto membro da União Europeia e deixar que seja a UE a fazer esse papel, do que ser Portugal, a título individual, a assumir claramente posições mais críticas em relação à China.”

Contudo, aponta Raquel Vaz Pinto, com um novo quadro geopolítico a desenhar-se, “a posição de Portugal é cada vez mais insustentável”.

“O que temos assistido nos últimos anos é o fim dessa ideia de um país, dois sistemas. Portanto, essa forma de entender os tais 50 anos é cada vez mais uma miragem e a realidade é hoje bem diferente. Não quero com isto dizer que não se deva ter essa preocupação, até do ponto de vista das nossas comunidades e do ponto de vista dessa relação, mas também não podemos ter muitas ilusões a nível internacional sobre o que esta China de Xi Jinping, e em particular agora no seu terceiro mandato como secretário-geral do Partido Comunista, significa a nível internacional. Há limites para agradar a gregos e troianos.”

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: calmeida@expresso.impresa.pt

Comentários

Assine e junte-se ao novo fórum de comentários

Conheça a opinião de outros assinantes do Expresso e as respostas dos nossos jornalistas. Exclusivo para assinantes

Já é Assinante?
Comprou o Expresso?Insira o código presente na Revista E para se juntar ao debate
+ Vistas