Geração E

Guia de sobrevivência à nova Netflix: o que falta saber, um truque que ajuda e a questão da privacidade

Netflix
Netflix
DADO RUVIC/REUTERS

Tudo o que é demais é erro. Foi provavelmente o que a Netflix pensou ao implementar a nova política de restrição de partilha de contas. O motivo foi a “confusão” generalizada que estaria a impactar a “capacidade de investir em séries e filmes de grande qualidade”. À data desta terça-feira, dia 21 de fevereiro, a relação poligâmica com a plataforma acabou (para alguns), mas há questões por esclarecer. O Expresso responde

A Netflix lançou a bomba antes do relógio entrar em contagem decrescente. Esta terça-feira, dia 21 de fevereiro, os subscritores da plataforma de streaming chegaram, por fim, ao dia limite para configurarem a sua localização principal. Mas entre os “tics” e os “tacs” das badaladas até aqui, ouviram-se vozes a questionar a legitimidade – ou falta dela – da política que diz aceder à geolocalização dos seus utilizadores através da recolha e tratamento de dados para novos fins comerciais. O que muda com a nova política e o que está em causa? O Expresso foi saber

1.

OS PERFIS NÃO DESAPARECEM

No princípio do fim, já escrevia o Expresso: “nada se perde, tudo se transforma... e tudo se paga”. De facto, se até aqui partilhava uma conta, o seu perfil (ainda) não desapareceu. Continua intacto onde foi originalmente criado - pode é já não conseguir aceder com a mesma facilidade. À data desta terça-feira, dia 21 de fevereiro, os titulares de conta (alguns, porque há quem pareça ter sido abrilhantado com um toque de midas) viram-se no dia do juízo final, o tal em que tiveram de definir a sua localização principal. Ferramenta essa que serve agora para a plataforma começar a usar e abusar da sua nova roupagem.

Ora, já que a Netflix alega não assumir que os vários perfis não coabitam, se for o seu caso, terá algumas soluções para não perder o histórico personalizado da sua atividade cinéfila. Como ir morar com o titular de conta não parece ser o mais viável, poderá ao invés transferir o seu perfil para uma nova conta criada única e exclusivamente por e para si.

Se lhe for mais conveniente continuar na partilha, a plataforma de streaming permite que até duas pessoas fora da residência principal possam aceder à mesma conta (isto no caso dos planos Standard e Premium) sob o custo acrescido de 3,99 euros mensais por utilizador adicional. Mas calma, há mais (e melhor).

2.

PODE CONTINUAR A VIAJAR COM AS SUAS SÉRIES

Se é titular de conta, mas está de viagem ou tem uma segunda habitação e gostava de levar a Netflix consigo, pode fazê-lo de três formas. Efetuando o login no seu dispositivo móvel através da rede WI-FI da localização principal uma vez por mês, é possível continuar a ter acesso à plataforma noutros locais. Mas no caso de se encontrar fora por um período superior - impossibilitando-o de cumprir o prazo mensal – ou mesmo querer aceder através de uma televisão, pode redefinir a sua localização, colocando aquela onde se encontra.

Em alternativa, pode também requisitar um código de acesso, válido por 7 dias. A janela de tempo parece curta, mas este código é renovável por um sem número de vezes. Sim, leu bem, pode pedir um novo as vezes que quiser, ainda não há limite (mas sublinhe-se “ainda”).

Quer isto dizer que, se está a estudar ou a trabalhar fora da sua zona de residência, mas partilha a sua conta com a família, pode, semanalmente e de forma ilimitada, requerer um código de verificação. Se funciona? Ainda não houve tempo para testar, mas foi essa a indicação recebida do Centro de Assistência da plataforma.

3.

ACESSO À GEOLOCALIZAÇÃO

É aqui que se entra na controvérsia da questão: como é que a Netflix sabe exatamente onde se encontram os seus utilizadores? A resposta é simples: não sabe. A plataforma não localiza através de GPS e o tratamento dos dados recolhidos dá apenas uma visão geral (código postal e distrito) do local onde se encontra. Mas desengane-se, porque continua a não poder partilhar conta com o seu vizinho - a Netflix também sabe que rede WI-FI utiliza.

Os dados aos quais a plataforma tem acesso funcionam em trilogia, juntando os endereços de IP (os quais indicam essa localização geral), o ID de dispositivos (rede Wi-Fi utilizada), e a frequência de login em determinado aparelho eletrónico (na televisão, ou no computador, por exemplo). Algo que não é de agora e já constava na sua política de privacidade, da mesma forma que consta na de outras plataformas de streaming. Ao subscrever, o utilizador está a consentir este acesso, tendo sempre a hipótese de cancelar.

4.

ESSE CONSENTIMENTO É “LIVRE” E “ESCLARECIDO”?

Se sim, tudo bem - segundo consta no Regulamento Geral da Proteção de Dados, “deverão existir as devidas garantias de que o titular está plenamente ciente do consentimento dado e do seu alcance”. Mas talvez a rasteira esteja aí mesmo: “plenamente ciente (...) do seu alcance”.

É algo que três deputados do Partido Socialista, os mesmos que endereçaram a questão ao Ministério das Infraestruturas que tutela a área das telecomunicações, alegam não acontecer. Nas palavras de um deles, Paulo Araújo Correia, “ninguém contava com esse tipo de tratamento, quando a própria Netflix incentivava a partilha de passwords”.

Embora o pretérito imperfeito de “incentivava” se aplique a um passado recente, não deixa de ser passado. De facto, acontecia, mas deixou de acontecer o que fez disparar o indignómetro dos portugueses, ainda que tenham beneficiado de pré-aviso. Mas, segundo Francisco Rodrigues Rocha, professor na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, especializado nos ramos de Direito dos Dados e do Consumidor, “tudo dependerá da formação contratual” estabelecida entre a plataforma e o utilizador.

Quem cala não consente, mas quem passa o cursor do rato por cima de um sem número de caracteres de texto, deixando-se ser conduzido até ao quadradinho final no qual clica para beneficiar de uma janela de conteúdos vários, sim. Além disso, relembra o professor, “esta não é questão assim tão exclusiva da Netflix, já estamos todos geolocalizados”, e os próprios dados de IP aos quais a plataforma tem acesso são fornecidos pelas operadoras de rede.

5.

E O DIREITO DE QUEM NÃO CONSENTE?

"Aqueles que partilham a conta não assinaram contrato nenhum, logo não autorizam esse rastreio”, continua o deputado Paulo Araújo Correia. De facto, o professor da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa acrescenta que “aí a questão já pode ser mais delicada”. Sem contrato celebrado entre duas partes, a legitimidade pode ser posta em causa.

As novas medidas da plataforma de streaming, que chegou a Portugal em 2015, já entraram em vigor e, no mesmo comboio, embarcou a Espanha, o Canadá e a Nova Zelândia. No caso da América Latina, já existiam, ganhando o título de pioneira no último ano, durante o qual a Netflix diz ter estado a explorar “diferentes abordagens à resolução deste problema". Abordagens essas que resultaram na política atualmente em vigor, mas se Portugal seguir os mesmos passos da América Latina, então novidades podem estar para breve. Até pode ser um acaso, mas durante o mês de fevereiro foi noticiado pelo jornal argentino La Prensa que os preços dos pacotes oferecidos pela plataforma iriam baixar em alguns - não todos - países da região e em quantias diferentes. O critério parece ser nenhum, já que ainda não houve qualquer justificação por parte da Netflix.

Tem comentários, dúvidas ou pistas que queira partilhar connosco? Envie-me um email para mdelgado@expresso.impresa.pt

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: mortigaodelgado@gmail.com

Comentários

Assine e junte-se ao novo fórum de comentários

Conheça a opinião de outros assinantes do Expresso e as respostas dos nossos jornalistas. Exclusivo para assinantes

Já é Assinante?
Comprou o Expresso?Insira o código presente na Revista E para se juntar ao debate
+ Vistas