Geração E

Adeus, Netflix. E desculpa se fiz confusão

Num mundo de teletrabalho, nómadas digitais, filhos que estudam longe de casa dos pais ou mesmo relações à distância, a Netflix acha que é a hora certa para restringir o uso de uma conta partilhada num serviço audiovisual a pessoas que partilhem a mesma casa

A 10 de março de 2017, a Netflix publicou um tweet que se tornaria infame. São poucas palavras, mas ecoaram no tempo: “Amor é partilhar uma password”. Quase seis anos passaram, e agora publicou um outro, um pouco menos romântico. Diz que “sabemos que tem havido confusão com a partilha da Netflix”. Foi amor, só não foi para sempre.

Portugal entrou esta semana no pioneiro lote de países onde a plataforma de streaming decidiu tornar mais restritas as regras de partilha de conta, e a partir de agora os vários perfis que é possível ter numa determinada conta terão todos de ser utilizados por pessoas a viver na mesma casa, isto caso os utilizadores não queiram pagar mais pelo serviço e pela opção de “membros adicionais”.

Vejamos: a Netflix permite, no seu plano mais caro, a visualização em quatro ecrãs em simultâneo. Ou seja, se esta oferta fica apenas disponível para pessoas que vivam numa mesma residência, será necessário que as pessoas que vivam numa mesma casa decidam todas ir ver conteúdos da Netflix ao mesmo tempo, mas em quatro divisões separadas. Não me parece muito lógico. A não ser que a relação familiar já tenha vivido melhores dias e aí cabe-me agradecer à multinacional norte-americana por permitir que cada um dos elementos deste agregado tenha o seu próprio espaço de entretenimento.

De acordo com informação divulgada pela própria plataforma de streaming, “hoje, mais de 100 milhões de residências partilham contas”, o que estaria a impactar a “capacidade de investir em séries e filmes de grande qualidade”. É relevante referir que nenhum dos concorrentes tem uma política restritiva de partilha de contas e nem por isso a HBO Max, a Disney+ e a Hulu deixaram ser mais rentáveis que a Netflix no mercado norte-americano em 2021. E também não ofereceram conteúdos de pior qualidade. *Wink wink, fãs de The Last of Us.*

O que leva a Netflix a crer que pessoas que, até aqui, dividiam entre si uma mensalidade, vão querer agora pagar mais por um serviço de pior qualidade? Um assinante individual que antes dividisse uma conta com amigos, e que queira aceder ao serviço em Portugal, mesmo no seu plano mais barato, com imagem em 720p, pior do que a maioria dos vídeos disponíveis gratuitamente no YouTube, vai ter de pagar oito euros, contra os menos de quatro que pagaria se dividisse a conta com mais quatro pessoas. Caso fosse adicionado como membro adicional, isso teria um custo de 3,99.

E temos toda esta conversa em 2023, já esquecidos de que a pirataria, um problema altamente reduzido com a proliferação de ofertas de streaming a baixo custo, não deixou de existir e continua por aí à espreita.

Num mundo de teletrabalho, nómadas digitais, filhos que estudam longe de casa dos pais ou mesmo relações à distância, a Netflix acha que é a hora certa para restringir o uso de uma conta partilhada num serviço audiovisual a pessoas que partilhem a mesma casa. Um bocadinho como no tempo em que enviava filmes ao domicílio. Talvez não seja tarde demais para relembrar os motivos pelos quais mudou o seu modelo de negócio.

Se eu quiser um serviço que me prenda a uma determinada localização posso usar a box da minha operadora de televisão por cabo, que agora até já tem incluído um serviço de streaming que me permite ver, noutras localizações que não a minha casa, os canais que subscrevi, o videoclube ou as gravações automáticas.

Adeus, Netflix. Para a despedida, deixo-te um conjunto de tweets que podem ter originado aquilo a que chamaste “uma confusão sobre a partilha de contas”. Se calhar fui eu que percebi mal as coisas. Pensava que era recíproco.

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: pmcoelho@expresso.impresa.pt

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