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Deslocalização do 'hub' da TAP para Madrid seria dramático para o turismo português, alertam agências de viagens

Miguel Quintas, presidente da ANAV - Associação Nacional de Agências de Viagens.
Miguel Quintas, presidente da ANAV - Associação Nacional de Agências de Viagens.
Ana Baiao

Associação Nacional de Agências de Viagens defende que o hub de Lisboa “é brutalmente sensível para o turismo” e tem de ser protegido na privatização da TAP. Miguel Quintas apela ao Governo para que tenha em conta o risco de uma deslocalização do hub para fora de Lisboa. Considera ainda que o aeroporto Humberto Delgado é "um caos" e lamenta o atraso na decisão da construção no novo aeroporto

Deslocalização do 'hub' da TAP para Madrid seria dramático para o turismo português, alertam agências de viagens

Anabela Campos

Jornalista

Deslocalização do 'hub' da TAP para Madrid seria dramático para o turismo português, alertam agências de viagens

Ana Baião

Fotojornalista

Sem querer apontar favoritos à privatização da TAP, Miguel Quintas, presidente da Associação Nacional de Agências de Viagens (ANAV), não tem dúvidas de que uma transferência do hub (plataforma central para entrada e saída de voos) de Lisboa para Madrid teria impacto muito negativo no turismo em Portugal, e defende que uma venda da transportadora à Iberia (companhia espanhola integrada no grupo IAG) comportaria riscos nessa matéria."É brutalmente sensível para o turismo o hub de Lisboa ser protegido", considera.

A ANAV defende que o país precisa urgentemente de um novo aeroporto, e lamenta o “caos” que os turistas têm de enfrentar no Aeroporto Humberto Delgado, onde há filas desde a chegada ao aeroporto até à entrada do avião. Depois de ter visto as agências de viagens afastadas da TAP na sequência da privatização que levou à entrada de David Neeleman na companhia portuguesa, a ANAV apela a que desta vez o Executivo de Luís Montenegro proteja os interesses de todos os stakeholders.

"Olhando para o histórico, o Estado nem sempre tem feito o melhor trabalho na gestão da TAP. Embora tenha gerado um ativo muito valioso, que é o hub de Lisboa, em particular na sua ligação ao Brasil, e depois com a gestão de Neeleman o reforço dos Estados Unidos. O hub é muito valioso e tem de ser preservado, na minha opinião. E a posição dominante da TAP neste hub pode e deve ser capitalizada na sua venda", salienta Miguel Quintas, em entrevista ao Expresso. E avisa: “não podemos cair no erro de entregar este hub a uma companhia que queira gerir apenas a sua maximização de lucro, esquecendo os interesses de Portugal como um todo”.

Qual dos três candidatos conhecidos, Lufthansa, IAG e Air France/KLM, pode ameaçar mais o hub de Lisboa? “A Iberia”, responde Miguel Quintas. E admite: “provavelmente o hub passaria para Madrid [se a TAP for comprada pelap IAG]. Têm um terminal praticamente só para eles em Barajas. E com uma capacidade que não está esgotada. Estão livres para poder trabalhar no mercado, têm acesso à América do Sul, as rotas para os Estados Unidos também são interessantes. Portanto acho que o hub de Lisboa podia ser deslocalizado e existe um risco muito grande para o país nesse sentido”.

Miguel Quintas assegura que esta é uma grande preocupação para o setor. “É um tema sensível para o turismo de uma forma geral, porque a TAP tem feito campanhas muito vencedoras, por exemplo, o StopOver, em que as pessoas podem passar 2, 3 dias em Lisboa, visitam a cidade e depois seguem para a Europa. A entrada dos brasileiros e dos norte-americanos é uma vantagem económica brutal, ninguém quer perder esta vantagem”, explica.


Quem for para Madrid para ir para o resto da Europa não vem a Lisboa

A experiência diz-lhe que se os passageiros tiverem de vir de Madrid para Lisboa, na sequência de um voo internacional a caminho de outro país europeu, não vão desviar-se para visitar a capital portuguesa. “Não vêm. Se eu venho do Brasil, e faço uma viagem à Europa, com um StopOver em Madrid para depois ir para Itália, para fazer um tour em Itália, fico em Madrid, estou lá, já não venho a Lisboa. E quem vem dos Estados Unidos para visitar a Europa também não vai perder um ou dois dias em bagagens, para trás, para a frente, para ir para um país periférico. Não podemos esquecer-nos de que Portugal e Espanha são países periféricos na Europa”.

Dito isto, Miguel Quintas defende que “a ameaça do hub pode ser controlada no contrato de venda, desde que o contrato seja bem feito”.

“A nossa principal preocupação é que o Governo quando fizer a alienação da TAP considere e veja que os stakeholders são protegidos na sua atividade. E quando falo de stakeholders, falo de stakeholders gerais. Falo desde a ANA a agências de viagens, a hotelaria, a restauração, os espetáculos, os eventos, tudo isto são temas extremamente relevantes”.


Miguel Quintas lamenta que o poder político tenha arrastado a decisão sobre a construção do novo aeroporto
Ana Baiao

Caos no aeroporto prejudica o turismo

Miguel Quintas critica duramente a atual situação e os constrangimentos vividos no Aeroporto Humberto Delgado, dizendo que eles prejudicam o turismo, e lamenta que o poder político tenha deixado arrastar tanto tempo a decisão sobre a construção do novo aeroporto, e tenha dado o monopólio dos aeroportos a um grupo.

“É fundamental construir um novo aeroporto”, considera o presidente da ANAV, lembrando que os critérios previstos no contrato de concessão a partir dos quais devia ter sido desencadeado o processo de construção de uma nova infraestrutura verificaram-se no final de 2015. Acabámos por assistir, defende Miguel Quintas, à entrega de um serviço a “um player cuja maximização do lucro acabou por atrofiar o próprio negócio”.

“Temos o caos no aeroporto de Lisboa, e não é por acaso. Como agente de viagens, sinto uma tristeza e uma impotência enorme em não poder resolver este tema. Porque o nosso turista é, no fundo, o ouro de Portugal. Olhamos para a cidade de Lisboa, 22% do PIB da cidade é do turismo. E o ouro de Portugal está a ser maltratado”, opina.

E explica porquê, dando como exemplo a tortuosa experiência de um turista desde que sai do hotel até entrar no avião. “Saio do meu hotel e apanho um Uber. A primeira coisa que me acontece é que apanho uma fila na rotunda do relógio para poder chegar ao aeroporto. Se quiser sair e ir a pé, não posso porque o Uber corre o risco de levar uma multa. Tenho então que esperar para entrar no parque longos minutos. Depois existem as filas que tenho de passar poder fazer o auto-check-in e o scanning do cartão de embarque. Vou para os tapetes, para o scanning das malas, mais filas intermináveis. Se tiver de passar os passaportes há mais outra fila”.

Miguel Quintas sintetiza: “São filas e mais filas, porque o aeroporto não está preparado para receber 33 milhões de passageiros. São três horas para chegar ao avião. Isto é de loucos”.

“O aeroporto é o primeiro cartão de visita, quando nós entramos num país. O nosso aeroporto não pode ser este. Nós somos um dos países que mais turistas tem no mundo. E temos este aeroporto há anos”, crítica, dizendo que o “país não pode continuar a empatar esta decisão”.

Miguel Quintas mostra preocupação pelo facto de o país se preparar para “reforçar o um monopólio de um serviço que atualmente desagrada o setor”. E defende: “as empresas servem para dar lucro, e está tudo bem, mas estamos perante uma empresa, [a ANA/Vinci] que não está a servir o sector de forma conveniente. E, portanto, podemos estar perante um segundo problema amanhã”.

“Temos que ter muita sensibilidade nesta decisão, mas o facto de termos que ter muita sensibilidade não significa que nós possamos atrasar mais a decisão. O que temos é que ser muito competentes, já devimos ter sido, mas não temos sido”, considera. E acrescenta: “o país económico e os portugueses que precisam destas decisões tomadas com celeridade”.


Relações entre a TAP e as agências melhoraram com o regresso do Estado

As relações da TAP com as agências de viagens melhoraram com a entrada da anterior presidente da TAP, Christine Ourmières-Widener, depois de terem praticamente desaparecido no tempo em que a companhia era liderada por Antonoaldo Neves. Atualmente as relações das agências de viagens com a TAP “estão boas” e “melhoraram muito” com a recuperação do capital público, afirma Miguel Quintas. E espera que assim continuem na nova vida da transportadora.

“Quero acreditar que o fator económico será o mais relevante, mas tivemos uma má experiência na anterior privatização. Não conseguimos exatamente perceber a razão deste afastamento [face às agências de viagem] na altura. De facto, houve aqui quase um virar de costas da TAP para a distribuição das agências de viagens, com uma série de práticas que prejudicaram, no final do dia, o cliente final. A relação de credibilidade de anos que existia foi um pouco afetada na altura de Neeleman”, explica.

No entanto, avança: “com a entrada da Christine Ourmières-Widener as coisas mudaram, e neste caso há que tirar o chapéu. A distribuição é demasiado importante dentro da TAP para ser olhada de lado, vamos chamar-lhe assim. Foi com ela que se reiniciou esta aproximação. E até agora tem-se mantido uma boa relação, felizmente, e espero que se mantenha, porque insisto, a agência de viagens é a primeira almofada sempre que existem problemas. E infelizmente existem problemas com muita regularidade, particularmente num aeroporto como o de Lisboa que movimenta 33 milhões de passageiros, e grande parte passam pelas agências de viagens”.

Depois desta experiência, Miguel Quintas acredita que este é um tema que “o Governo irá ter em consideração e irá garantir que os stakeholders do setor estão protegidos”.

E essa proteção significa o quê? “Significa não haver disrupções na venda de passagens, por exemplo. A TAP tem uma importância muito grande em Portugal, embora eu ache que os clientes finais, os turistas, não são exclusivamente da companhia, são do destino. O cliente é do restaurante que se promove internacionalmente, da região de turismo que se promove internacionalmente, da cadeia de hotéis que se promove internacionalmente e por aí fora. A TAP é um meio”, salienta o gestor, que trabalha no setor do turismo desde 1997, ano em que criou uma agência de viagens online internacional, com uma empresa alemã, Lufthansa City Systems, em Berlim.

Mas a TAP, lembra Miguel Quintas, tem quase metade dos slots no aeroporto de Lisboa, por isso, “tudo o que acontecer à TAP tem impacto no turismo”. Por isso, outro tema que é relevante para a ANAV na privatização é o controlo dos destinos da TAP.

A mão de obra estrangeira e os indianos nas agências de viagens

Miguel Quintas sublinha ainda a importância da mão-de-obra estrangeira para o turismo, fala na necessidade da legalização, e avança que há inclusive alguns que já têm as suas próprias agências, como acontece com os indianos.

“Sabemos que existe uma falta grande de mão de obra para o sector do turismo”, diz o presidente da ANAV, apontando o caso da restauração, condutores de táxis e TVDE, hotelaria e até agências de viagens. “Esta mão de obra tem que ser importada, porque os portugueses não estão dispostos a trabalhar neste sector, porque se calhar os salários também não são os melhores”.

O importante, diz, é que as pessoas estejam “legalizadas”, até para que não sejam explorados enquanto trabalhadores. “Estamos agora a tentar corrigir um problema que criámos lá atrás e que não foi suficientemente preparado. E perdemos essa oportunidade [de preparar] porque isto é algo que já acontecia pela Europa fora”, frisa. E desdramatiza a questão da segurança e do seu impacto no turismo. “O tema é muito politizado, porque interessa, por vezes, politizar. Estamos à beira das autárquicas”.

“A nossa economia precisa de mão de obra. E os emigrantes estão cá para ajudar a promover a economia. A prestar um serviço de forma a garantir que todo o sistema funciona”, considera Miguel Quintas, para quem algumas das falhas que existem resolvem-se com mais formação dos trabalhadores.

“A melhor forma de ultrapassar a falta de formação é formar. E, nesse sentido, tem havido um esforço muito grande até do próprio Turismo de Portugal e da Confederação de Turismo Português. E há que reconhecer esse mérito”, afirma, avançando que tem havia formação em várias áreas. O Turismo de Portugal tem uma série de cursos disponíveis, alguns gratuitos. “Nós nas nossas agências de viagens também temos vários cursos de formação. E trabalhamos também inclusive com o IEFP, em parceria”.

As agências de viagens trabalham com muitos estrangeiros: brasileiros, angolanos, cabo-verdianos e outras nacionalidades. “Temos pessoas com muito sucesso, pessoas que vêm para Portugal e fazem o seu próprio negócio e têm agências de viagens. Uns com mais sucesso, outros com menos sucesso”, avança. E aponta: “Há alguns emigrantes de origem indiana com agências de viagens precisamente para os lados do Martim Moniz. São pessoas legalizadas e com a sua atividade legalizada”.

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: ACampos@expresso.impresa.pt

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