Neeleman defende que Airbus e empréstimos da Azul salvaram a TAP da falência, com injeção de 350 milhões e diz que houve pressão do Governo
Rui Duarte Silva
Ex-acionista da TAP considera que o Governo podia ter optado por outro caminho para apoiar a TAP, mas estava com uma “obsessão pela nacionalização”. Considera que Pedro Nuno Santos sempre foi "transparente", mas diz-se "dececionado" com acusações de que poderá ter enganado o governo no negócio com a Airbus, cujos fundos nega ter usado para comprar a companhia. Assegura que houve interferência pública na gestão
O ex-acionista norte-americano, David Neeleman, assegura que além dos dez milhões de euros que pagou ao Estado na privatização da TAP, em 2015, ele e Humberto Pedrosa colocaram na empresa de fundos próprios de mais 15 milhões de euros. Entre fundos próprios, os fundos Airbus e o empréstimo obrigacionista da Azul, a companhia foi capitalizada com mais de 350 milhões de euros pelos novos acionistas, assegura o empresário, dizendo que foi isso que a impediu da “insolvência imediata”.
Numa longa resposta escrita à Comissão Parlamentar de Inquérito à TAP, o antigo acionista da TAP, o norte-americano David Neeleman, critica a opção do Governo pelo regaste e reestruturação nas negociações com Bruxelas, dizendo que o fez com a obsessão por afastar os privados, que o fez recusar as soluções apresenta logo no início da pandemia, em março de 2020. Numa carta, onde deixa palavras duras ao Governo e ao ministro das Infraestruturas, Pedro Nuno Santos, pela sua interferência na gestão, deixa um conselho, o parceiro ideal para a TAP é um grande grupo de aviação, e não um investidor financeiro.
O empresário norte-americano nega que tenha sido o dinheiro conseguido com a troca da frota encomendada à Airbus, no montante de 226,75 milhões de dólares, fruto da negociação que fez com a construtora antes de comprar a transportadora portuguesa, que lhe permitiu capitalizar a TAP na privatização.. "Não, os montantes que qualificam como “fundos Airbus”, terminologia que vou utilizar somente porque tem sido a utilizada, ainda que impropriamente não serviram para adquirir as ações da TAP", diz David Neeleman, que tem sido acusado no Parlamento de ter comprado a TAP com o dinheiro da Airbus, que fez chegar às contas de uma empresa sua, a DGN, 226,75 milhões de dólares, resultantes da troca da encomenda de 12 A350 por 53 Neo.
Neeleman justifica-se: "As ações da TAP foram pagas pela Atlantic Gateway à Parpública pelo valor acordado e que correspondeu a 10 milhões de euros. Este preço foi pago com fundos próprios da Atlantic Gateway". Explicou ainda que "antes de ser efetivado qualquer acordo com a Airbus, antes ter administradores nomeados na TAP, antes de ter qualquer ação ou direito de voto na TAP, a Atlantic Gateway teve de pagar à Parpública, com fundos próprios, um adiantamento de preço no montante de 2 milhões, em 24 de junho de 2015, data da celebração do Acordo de Venda Direta. A privatização, recorde-se, só foi concluída a 12 de novembro.
Na carta escrita à CPI, Neeleman detalha os montantes que fez entrar na TAP. Quinze milhões de prestações acessórias realizadas pela Atlantic Gateway a favor da TAP SGPS, sujeitas ao regime legal das prestações suplementares e que só poderiam ser reembolsadas caso a TAP SGPS estivesse numa situação financeira positiva. Mais 226,75 milhões de dólares de prestações acessórias realizadas pela Atlantic Gateway a favor da TAP SGPS, "sendo que somente este componente foi obtido através do apoio da Airbus, sujeitas ao regime legal das prestações suplementares e que tinham uma limitação estatutária adicional, pois não poderiam ser reembolsadas antes de terem decorridos 30 anos após a sua realização". E ainda 120 milhões de euros de obrigações convertíveis em ações, através de um empréstimo obrigacionista da Azul à TAP. Posteriormente, houve um rearranjo, assumindo o Estado 30 milhões de euros de este empréstimo, tendo a Azul com os restantes 90 milhões.
E volta a repetir que os chamados fundos Airbus "foram integralmente utilizados na capitalização da TAP no âmbito do Projeto Estratégico que preparámos e que foi integralmente validado tanto pelo Governo [de Pedro Passos Coelho] aquando do processo de privatização, como pelos vários Governos que se seguiram". Um negócio que detalha na resposta de 35 páginas aos deputados.
Salienta que no plano de restruturação da TAP aprovado pelo atual Governo e pela Comissão Europeia, não foi feita qualquer mudança de fundo ao projeto estratégico desenhado pela sua equipa.
Estado não aceitou proposta e foi hostil
Diz-se "alheio" à decisão de nacionalização da TAP, "que coube, como tinha de caber, unicamente ao Governo português". E explica que logo a 19 de março de 2020, no início da pandemia a administração da TAP pediu "apoio do Estado", propondo "alguma dilação de prazo para pagamento de algumas obrigações tributárias, apoio temporário de tesouraria, pagamento de indemnizações que a Parpública devia à TAP e outros mecanismos legais que podiam assegurar o apoio interino necessário".
Neeleman diz que nunca obtiveram resposta, e que Portugal optou por um caminho diferente do seguido pelos EUA e o Brasil. "Em Portugal, a decisão do Governo foi outra e nunca obtivemos resposta. A título de exemplo, a determinada altura, a administração estimou que iria precisar de um apoio imediato de entre 300 a 500 milhões de euros, mas o Estado português decidiu desde logo que tinham de ser três mil milhões e que tinham de entrar como capital", disse.
O empresário norte-americano defende que o Estado fez uma proposta que não era séria: "Ou acompanhávamos esse aumento de capital na metade que nos correspondia, ou veríamos a nossa posição de acionista diluída. Este não era um pedido sério e foi claramente hostil". E afirma que o argumento para não optar por outro caminho, foi o de que Bruxelas não iria aceitar porque os capitais próprios da TAP SGPS era negativo.
"A equipa de gestão da TAP identificou múltiplos mecanismos de apoio que permitiriam ao Estado apoiar a companhia, sem necessidade de intervenção de terceiros, desde logo por indemnizações e restituições que eram devidas à TAP (onde não se colocavam temas de auxílio de Estado). Nada os demoveu", lamenta. "O Estado queria recuperar o controlo da TAP e afastar os privados, a Atlantic Gateway", considera.
A obsessão pela nacionalização
"Obsessão pela nacionalização, inabilidade política ou má gestão do Governo, só assim se pode compreender, por exemplo, que o ministro das Infraestruturas de então [Pedro Nuno Santos], num debate no parlamento português, tenha dito, com grande vigor, que a TAP estava falida e que não podia recorrer aos auxílios covid, o que naturalmente foi muito prejudicial a qualquer pedido que se fizesse junto da Comissão Europeia", considera.
Neeleman discorda e aponta números que mostram que a TAP estava a crescer e tinha dado um salto entre 2015 e 2019: transportou mais de 60% de passageiros para 17 milhões, tinha 10.167 trabalhadores (+18%), mais 33 aeronaves e mais voos (+25%). E ainda um maior volume de negócios que tinha crescido 36% para 3,3 mil milhões de euros.
Depois de ceder o controlo em 2015, Neelemam defendeu que não podia perder mais capital e poder de decisão sem pôr em risco a sua estratégia. E acrescenta: "mna prática não houve vontade de que um verdadeiro privado continuasse na empresa. Esta é a verdade".
Pedro Nuno Santos foi sempre "transparente", mas Neeleman está dececionado com o ataque à honra
Como era a sua relação com Pedro Nuno Santos? Neeleman diz que "apesar das enormes divergências ideológicas e das dificuldades na negociação para a nossa saída, o ministro foi sempre bastante transparente nas suas intenções e foi sempre respeitador no trato pessoal comigo".
Afirma porém: "não gostei das tentativas de ingerência na gestão da empresa no tema da remuneração variável dos trabalhadores da TAP". E assegura que ficou "muito dececionado com ele por ter feito graves acusações" na audição à Comissão de Economia contra a sua "honra e reputação", ao dizer que "poderíamos ter enganado todos os Governos". Ainda por cima, diz, "fundamentando a sua acusação numa avaliação que ninguém conhece sobre preços de aviões feita sete anos depois da data da compra e contrariando nove avaliações (3 por cada modelo), feitas por entidades independentes".
"Até posso entender que no contexto de um processo de reestruturação da TAP, como o que está a decorrer, pretendam renegociar com a Airbus os preços então acordados, mas não posso aceitar que o façam à custa da minha honra e reputação".
Houve pressão sob a gestão
Neeleman diz ainda que "é público e notório que o Governo em vários momentos procurou, pressionar a administração ou a Comissão Executiva. E aponta alguns exemplos: "o bloqueio da oferta pública de venda" da TAP, caso que considera "grave" e um "incumprimento claro com o que tinha assumido no Acordo Parassocial, impediu que a empresa fosse colocada em bolsa". Outros exemplos são a "definição de determinadas rotas internacionais" e o "pagamento de remuneração variável aos trabalhadores".
"Durante esses dias, o Governo pressionou a nossa Comissão Executiva e em particular o CEO, de uma forma lamentável e inaceitável, para que não pagasse as remunerações variáveis. Foram pressões muito duras através de mensagens de telemóvel e reuniões com o próprio Ministro das Infraestruturas. Felizmente, o CEO teve coragem para não ceder às pressões e a Comissão Executiva acabou por pagar as remunerações variáveis, que eram devidas", conta.
Defende que a sua "preocupação foi reduzir substancialmente a dívida da TAP que era garantida pelo Estado", e defende que todas "as indemnizações e todos os custos da empresa" quando esta estava sob a sua liderança "não foram pagas com fundos públicos injetados na TAP à custa dos contribuintes portugueses, mas por fundos gerados pela própria empresa".
Neeleman admite que poderia litigar sem os 55 milhões
É verdade que recebeu 55 milhões de euros de modo a evitar uma potencial litigância com o Estado, porque iria exigir o dinheiro das prestações acessórias, perguntam os deputados? "Não sendo jurista gostava de clarificar que não recebi indemnização de qualquer ordem. Os 55 milhões de euros referidos, foram o preço negociado e pago pelo Estado à Atlantic Gateway por uma participação no capital da TAP SGPS, precisamente porque o Governo forçou uma saída que nós não desejávamos e que nos foi imposta".
Afirma que aceitou negociar a sua saída a partir do momento em que percebeu que "o Governo queria o controle da empresa a todo o custo".
Neelemena admite como "provável que sem o acordo para a minha saída se tivesse iniciado um litígio, desde logo porque a Parpública já tinha violado o Acordo Parassocial quando impediu o IPO e porque tínhamos proteções contratuais caso a empresa voltasse a ser pública".
O empresário explica ainda que "o acordo comporta, ademais, a ponderação do valor potencial de uma litigância associada aos direitos de saída da Atlantic Gateway, bem como do valor que se antecipa ser aportado à TAP SGPS com a eliminação destas contingências e a assunção, por parte do Estado, de uma posição maioritária.”
TAP fica melhor com parceiro do setor
Questionado pelos deputados sobre o futuro da companhia portuguesa, Neeleman considera que "a TAP isolada vai ter dificuldade em sobreviver".
Admite que haverá oportunidades em cima da mesa, mas é preciso ser ágil. "Depois da enorme capitalização da TAP, certamente que vão surgir oportunidades, mas, para aproveitá-las é preciso um grande conhecimento do mercado e uma gestão independente e de atuação rápida, que dificilmente existirá sob a égide do Estado".
E deixa um conselho: "De qualquer forma, penso que será melhor para o futuro da TAP que o comprador seja um grupo forte do setor da aviação e não tanto um comprador financeiro".