21 julho 2022 7:00
Se tudo corresse como planeado há um mês, esta quinta-feira, o Banco Central Europeu (BCE) daria início a uma política gradual de subida das taxas de juro. A taxa de referência subiria 25 pontos base em julho e mais 25 ou 50 pontos em setembro. Contudo, com a inflação a escalar e revelar-se mais permanente que transitória, a presidente do BCE poderá ceder aos argumentos dos banqueiros mais conservadores, os chamados “falcões”, e atalhar caminho. Subindo as taxas de juro em 25 pontos base, Christine Lagarde inaugurará a primeira subida dos juros em onze anos. Se os agravar em 50 pontos base, será preciso recuar 22 anos, aos mandato de Wim Duisenberg, para encontrar uma subida tão pronunciada.
A perspetiva de uma subida de 50 pontos base tem pairado nos últimos dias nos mercados financeiros tendo puxado pelo valor da moeda únicas que, há uma semana, tocou a paridade com dólar pela primeira vez em 20 anos. Os que consideram que esta seria a melhor opção defendem que o BCE já está a reagir tarde à subida de inflação, e que tem de sinalizar, sem margem para dúvidas, a sua determinação em controlar a subida de preços na Europa e cumprir, assim, o seu mandato. Ainda esta semana o Eurostat deu conta de uma aceleração da taxa de inflação harmonizada para os 8,6% na zona euro, com todos os países, à exceção da Alemanha e dos Países Baixos, a assistirem a uma escalada de preços face a maio. Ao mesmo tempo, o euro tem vindo a perder valor, tendo mesmo chegado a cotar abaixo do dólar, alimentando também o surto inflacionista.
Apontam ainda para os exemplos noutras geografias. O Banco do Canadá decidiu na semana passada um aumento dos juros em 100 pontos base, de uma assentada. O Banco de Inglaterra, que já aumentou quatro vezes a taxa de juro, para os 1,25%, admitiu esta semana um novo agravamento em 50 pontos base em agosto. E a Reserva Federal já subiu três vezes os juros, para 1,75%, e poderá determinar uma nova subida de 75 pontos base ainda este mês.
Mas, se há bons argumentos para que o BCE atue de forma mais determinada, não faltam contra-argumentos na mesa dos governadores para que o banco central adote uma postura mais gradual. Grande parte da inflação na Europa é importada via bens energéticos, pelo que as subidas de taxas de juro do BCE podem ser menos eficazes. Além disso, subir juros prejudica os investimentos necessários para a urgente transição energética. E, pior ainda, para serem eficazes, as subidas podem conduzir a uma forte abrandamento da atividade económica, e até um aumento de desemprego na Zona Euro – isto num momento em que se teme que as limitações ao fornecimento de gás natural pela Rússia provoque uma recessão na Europa nos próximos 12 meses. Esse é de resto o cenário central de alguns bancos, e um risco já explicitado pela Comissão Europeia, o FMI e o próprio BCE.
Lagarde entre Trichet e Draghi
Nas reuniões a que preside com o seu conselho executivo e os 19 governadores, Christine Lagarde terá bem presente experiências do seus antecessores. É provável que se lembre que Jean-Claude Trichet ficou na história pela famosa subida de juros que decidiu em 2011, poucos meses antes da zona euro afundar numa profunda recessão que forçou o BCE a recuar nessa decisão ainda nesse ano. E ninguém a deixa também esquecer que uma simples frase de Mario Draghi, em 2012, salvou a Zona Euro da implosão, reduzindo a mesma fragmentação entre taxas de juro da dívida soberana que agora voltam a ensombrar os países da periferia.
É com o peso da história e perante uma conjuntura económica e geopolítica inéditas na Europa há décadas que o banco central anunciará hoje a sua decisão. A subida de juros será a primeira em onze anos. Mas se chegar aos 50 pontos base, então Lagarde comparará ainda com outro antecessor, Wim Duisenberg, o primeiro presidente do BCE e o único que, até hoje, anunciou um agravamento tão pronunciado da taxa de juro central quando, em junho de 2000, subiu de 3,75% para 4,25%. A decisão implicará também que a atual taxa de juro de depósito suba para 0%, interrompendo assim a era de taxas negativas na Zona Euro.
A decisão quanto ao custo do dinheiro marcará a inversão de um ciclo a que todos estarão atentos. Mas investidores e analistas ouvirão, talvez ainda com mais atenção, o que Lagarde tiver para dizer sobre a estratégia do BCE para travar a subida de spreads na Europa. A expectativa é grande e em parte por responsabilidade do próprio BCE.
Em junho, após as confirmações do fim dos programas de compra de dívida publica do banco central e de subidas de juros na Europa já em julho, os investidores começaram a testar a resistência dos países periféricos. Tal como há mais de uma década, exigiram juros cada vez mais altos, nomeadamente a Itália, mas também a Espanha, Grécia ou Portugal. Perante o escalar dos ‘spreads’, Christine Largarde convocou uma reunião de emergência e reafirmou que o banco central estava já a trabalhar num mecanismo de combate à fragmentação dos mercados de dívida pública.
Este é mais um dossiê que afasta falcões e pombas no BCE, e cujos desenvolvimentos serão essenciais para o futuro da economia europeia, e em particular para Mario Draghi que, exatamente 10 anos após a sua famosa frase de julho de 2012, se encontra agora ao leme do Governo italiano, com uma grave crise política nas mãos e à espera que, desta vez, seja Lagarde a garantir que tudo fará para salvar a zona euro.