
Membro da direção do departamento de compliance do BES e do Novo Banco revelou, na comissão de inquérito ao Novo Banco, dificuldades na relação com Angola
Membro da direção do departamento de compliance do BES e do Novo Banco revelou, na comissão de inquérito ao Novo Banco, dificuldades na relação com Angola
Jornalista
Ora as “entidades reguladoras não permitiam a disponibilização da informação”, ora havia “indisponibilidade para enviar” essa informação. Era “difícil” obter dados, e, quando chegavam, a informação era “vaga”. A relação do Banco Espírito Santo com o BES Angola não era fácil, e o departamento de compliance – divisão dos bancos que assegura a conformidade com a legislação e os procedimentos internos – é a prova disso mesmo.
As palavras foram deixadas na audição desta terça-feira, 25 de maio, da comissão parlamentar de inquérito ao Novo Banco por Paula Gramaça, que integra o departamento de compliance do BES desde 2010, onde permaneceu após a constituição do Novo Banco, sempre com funções de direção, mas não como diretora-coordenadora (o mais alto cargo em cada divisão do banco).
Naquele departamento (que cobre áreas como conflitos de interesse e normas de branqueamento de capitais, por exemplo), procurava-se, no início da década passada, que o BESA adotasse os procedimentos que estavam a correr na casa-mãe, mas não estava a ser possível sequer constituir uma eficaz área de controlo interno. “Estava a ser difícil, porque os colegas de Angola não estavam muito recetivos, nunca o dizendo, mas havia sempre alguma coisa que impedia”, revelou Paula Gramaça. "Nunca ninguém, do lado do BESA, se recusou ou disse taxativamente [que não dava informação], mas, em termos práticos, era difícil", explicou.
Só em 2014, já após a saída de Álvaro Sobrinho da presidência do BESA e sua substituição por Rui Guerra, é que houve melhoria, declarou Paula Gramaça – foi aí que houve uma primeira visita à subsidiária para ver se tudo corria bem. Mas foi também em 2014 que o BES foi alvo de resolução, no mês de agosto, e o BESA intervencionado pelo regulador angolano, o Banco Nacional de Angola, transformando-o em Banco Económico, onde o Novo Banco tem agora apenas 10% do capital.
O BESA é o tema sobre o qual Rui Pinto diz ter informações para transmitir, mas que os deputados não parecem convencidos - a votação sobre a audição deverá ocorrer esta semana. A exposição de mais de 3 mil milhões de euros do BES ao banco angolano acabou por pesar na capitalização do Novo Banco, mas o Banco de Portugal ressalva que não foi ela a causadora da resolução.
Na audição, Paula Graçama explicou que outras questões escaparam ao compliance no tempo do BES – por exemplo, não passou pelo departamento a emissão de cartas-conforto que garantiam que o BES iria pagar o investimento feito por entidades venezuelanas em dívida do Grupo Espírito Santo (essa, sim, uma surpresa que o supervisor diz ter contribuído para a resolução). Hoje condenado por atos praticados à frente do BES, Ricardo Salgado foi, até setembro de 2013, o administrador com o pelouro do compliance.
Sobre a explicação da evolução do departamento ao longo dos tempos, percebe-se que a existência de uma liderança para esta área – que assegura o cumprimento dos procedimentos – não foi uma prioridade. Quando saiu o diretor-coordenador de compliance em julho de 2013, não houve uma substituição formal, e assim continuou até 2015, já com o Novo Banco sob o comando de Eduardo Stock da Cunha, que nomeou como responsável do departamento Francisco Santos.
Entretanto, a comissão de inquérito tem revelado que a organização de fundos de private equity, como a Lone Star, mas também sobre alguns dos compradores de grandes carteiras de ativos, deixa um manto de incertezas sobre as entidades que compõem os grupos e sobre quem são os seus detentores. Isto porque o beneficiário último ou é quem detém mais de 25% do capital, ou, quando nenhuma entidade o tem, os seus gestores.
Paula Gramaço repetiu o que já se sabe – que o beneficiário efetivo da Lone Star é John Grayken (também fundador e presidente) –, mas não explicou como é que se assegura a inexistência de conflitos de interesse quando não se conhece toda a estrutura ou todos os detentores do grupo americano. Aliás, este é um dos pontos onde os deputados têm insistido, já que não parece haver forma de provar que a Lone Star ou alguém a ela ligado possam vir a comprar ativos vendidos com desconto pelo Novo Banco - ainda que todos os responsáveis da regulação assegurem que não, e que António Ramalho tenha já repetido que se demite caso se descubra algo do género.
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