Fundo com créditos de Luís Filipe Vieira não deverá pagar a tempo e horas ao Novo Banco
Ana Baiao
Desvalorização dos ativos e pandemia dificultam concretização de plano de negócios definido, em 2017, quando fundo ficou com créditos concedidos pelo BES à Promovalor
O fundo que tem parte dos créditos concedidos pelo Novo Banco ao grupo Promovalor, de Luís Filipe Vieira, não vai conseguir cumprir o plano de reembolsos previstos aquando da sua constituição. A fatia de 60 milhões a devolver no próximo ano não deverá ser paga na sua totalidade, segundo admitiu o presidente da sociedade gestora do fundo, Nuno Gaioso Ribeiro, no Parlamento.
“Têm existido dificuldades operacionais no Fundo que podem comprometer, nesta conjuntura inesperada e no curto prazo, alguns objetivos previstos atingir ao fim de 5 anos”, sublinhou o fundador da C2 Capital Partners, a antiga Capital Criativo, sociedade de capital de risco que adquiriu créditos da Promovalor ao banco e os colocou num fundo, o FIAE, constituído em 2017. Esse período de cinco anos termina no final de 2022, ano em que estava prevista a devolução de 60 milhões ao Novo Banco, segundo indicaram os deputados.
“Desde que entrámos num ciclo pandémico, que ficou mais complicado o atingimento de metas”, declarou Nuno Gaioso Ribeiro, acrescentando que, devido à pandemia, “a sociedade gestora deixou de cobrar comissões de gestão” ao próprio fundo, que o Novo Banco detém na sua quase totalidade (uma parcela de 4% está ainda na família de Luís Filipe Vieira).
A pandemia dificultou a colocação no mercado de imóveis e da exploração de hotéis, por exemplo, prejudicando o plano de negócios que tinha sido desenhado aquando da constituição do fundo e aquisição de créditos. O fundo FIAE comprou créditos de 133,9 milhões ao Novo Banco, sendo que conseguiu depois nova liquidez desse banco de 12,2 milhões de euros - a solução, defendeu Gaioso Ribeiro, foi a melhor opção também para o banco, a execução judicial seria "desfavorável".
Mas os problemas já vinham de há mais tempo para os ativos que estão dentro do fundo, uns “decorrentes de atrasos entre 9 e 24 meses na integração dos ativos no Fundo”, outros “decorrentes da resolução de litígios complexos e da eliminação de contingências, em especial com credores históricos”.
“A meta prevista para daqui a ano e meio pressupõe a venda de um ativo relevante, vejo hoje com dificuldade que a meta possa vir a ser atingida, ou pela potencial venda do edifício de escritórios em Moçambique, ou do hotel no Brasil”, declarou. Nenhum parece possível.
No Brasil, o hotel detido está fechado devido à pandemia, e só consegue ser vendido quando houver exploração positiva (agora nem exploração há, embora o fundo tenha convidado sete empresas a concorrer à operação da unidade hoteleira). Em Moçambique, deu-se a resolução do litígio, mas o mercado de arrendamento está suspenso.
Desvalorizações dos ativos nos vários mercados
O valor dos ativos que constam do fundo têm vindo já a ser desvalorizados, nos vários mercados onde o FIAE tem ativos. A maior parte dos ativos do fundo são de terrenos em Portugal e Espanha; há depois a parcela no Brasil, onde o hotel de 5 estrelas no Recife é o principal ativo; e ainda em Moçambique. Em todos eles houve desvalorizações face a 2017, à entrada para o fundo.
Em Espanha, o ativo tinha uma avaliação de 15 milhões em 2018 e, dois anos depois, desceu para 2,5 milhões. O terreno, numa “zona relativamente deserta” que estaria ao lado de um resort de luxo só tem, agora, “valor de uso agrícola, florestal, privado, que não é de desenvolvimento imobiliário”. Isto porque aquele resort, afinal, não vai ser construído porque o complexo foi para insolvência, segundo descreveu Gaioso Ribeiro.
No Brasil, a desvalorização acumulada é de cerca de 70% face à avaliação inicial, muito por conta de alterações cambiais, e em Moçambique, é de 50%. Em Portugal, os ajustamentos são de cerca de um terço do valor dos ativos: de 92 para 62 milhões entre 2017 e 2020. Perante as perguntas da deputada social-democrata Filipa Roseta, que se tem debruçado na comissão de inquérito sobre as avaliações imobiliárias, Gaioso Ribeiro ficou de enviar documentação para os deputados sobre que pressupostos mudaram para que houvesse tão fortes descidas de preços, nomeadamente em Portugal onde o imobiliário esteve em alta.
O que é certo é que o fundo tem tido uma descida do seu valor: de 145 milhões, em 2017, para 79 milhões, em 2019. “São desvalorizações teóricas. Só na data que se fizer a transmissão de ativos é que se vai poder apurar”, defendeu-se.
Nem toda a dívida de Luís Filipe Vieira perante o Novo Banco, que superava os 400 milhões em 2017, foi incluída no fundo. Gaioso Ribeiro referiu várias vezes que adquiriu apenas “parte dos créditos de todo o universo Promovalor”. Há uma empresa, a Imosteps, e valores mobiliários obrigatoriamente convertíveis (VMOC), que não foram transferidos.
O grupo económico Promovalor é um dos principais devedores do Novo Banco, uma dívida gerada sobretudo quando era BES. Em 2017, o banco liderado por António Ramalho empreendeu a reestruturação com a passagem para o fundo gerido pela Capital Criativo (hoje C2 Capital Partners), que foi fundado por Gaioso Ribeiro, que estava na administração da Benfica SAD, presidida por Luís Filipe Vieira. Na audição, repetiu por várias vezes que não havia qualquer conflito de interesses nesse campo.