O Governo não se compromete com a apresentação de uma proposta legislativa para reforçar a regulamentação do teletrabalho, mas na Assembleia da República parece haver consenso para alterar o Código do Trabalho nesta matéria, reforçando os direitos dos profissionais enquadrados no regime de teletrabalho. O Bloco de Esquerda apresenta esta quinta-feira no Parlamento uma proposta para que a lei obrigue as empresas a pagar as despesas de quem está em teletrabalho. Os restantes partidos avançam na mesma direção e deverão também apresentar propostas já na próxima semana. A comparticipação pelo acréscimo de gastos com o teletrabalho e o direito a desligar dominam as reivindicações.
Milhares de portugueses estão em teletrabalho e apesar de o Governo ter clarificado que as empresas devem responder pelo acréscimo de encargos com internet e comunicações decorrentes do teletrabalho, os sindicatos têm alertado para que poucos empregadores estão a cumprir com esta obrigação e que são os teletrabalhadores quem está a pagar o ónus do trabalho remoto. Apesar disso, a ministra do Trabalho, Ana Mendes Godinho, não se compromete com a apresentação de uma proposta legislativa para reforçar as regras do teletrabalho que desde 2003 estão inscritas no código laboral.
Esta quarta-feira, no Parlamento, questionada pela deputada do PSD Helga Correia, sobre a intenção do executivo reforçar a regulamentação do teletrabalho, a ministra remeteu o tema para a concertação social referindo que o Livro Verde sobre o Futuro do Trabalho - que promove uma reflexão sobre estas matérias - será apresentado "até final do mês" e eventuais alterações legislativas sobre teletrabalho ou regulação das plataformas digitais "serão primeiro discutidas com os parceiros sociais".
A verdade é que os vários partidos entendem que, apesar dessa reflexão e debate, há questões que é urgente resolver, como o pagamento de despesas por parte dos empregadores e o direito a desligar. E por isso, vão avançar de imediato com propostas legislativas. A primeira, do Bloco de Esquerda, é apresentada esta quinta-feira na Assembleia. Os bloquistas querem regular o trabalho à distância, fazendo com que a lei obrigue os patrões a pagarem as despesas para quem está em teletrabalho.
Recorde-se que no entendimento do Governo, com base no Código do Trabalho, a empresa é responsável pela instalação e manutenção dos instrumentos de trabalho, o que inclui o pagamento de despesas com internet e comunicações. Esta responsabilidade deixa, no entanto, de fora os gastos com a eletricidade, o que tem, sido muito contestado por partidos e sindicatos.
O jornal Público avança na edição desta quinta-feira que além do Bloco, também o PS, o PSD, o PCP e o PAN preparam projetos próprios que deverão apresentar já a partir da próxima semana. É consensual entre as várias forças parlamentares que é preciso clarificar o enquadramento das despesas inerentes ao teletrabalho. E que o empregador deve cobrir também gastos como a eletricidade ou a água.
Como o Expresso já tinha avançado, a fórmula de cálculo desta comparticipação não é fácil, sobretudo se no mesmo domicílio estiver mais do que um profissional em teletrabalho. E essa poderá ser uma das grandes questões a ultrapassar. Outra que é considerada crítica pelas várias forças partidárias é a do direito a desligar que voltou a estar em cima da mesa com a pandemia. As propostas de alteração legislativa que estão a ser preparadas pelo BE, PS, PCP e PAN preveem também o direito a desligar.
Há duas formas de enquadrar as relações laborais: pela via do Código do Trabalho (CT) ou da contratação coletiva. No caso do teletrabalho, o que consta do CT está — reconhecem patrões, sindicatos e trabalhadores e especialistas — ultrapassado e precisa de clarificação. E a própria negociação coletiva, que poderia aprofundar a regulação do regime ao nível dos vários sectores e empresas, continua a deixar o tema fora dos acordos entre sindicatos e patrões. Uma análise recente realizada pelo Expresso permitiu concluir que entre 2013 e 2020, menos de 2% das novas convenções coletivas de trabalho estabelecidas contemplavam o trabalho remoto.
A revisão da legislação laboral em matéria de teletrabalho está a ser tratada pelo Governo, no âmbito do Livro Verde para o Futuro do Trabalho. A conclusão do documento estava prevista para outubro de 2020, a que se seguiria a sua apresentação aos parceiros sociais, mas o debate ainda não se iniciou. A ministra do Trabalho, Ana Mendes Godinho, comprometeu-se esta quarta-feira no Parlamento a iniciar a discussão com os parceiros ainda durante o mês de março.
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