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Governo recua e viabiliza acumulação de lay-off. Milhares de trabalhadores podem voltar aos 2/3 do salário

Ana Mendes Godinho, ministra do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social
Ana Mendes Godinho, ministra do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social
ANTÓNIO COTRIM/LUSA

Empresas que saiam do lay-off simplificado podem requerer de imediato o regime geral do mecanismo, previsto no Código do Trabalho, e que permite a suspensão temporária de contrato e redução salarial dos trabalhadores. Governo criou exceção e fez cair norma travão que impunha período de espera

Governo recua e viabiliza acumulação de lay-off. Milhares de trabalhadores podem voltar aos 2/3 do salário

Cátia Mateus

Jornalista

O Expresso já tinha alertado para questão. O decreto-lei que enquadra a execução do regime de lay-off simplificado – DL 10-G/2020, de 26 de março - era dúbio e gerava pouco consenso entre os especialistas em Direito do Trabalho, no que referia à possibilidade de uma empresa que tivesse beneficiado de lay-off simplificado poder, findo este apoio, requerer de imediato o regime geral de lay-off previsto no Código do Trabalho (CT).

Em causa está o artigo 298º-A do CT que determina que “o empregador só pode recorrer novamente à aplicação das medidas de redução ou suspensão [lay-off] depois de decorrido um período de tempo equivalente a metade do período anteriormente utilizado, podendo ser reduzido por acordo entre o empregador e os trabalhadores abrangidos ou as suas estruturas representativas”. Uma norma travão, criada para evitar abusos por parte das empresas, mas que não foi diretamente transposta para o decreto-lei que enquadra o regime simplificado de suspensão temporária de contrato e que, por isso, sempre foi motivo de discórdia entre os advogados.

A norma de todas as dúvidas

A maioria dos especialistas em Direito do Trabalho ouvidos pelo Expresso reconhece que a lei é dúbia nesta matéria. Se nomes como Gruilherme Dray, membro da Comissão que elaborou o Código do Trabalho de 2003, defendem inequivocamente que “o regime excecional de lay-off, o simplificado, não cai no âmbito do artigo 298º nem do 298º-A” e por isso qualquer empresa que tenha em causa a sua sobrevivência pode transitar entre os dois mecanismos, outros como Pedro da Quitéria Faria, coordenador da área de Laboral da sociedade Antas da Cunha, realçam que “embora com as necessárias adaptações, o regime simplificado remete para as mesmas regras do geral”, não podendo as empresas passar diretamente de um para o outro.

Para o Governo, contudo, não parecia haver grande margem para dúvidas. Questionado pelo Expresso, a 2 de junho, sobre a possibilidade de uma empresa que tivesse beneficiado de lay-off simplificado poder requerer, diretamente e sem "período de nojo" o regime geral de lay-off, o Ministério do Trabalho que esclareceu que não, sem que antes tenha de esperar o equivalente a metade do tempo que esteve abrangido pelo regime simplificado, remetendo para o artigo 298ª-A do Código do Trabalho. Dezassete dias depois, recuou na decisão.

Esta semana, ao legislar sobre o prolongamento do regime simplificado até julho, e outros apoios previstos no âmbito do Programa de Estabilização Económica e Social (PEES), aboliu a norma-travão que obrigava ao cumprimento de um “período de nojo” entre lay-offs, equivalente a metade do tempo em que tivesse beneficiado do apoio anterior. No artigo 6º do Decreto-lei nº 27-B/2020, ponto três, pode ler-se que “o empregador que recorra ao apoio extraordinário à manutenção de contrato de trabalho previsto no Decreto-Lei 10-G/2020, de 26 de março, na redação conferida pelo presente decreto-lei, pode, findo aquele apoio. Recorrer à aplicação das medidas de redução ou suspensão previstas nos artigos 298º e seguintes do Código do Trabalho, não se aplicando o disposto no artigo 298º-A do Código do Trabalho”.

O que muda para as empresas?

Em teoria, esta alteração significa que uma empresa pode transitar diretamente de um apoio para outro, mantendo os trabalhadores em suspensão temporária de contrato ou com horário reduzido, contando com o apoio da Segurança Social no pagamento da maior fatia da sua remuneração. Para os trabalhadores significa que além dos quatro meses em que possam já ter estado com redução de rendimentos, no âmbito do lay-off simplificado, podem agora ficar até seis meses com apenas 66% da sua remuneração base, 30% pagos pela empresa e 70% pela Segurança Social. Isto em teoria, porque na prática a transição não será assim tão linear.

Senão vejamos. Quando se inspirou no mecanismo de lay-off inscrito no Código do Trabalho (artigo 298º) para criar um regime excecional de proteção de postos de trabalho para as empresas afetadas pela pandemia, o Governo adotou apenas em algumas regras da norma geral, introduzindo novas e eliminando outras, a bem da simplificação e da necessidade de acelerar a concessão de apoios. Entre as etapas que deixou cair está, por exemplo, a necessidade de negociação com as estruturas representativas dos trabalhadores (que faz arrastar o processo no tempo) ou que a empresa tenha de fazer prova inequívoca de que sem o lay-off não terá outro caminho senão encerrar e despedir. É que no regime geral não basta enfrentar uma situação de crise temporária, é preciso estar em causa a sobrevivência da empresa e a sua capacidade para manter postos de trabalho para ter acesso ao apoio.

E são estes dois requisitos que fazem a diferença entre a teoria e a prática que resulta da alteração agora introduzida pelo Governo. Isto porque embora na teoria a empresa possa terminar o lay-off simplificado hoje e amanhã requerer o regime geral do apoio, como este tem uma tramitação muito mais demorada e burocrática, na prárica o empregador demorará ainda, pelo menos, um a dois meses a obter aprovação e ver o dinheiro. Durante este período, os trabalhadores terão de receber a sua remuneração completa e a empresa terá de laborar normalmente.

Por outro lado, o facto do regime geral ter um crivo muito mais apertado no que toca a critérios de elegibilidade permite também concluir que, embora este possa ser o único caminho para muitas empresas, a adesão ao regime geral de lay-off ficará certamente longe das mais de 105 mil empregas e 850 mil trabalhadores abrangidos pelo simplificado, ainda que possa abranger vários milhares de profissionais. Só as empresas que estejam efetiva e comprovadamente em risco de falência poderão ver o apoio garantido.

Esta alteração cirúrgica do Governo, contrariando o que consta do regime que inspirou o lay-off simplificado, acontece numa altura em que contra as expectativas dos patrões, que pediam um prolongamento do apoio até ao final do ano, o Executivo optou por prolongá-lo apenas até julho, criando apoios adicionais mais focados na retoma da atividade das empresas e recuperação do rendimento dos trabalhadores. O Expresso sabe que as reivindicações dos patrões terão pesado na decisão do Governo admitir a acumulação de regimes e deixar cair a norma travão que evita que a mesma empresa possa somar vários lay-off durante longos períodos de tempo, com forte penalização para a remuneração dos trabalhadores.

Os empresários sempre defenderam que num cenário de não prolongamento de lay-off simplificado, ou num prolongamento com regras de tal forma apertadas que deixassem de fora empresas cuja viabilidade e capacidade de manter postos de trabalho estivesse ameaçada, transitar do apoio excecional para o lay-off consagrado no CT seria uma solução e que não faria sentido limitar este apoio. O argumento era o de que a natureza dos dois apoios era distinta. O simplificado prevê cenários de crise empresarial temporários, fruto da pandemia, o geral o risco efetivo de falência da empresa. O Governo acabou por caminhar nessa direção.

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