A bolsa portuguesa tem um novo inquilino (mas tem de dividi-lo com Espanha)
Espanhola Merlin assinala entrada na bolsa portuguesa
Nuno Botelho
Imobiliária espanhola Merlin, dona do Almada Forum e do edifício lisboeta Monumental, começa esta quarta-feira a negociar na Bolsa portuguesa. Cerca de 1% dos seus accionistas já são portugueses, mas quer mais. Foi recebida em inglês, mas o presidente optou pelo português. Para mostrar a sua "admiração" pelo país
A Bolsa de Lisboa tem um novo membro. Tem nome de feiticeiro e traz consigo a esperança de que possa trazer mais animação para um mercado que tem passado uns anos de agonia. Apesar de chegar mais perto do dinheiro português, vai haver coabitação: a empresa que chega ao mercado, a imobiliária Merlin, é aquela que já está presente na bolsa espanhola. Mas os dividendos, o grande atractivo deste tipo de empresas, chegarão a quem tiver as acções, independentemente do mercado.
O edifício Monumental, em Lisboa, e o centro comercial Almada Fórum são exemplos dos imóveis que a imobiliária espanhola Merlin Properties tem no país. É esta a empresa que esta quarta-feira, 15 de janeiro, chega à bolsa nacional. Um dia antes, o seu presidente executivo, Ismael Clemente, e o responsável em Portugal, João Cristina, tocaram o sino de fecho de sessão da Euronext Lisbon.
Só há outra cotação do género
O dia acabou com o principal índice da bolsa, o PSI-20, a subir 0,61% e foi com verde esperança que a Merlin foi recebida na Avenida da Liberdade. A operação “abre o caminho para mais cotações”, acredita Isabel Ucha, a presidente da bolsa portuguesa. A empresa vai cotar em Lisboa, mas não é uma nova empresa – é aquela que está já cotada nos mercados espanhóis. Fará aquilo que se chama de “dual-listing”, ou cotação dual. Um pouco como o próprio presidente executivo da Merlin, o espanhol Ismael Clemente, que quis falar em português na sua intervenção, já que foi perto da fronteira com Portugal que cresceu (já Isabel Ucha optou pelo inglês, ainda que tentando arranhar o espanhol no início).
A cotação dual não é uma novidade em Lisboa, mas não é algo que tenha uma história de sucesso no mercado bolsista do país. A Espírito Santo Financial Group e o Banco Popular Espanhol são alguns desses exemplos, a que se soma a Sacyr Vallehermoso e a Europac. Houve também o Santander que, com 22%, é o principal accionista da Merlin Properties e regressa assim ao mercado português, ainda que indiretamente.
Atualmente, só há uma empresa neste modelo de dual listing: a própria Euronext.
João Cristina, responsável da Merlin em Portugal, e Ismael Clemente, CEO da Merlin
Nuno Botelho
Merlin já tem 1% de investidores portugueses
O objectivo que está por trás da cotação dupla é o aumento da visibilidade no mercado português, onde a imobiliária já está presente – Portugal representa 9% do rendimento obtido pela empresa. A empresa quer também alargar e diversificar a base dos seus investidores. Terá custos que o seu presidente, Ismael Clement, acredita que serão compensados com o aumento do número de investidores que terão aqueles títulos a trocar de mãos.
Além disso, diminuirá os encargos da fatia de 1% de acionistas que são investidores de Portugal.
Questionado sobre a dimensão dos encargos, Ismael Clemente não quis avançar nenhuma magnitude, ainda que assuma que pode perder dinheiro com esta decisão - afinal, há taxas de supervisão que terá de pagar em Portugal, como já paga em Espanha.
Entrada no restrito PSI-20
A cerimónia que marca a admissão à cotação da Merlin é um passo que representa uma dinamização do mercado nacional que tem diminuído de dimensão, após as derrocadas de empresas que deixaram investidores com perdas relevantes (BES, Banif, PT) e que tem um reduzido peso internacional (o índice que serve de referência para a bolsa portuguesa, o PSI-20, nem tem 20 empresas). Aliás, esta admissão pode até ajudar a eliminar esse problema.
Apesar de já fazer parte do índice espanhol IBEX 35 desde o final de 2015, a empresa, com uma valor de mercado de 5,8 mil milhões de euros (12,41 euros por ação), poderá vir a integrar o PSI-20. É em março que há uma revisão das empresas que lá estão mas, para acontecer, é preciso cumprir limites.
Isabel Ucha explicou que é preciso que, além da capitalização bolsista relevante tenha também liquidez. Ou seja, é preciso que haja troca de acções relevante. “Vai depender do interesse dos investidores. Eu teria todo o gosto”, assumiu.
Os dividendos são uma das formas usadas com que a Merlin Properties espera atrair investidores. A Merlin é aquilo que, na legislação espanhola, se chama SOCIMI, equivalente aos americanos REIT e às recém-criadas portuguesas SIGI – sociedades de investimento e gestão imobiliária. Empresas que são obrigadas a um pagamento de dividendos generoso. A Merlin vem sob o regime espanhol Socimi e não sob as portuguesas SIGI. Não há, para já, intenção de fazer essa transição no mercado português, mas a bolsa portuguesa olha com entusiasmo para as possibilidades.
Mas, como referido, Isabel Ucha acredita que esta cotação pode trazer mais empresas, nomeadamente SIGI. Mas não é a única razão: pouco depois da hora de tocar o sino, Isabel Ucha, a presidente da Bolsa nacional, disse haver mais dois factores que a deixavam satisfeita com esta vinda da Merlin. Ponto um: “A decisão mostra o compromisso da empresa e da sua liderança em Portugal”. Ponto 2: “Mostra a confiança nos investidores portugueses. É um novo instrumento para investidores portugueses, para estar exposto ao imobiliário, que gere rendimento”.
O sino da sua chegada já tocou. Até tocou duas vezes – a segunda para as fotografias que falharam à primeira. Agora, espera-se na Euronext que a Merlin lance mesmo um feitiço com efeitos positivos para o mercado nacional.