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“The Boys” ganhou um spin-off: “Gen V” é como se os “Morangos com Açúcar” fossem escritos por Charles Bukowski

London Thor no papel de Jordan Li — homem que muda para mulher e vice-versa —, que partilha com o ator Derek Luh
London Thor no papel de Jordan Li — homem que muda para mulher e vice-versa —, que partilha com o ator Derek Luh

O idealismo dos jovens, que ainda não sabem de que lado querem estar, é estranho para quem ficou fã da brutalidade da série original. No fundo, se “The Boys” não existisse, “Gen V” podia muito bem ser um falhanço

José Paiva Capucho

Faz mais de sete anos desde que Donald Trump, na altura candidato à Presidência dos Estados Unidos da América, que acabou por vencer, disse que “podia dar um tiro a alguém e que não perdia votos”. Faz mais de um ano que Homelander — da série “The Boys”, o super-herói que se tornou um dos melhores vilões alguma vez criados em televisão, matou, em praça pública, um protestante que atirou uma lata contra o seu filho, no último episódio da terceira temporada. Tanto Trump como Homelander acabaram ovacionados pelos seus fãs.

Estamos em 2023 e o mundo está diferente, para pior: guerra, um conturbado pós-pandemia e latas de tinta contra ministros, dizem-nos que é cada vez mais difícil a realidade não imitar a ficção. O ódio está nos píncaros, a raiva serve-se a escaldar. Uma geração inteira com medo de não ter planeta que grita com a geração anterior. Ainda não é sabida a data de estreia da 4ª temporada desta sátira aos franchises de super-heróis que se tornou uma série de culto, baseada nos comics com o mesmo título, da Amazon Prime. A sátira tornou-se norma, como mandam as práticas da Marvel e da DC, e, por isso, esta sexta-feira estreou-se “Gen V”, spin-off de “The Boys”, sobre a Universidade Godolkin, escola que forma a próxima geração de super-heróis que poderá ocupar o próximo lugar nos Sete ou, no mínimo, no mundo do espetáculo. A violência explícita e o humor pervertido não saíram do guião, mas a adolescência das novas personagens trouxe demasiado sentimentalismo. Como se os “Morangos com Açúcar” fossem escritos pelo Charles Bukowski, com marionetas e pénis a rebentar à mistura. O idealismo dos jovens, que ainda não sabem de que lado querem estar, é estranho para quem ficou fã da brutalidade da série original. No fundo, se “The Boys” não existisse, “Gen V” podia muito bem ser um falhanço.

Afinal, já todos sabíamos que estes humanos com poder extraordinário eram “criados em laboratório” através da injeção do “Composto V” e é esse o segredo que o grupo principal procura: Marie Moreau (Jaz Sinclair), órfã que matou os pais com a sua potente manipulação de sangue, Jordan Li (London Thor e Derek Luh), homem que muda para mulher e vice-versa de uma força de 30 planetas, Andre Anderson (Chance Perdomo), que manipula matéria e é manipulado pelo pai, ex-super-herói, ou Cate Dunlap (Maddie Philips), com mãos que mudam mentes — literalmente. Os alunos desta universidade podem tirar um curso de crime ou de artes, ouvir palestras de outras glórias ou fazer pistas de gelo no meio do corredor — “somos super-heróis, podemos tudo” —, mas este grupo só quer a verdade e toda a verdade. A corrupção e a maldade ainda não os atingiu, que pena. A pressão de entrar para o ranking dos melhores, qual quadro de honra baseado sobretudo nas redes sociais, até atrapalha, mas o que se passa nas catacumbas da universidade (A Floresta) interessa muito mais. Tudo porque o Golden Boy (Patrick Schwarzenegger), atleta topo de gama envolto em chamas, o próximo escolhido dos Sete e o mais promissor aluno de Godolkin, resolveu suicidar-se nos céus. Sem antes anunciar que o seu irmão, Sam, ainda mais poderoso e um psicopata fofinho em construção, que teria tido o mesmo destino, estava afinal bem vivo e preso na Floresta.

Se em “The Boys” os humanos chefiados por Billy Butcher (Karl Urban) querem acabar com a multimilionária empresa e criadora de super-heróis Vought, em “Gen V”, a humana Indira Shetty (Shelley Conn), diretora da universidade, quer acabar com a Vought e os seus pupilos todo-poderosos. A invencibilidade encontrou finalmente um antídoto: um vírus que os infeta em exclusivo. A vingança fria depois de Homelander matar o marido e a filha, ao deixar um avião à pinha de pessoas cair.

Como a narrativa já é praticamente conhecida, dando pistas para o que será a 4ª temporada de “The Boys”, o spin-off perde também tempo a brincar com os estereótipos de jovens de agora. Jordan Li, por exemplo, poderá representar as pessoas não binárias, mas nada mais do que isso já que a secura que a sua personalidade provoca faz abrir a boca de sede. Tem pouca ou nenhuma profundidade. Emma Meyer (Lizze Broadway) é outra história. A frenética colega de quarto Marie consegue mudar de tamanho, fruto de um aparente distúrbio alimentar. Quanto mais vomita, mais pequena fica, poder que usa para se tornar viral ou ser usada por homens com problemas de tamanho de pénis. O bullying que sofre só é ultrapassado quando descobre que pode ficar gigante, tornando-se na alma da festa. Sátira no ponto sobre um problema que afeta milhares de jovens pelo mundo inteiro. Confessa-se “louca”, razão para se apaixonar por Sam, o irmão em cativeiro de Golden Boy, virgem, que ouve e vê marionetas e parte braços como quem quebra uma bolacha ao meio. O par é doce e cómico, deixando o espectador sempre à espera, como “The Boys” nos ensinou, que algo de terrivelmente gráfico e violento aconteça.

Ainda que a diretora Indira seja a vilã de serviço, nunca chega aos calcanhares de outros. Nem Cate, apanhada a manipular o namorado morto e os amigos, é verdadeiramente má. Nem Rufus (Alexander Calvert), um pervertido telepata, duas condições para criar pânico e ódio, mete medo ao susto. O assustadoramente divertido é ver o seu pénis inchado a rebentar. Não é a adolescência o lugar primário da violência? Sim, ficou na gaveta. “Gen V” acaba por falhar também aí, segura-se ao tentar copiar o original. Basta olhar para Tek Knight (Derek Wilson) que entra a meio para filmar um episódio do seu programa de crime, “The Whole Truth”. Ex-aluno, convencido, arrogante, detetor de mentiras sobre-humano, personagem impecável para todos os que veem na exploração da desgraça alheia uma forma de viver nas notícias. Dura pouco mais de um episódio, acaba desmascarado por Indira, com um vídeo do apresentador a penetrar vários objetos e produtos, de donuts a crânios de cadáveres. Poucochinho.

No fim, “Gen V” termina a dar força a uma das personagens vitais da 4ª temporada de “The Boys”: senadora Victoria Neuman (Claudia Doumit), agora candidata à vice-presidência dos EUA. Sabe-se que tem o “composto V” nas veias e partilha a mesma história de Marie: matou os pais e consegue rebentar cabeças. E que além de um lugar na Casa Branca quase no papo, pode fazer o que quiser com o vírus que mata os da sua espécie. Um spin-off para encher a barriga de misérias, mas o que queremos mesmo é o Homelander de volta. Não há geração V que valha tanto como a dele.

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