Transformada em série, a saga de um rapaz que tenta driblar o destino através do tráfico de cocaína, “Rabo de Peixe” conta a macabra história de um povoado micaelense “através de valores universais”, com dilemas e conflitos comuns aos do espectador. Na inspiração surge um poema de Galeano, que Augusto Fraga leu a José Condessa, para lhe justificar a opção de um jovem ninguém pelo perigo do tráfico como escape ao fatalismo da miséria: “As pulgas sonham com comprar um cão, e os ninguéns em deixar a pobreza, que nalgum dia mágico a sorte chova de repente, que chova a boa sorte a cântaros; mas a boa sorte não chove ontem, nem hoje, nem amanhã, nem nunca, nem uma chuvinha cai do céu da boa sorte, por mais que os ninguéns a chamem e mesmo que a mão esquerda coce, ou se levantem com o pé direito, ou comecem o ano mudando de vassoura. Os ninguéns: os filhos de ninguém, os donos de nada (…) que custam menos do que a bala que os mata”.
Após 20 milhões de horas de reprodução em televisões espalhadas por todo o planeta, a produção avança para uma segunda temporada e o realizador desvenda eventuais caminhos a desbravar.
A vida de Augusto Fraga tem dois momentos? O antes e o depois dos créditos em “Rabo de Peixe”…
Não me deslumbro, de todo. Gosto mais de escrever séries do que falar sobre séries. A pressão mediática incomoda-me, prefiro sentar-me a escrever e a filmar, do que a aparecer em jornais. Aceito uma bandeira que nunca foi um objetivo, mas não me influencia muito, tudo passa, tanto os elogios, como as críticas. Já ganhei centenas de prémios na área da publicidade. “Rabo de Peixe” é só uma série, a pausa no final do dia. Os professores nas escolas, os investigadores nas universidades, os médicos ou os polícias realizam um trabalho muito mais importante.
A série recebeu críticas ferozes e colheu rasgados elogios. Detratores acusam a falta de problematização e de atores micaelenses. Outros estão encantados pela repercussão internacional e pela modernidade narrativa… Como interpreta as reações?
As críticas dos pares são válidas. Eu não opino sobre uma cirurgia, o debate é interessante, mas há as críticas dos conhecedores e há as opiniões. Os jornais também se enganam e têm paradigmas que filtram opiniões por visões específicas do mundo. Quando se lamenta que os atores não tenham pronúncia micaelense, é absurdo pensar “Rabo de Peixe” com atores do arquipélago. Sou natural de São Miguel e quando estudei no continente lembro-me das paródias ao sotaque. O micaelense não é aprendido em seis meses ou num ano, a opção era a caricatura, como a pronúncia alentejana nos malucos do riso. O desconhecimento é grande. Desafio os jornalistas portugueses a nomearem as nove ilhas. É injusto argumentarem que os escritores não aprofundaram a cultura açoriana, é pequenino, surreal. Simultaneamente, são incontáveis os artigos positivos e as mensagens de apoio à série. Muitas produções televisivas de sucesso receberam críticas da imprensa. “Rabo de Peixe” não é uma série tão boa, nem tão má, como dizem.
Concorda que a série contribuiu para relativizar um drama social?
Não sou assistente social para avaliar o impacto da série. Contacto a associação “Arrisca”, de apoio social em Ponta Delgada. O Francisco Lopes, um dos envolvidos no guião, é psicólogo nessa organização. A visão deles é diferente. Quem foi realmente afetado pelo evento, os familiares e as vítimas veem-se de outra perspetiva, sentem-se mais humanos. Assumi uma responsabilidade quando chamei à série “Rabo de Peixe” e caso haja um impacto positivo fico feliz. O turismo e o negócio aumentaram.
Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: clubeexpresso@expresso.impresa.pt