
Bernstein, maestro, compositor, pedagogo da música, num filme exaltante, história de amor para ver em cinema. Em estreia esta quinta-feira nas salas portuguesas, segue depois para a Netflix
Bernstein, maestro, compositor, pedagogo da música, num filme exaltante, história de amor para ver em cinema. Em estreia esta quinta-feira nas salas portuguesas, segue depois para a Netflix
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Eis que chega “Maestro”, um filme sobre Leonard Bernstein e a história de amor que manteve com Felicia Montealegre, com quem casou, teve filhos, foi leal e continuadamente infiel. Homem de uma só mulher e muitos amantes masculinos, Bernstein é apresentado como alguém vorazmente vivo e que sugou tudo e todos para a sua energia criativa em inúmeros territórios: maestro, compositor de música clássica e ligeira, ímpar divulgador musical (lendários os seus Concertos para Jovens), autor de livros…
Ao mesmo tempo, uma figura sempre simpática para o espectador, apesar das contradições e dos danos que provoca. Mérito de um filme que toca em temas fulcrais das relações humanas, centrado em dois atores extraordinários: Carey Mulligan e Bradley Cooper. Tinha-se percebido, com “Assim Nasce uma Estrela” onde se estreou como realizador, que Cooper era um cineasta a seguir com muita atenção. Mas nem esse tonificante começo como autor total (realizador, produtor, coargumentista e ator protagonista) nos preparou para o impacto que “Maestro” deixa.
As coisas ribombam logo no início. Primeiro com a cena intimista em que um Bernstein envelhecido e de voz nasalada confessa, em entrevista para a televisão, a solidão e a falta que a presença da falecida mulher lhe provoca. Filmada a cores, em modo sereno, é comovente e ganha, logo ali, a empatia do espectador. Depois há um óbvio corte formal (a imagem passa a preto e branco), correspondente a um corte no tempo, e vemos o jovem Bernstein no quarto a receber uma chamada telefónica.
É manhã de 14 de novembro de 1943, data que os anais da New York Philharmonic guardarão para sempre. Estão a comunicar-lhe que o maestro titular da orquestra está indisponível e que ele tem de o substituir, sem sequer ter tempo para ensaiar. Foi a primeira vez que o futuro divo dirigiu aquela prestigiada formação, dando início a algo que parecia impossível: um americano, ainda por cima judeu, à frente da mais importante orquestra do país (lugar que obteria em permanência de 1958 a 1969).
Nessa cena, entre o telefonema e o palco, o cinema brilha. Bernstein, exultante, abre os braços, faz um breve tamborilar nas nádegas nuas do homem deitado na cama a seu lado, salta em frente e avança, num daqueles planos-sequência factualmente impossíveis, mas cinematicamente exaltantes, num movimento que o conduz até à noite gloriosa. É um bocadinho exibicionista, quase demasiado? É. Mas é prodigioso e — talvez mais importante — em perfeita adequação com o modo de agir, a sedução e a húbris do personagem. Ou seja, a forma cinematográfica (e não apenas os atores e a história) tem uma especificidade significante.
Há outros momentos do filme em que o mesmo mecanismo é posto em marcha (estou a lembrar-me da impossível ligação entre uma conversa em que aconselham Bernstein a deixar-se de música ligeira e a cena em que o compositor e a mulher dançam no interior de um número musical do que viria a ser “On the Town”). Todavia, não se pense que “Maestro” é todo construído em modo extravagante, longe disso.
Bradley Cooper também é capaz de dramaticidade e de intimidade fraturante. Exemplos: a cena em que Bernstein apresenta a mulher por quem se diz apaixonado ao jovem amante que acabou de largar, em que, por milimétricas expressões, cruzamos várias emoções; ou a cena onde mente à filha sobre a sua vertente homossexual, em que, de súbito, há todo um peso social que se revela, todo um narcisismo que se sublinha. Melhor que tudo: “Maestro” é denso, trata de um modo adulto as complexidades do desejo e dos afetos, tem uma dinâmica que consegue ser muito divertida, está temperado com bastos pingos de tristeza.
Nota final: se o leitor quiser detalhar vida e obra de Leonard Bernstein, melhor comprar livros, uma biografia, testemunhos, há muita coisa publicada, até as cartas. “Maestro” não é uma sequência de eventos, é um filme. Um grande filme, por sinal.
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