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Comissão do 25 de Abril publica “Encontro dos Liberais”: leia aqui o capítulo “Os cinco processos de Balsemão no arquivo da PIDE/DGS”

Marcelo Rebelo de Sousa, Francisco Pinto Balsemão e Augusto Carvalho, numa reunião aquando do lançamento do Expresso
Marcelo Rebelo de Sousa, Francisco Pinto Balsemão e Augusto Carvalho, numa reunião aquando do lançamento do Expresso
Arquivo Expresso

Estará disponível a partir de 27 de agosto o livro “Encontro dos Liberais, 1973: 50 Anos Depois”, publicado pela Comissão Comemorativa dos 50 anos do 25 de Abril em parceria com a Imprensa Nacional Casa da Moeda. A obra foi coordenada pelo historiador António Araújo e tem textos do próprio, de Tiago Fernandes, Rita Almeida de Carvalho e João Francisco Pereira, Ana Paula Pires e Joana Reis. Apresentamos aqui, em pré-publicação, o capítulo assinado por José Pedro Castanheira, antigo jornalista do Expresso

Os Cinco Processos de Balsemão no Arquivo da PIDE/DGS

Francisco Pinto Balsemão teve direito a cinco processos na PIDE/DGS (quatro individuais e um coletivo). O mais antigo foi aberto em 1958, quando tinha apenas vinte anos. A partir de 1969, antes ainda de ser deputado liberal pelo partido único, e quando começou a trabalhar no lançamento do Expresso, a polícia política criou novos dossiês, que engordaram com cópias de muitas cartas e numerosos recortes de jornais.

O principal dossiê tem 137 folhas e foi aberto em abril de1969. Os dois documentos mais interessantes relacionam-se com o advogado socialista Mário Soares e com o general António de Spínola. O de Soares é uma fotocópia de uma carta para Balsemão, escrita em Paris a 25 de maio de 1973, mas que o conhecido oposicionista, então exilado em França, colocou num envelope do hotel Menfis, de Madrid, numa aparente tentativa de enganar a polícia política. Era uma resposta a um inquérito do Expresso sobre o alcance do golpe de 28 de Maio de 1926, que viria a implantar a ditadura militar.

A acompanhar o depoimento, Soares escreveu a Balsemão (que tratava por “caro amigo”) um texto manuscrito, com dois pedidos: "no caso de haver cortes, peço-lhe que não deixe sair nada"; por outro lado, solicitava que "acuse a receção, dado que as minhas cartas são frequentemente intercetadas". Soares terminava com uma óbvia cumplicidade política: "quando vier a Paris, não deixe de me visitar. Gostaria muito de conversar consigo".

Essa cumplicidade nascera logo no primeiro encontro entre os dois homens, proporcionada por um amigo comum: Raul Rêgo, jornalista como Balsemão, mas do vespertino República, e socialista como Soares. Fora na passagem de 1968 para 1969, após o regresso deste da deportação em São Tomé, no decorrer de um almoço num restaurante em Lisboa. “Conversámos muito, e acho que gostámos um do outro”, conta Balsemão nas suas Memórias. "Quando nos despedimos, pareceu-me ter-se criado um ambiente de confiança recíproca."

Dias depois, Balsemão recebeu no Diário Popular, de que era administrador, uma carta em papel timbrado "escrita à mão com uma letra parecidíssima com a de Mário Soares, na qual ele praticamente me insultava". Espantado e indignado, Balsemão quis “pôr tudo a claro imediatamente”. Telefonou a Soares e confrontou-o: “Mas o que é isto? O almoço correu tão bem e agora você escreve-me uma carta insultuosa?” Estupefacto, o socialista negou ter-lhe escrito o que quer que fosse e foi ter com Balsemão ao jornal, onde tudo se esclareceu. O que se passara, afinal? "A PIDE tinha-nos visto a almoçar juntos no restaurante Vera Cruz e forjou uma carta para lançar imediatamente a discórdia e tentar acabar com uma amizade que estava a nascer."

Mas que dizia Soares no seu depoimento ao Expresso? O questionário, de duas breves questões, fora-lhe ditado pelo telefone por um jornalista que ele não identifica. Na resposta, qualificava o “regime saído do 28 de Maio” como um "Fascismo sui generis — sem um partido de massas, sem excessivos apelos à demagogia social e essencialmente conservador", e que, "com adaptações e denegações sucessivas, haveria de deter a evolução natural das forças vivas e progressivas do País, por várias décadas".

Para o general Spínola, Balsemão enviou um telegrama a solicitar igualmente um depoimento. Foi no verão de 1973, com o objetivo de esclarecer quatro “boatos” que haviam circulado recentemente sobre a grave situação militar na Guiné. Eram eles a “preparação urgente” de um plano de “evacuação” do território; a “paralisação total” do tráfego aéreo (devido à utilização pela guerrilha inimiga do PAIGC dos temíveis mísseis terra-ar Strella, de fabrico soviético, causa no entanto não mencionada); o facto de “a deslocação de militares” entre Lisboa e a Guiné voltar “a fazer-se de barco” e não de avião; e, por último, os “contactos frequentes” do governador da Guiné com dirigentes dos “países limítrofes” — uma alusão ao encontro que Spínola tivera com o Presidente do Senegal, Léopold Senghor, que no entanto não era referido.

O recurso ao telegrama era explicado pelas “dificuldades” nas ligações telefónicas entre Lisboa e Bissau. O texto enfatizava: “Penso seria vantajoso desmentir eventual falsidade” daqueles rumores. O telegrama foi enviado da estação dos CTT do Largo do Rato, onde a DGS fez uma fotocópia, e findava com Balsemão a enviar ao general "respeitosos e afetuosos cumprimentos".

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