Cultura

Argumentistas dos EUA entram na segunda semana de greve. Muitos problemas "são semelhantes" aos dos portugueses, que vivem em "precariedade"

Argumentistas dos EUA entram na segunda semana de greve. Muitos problemas "são semelhantes" aos dos portugueses, que vivem em "precariedade"
CAROLINE BREHMAN

Mais manifestações diárias, ao longo de toda a semana, em vários locais dos Estados Unidos, vão marcar a segunda semana de greve dos argumentistas norte-americanos por melhores condições de trabalho. "Apesar da diferença de escala, muitas das questões levantadas são semelhantes à nossa realidade”, onde reina “há anos a precariedade”, diz a associação portuguesa do sector

Nos Estados Unidos “os argumentistas são regidos pelas leis do trabalho, e não por um código de direitos de autor, como em Portugal”, explica a Associação Portuguesa de Argumentistas e Dramaturgos (APAD). Ou seja, “os direitos são totalmente de quem os contrata”, diz a Associação que, juntamente com a Federação de Argumentistas Europeus, se solidarizou com a luta da Writers Guild of America (WGA).

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Os protestos, que começaram na terça-feira da semana passada, em frente às instalações da produtora Peacock, em Nova Iorque, estenderam-se a outras cidades e visaram mais empresas, como a Netflix, alvo de uma manifestação junto aos escritórios em Los Angeles. A paralisação diária já interrompeu a produção de programas noturnos como “Jimmy Kimmel live” ou “The Late Show”, dos quais têm estado a ser exibidas repetições, e pôs em causa a continuidade de várias séries, como “Abbott Elementary”, “Big Mouth”, “Cobra Kai” ou “Yellowjackets”.

MARIO ANZUONI

Em Portugal, um dos grandes problemas é o dos “contratos leoninos” de cedência de direitos de autor, que retiram aos argumentistas uma “justa proporcionalidade dos orçamentos e lucros" dos filmes ou séries. Mesmo em projetos longos, os recibos verdes são “o vínculo laboral que a esmagadora maioria dos argumentistas conhece no nosso país”. “Esta precariedade é algo com que convivemos há anos e que obviamente é prejudicial à profissionalização e excelência do ofício”, esclarece a Associação.

Em relação à influência dos softwares de produção textual, o primeiro passo será “conhecer a tecnologia” e compreender que a qualidade dos conteúdos gerados por inteligência artificial “depende das bases de dados que são extraídas de conteúdos gerados por pessoas”. Esta discussão tem de ser “encarada tanto nas suas ramificações profissionais, como éticas e legislativas”, sublinha.

“Acreditamos que não há ficção sem humanidade, e até ao dia em que pudermos ensinar essa humanidade às máquinas, não ficaremos nós, humanos, obsoletos."

O modo como funciona o mercado do streaming é um dos motivos de descontentamento dos argumentistas americanos. A Associação portuguesa diz que isto se deve ao “modelo de buy-out”. Há um pagamento único pelos direitos, sem distribuição de percentagem de lucros ("residuals", nos EUA, ou “direitos conexos”, em Portugal), consoante se trate de televisão ou de cinema.

O alcance e a pluralidade permitidos por estas plataformas online “tem de ser encarado como algo positivo”, mas tem de haver o “devido reconhecimento moral e financeiro para com os criadores destas histórias, os argumentistas”, que conseguiram “elevar os padrões de qualidade” e criar histórias que podem ser vistas em qualquer ponto do globo, explica a Associação.

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A APAD considera já estar a ser atingido o “objetivo primário”: trazer para a discussão pública o trabalho de um argumentista, mostrando a sua importância “não só dentro da indústria como na sociedade”. Tal como aconteceu aquando da greve de 2007-2008, esperam que também esta seja “um momento de viragem” que permita “um ambiente estável e recompensador” para que os argumentistas façam o seu trabalho e “impulsionem novamente a arte de contar histórias”.

“Somos nós que trabalhamos para criar as histórias que nos fazem sonhar e nos permitem dar algum sentido a um mundo por vezes caótico.”

David Carvalho, texto editado por José Cardoso

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