Cultura

Greve dos argumentistas em Hollywood já fez estragos: talk-shows estão suspensos e sobrevivem com repetições

Greve dos argumentistas em Hollywood já fez estragos: talk-shows estão suspensos e sobrevivem com repetições
David McNew/GETTY
Argumentistas de Hollywood iniciaram uma greve nesta terça-feira, dia 2 de maio, que já está a ter consequências negativas para a indústria. Protesto teve início depois de o sindicato do Writers Guild of America (WGA) ter falhado um acordo remuneratório com Hollywood

Não escrever, não rever, não apresentar ideias ou negociar com as mais de 350 empresas de cinema e televisão representadas pela Aliança de Produtores de Cinema e de Televisão (AMPTP) – são estes os termos da greve dos argumentistas que teve início esta terça-feira nos Estados Unidos (EUA) e que já está a ter consequências.

O próximo “The Tonight Show", de Jimmy Fallon, será uma repetição de um episódio de abril, noticia o “New York Times”, citando um comunicado emitido esta terça-feira pela National Broadcasting Company (NBC). Também o “Late Night", de Seth Meyers, cancelou um episódio no qual haveria uma entrevista com a atriz Rachel Weisz, substituindo-o por uma gravação de fevereiro.

Novos episódios de programas apresentados por Stephen Colbert e Jimmy Kimmel também foram suspensos. O “Saturday Night Live” cancelou um novo episódio agendado para o fim de semana, que seria apresentado por Pete Davidson, e o “The Daily Show” vai começar a apresentar episódios antigos a partir de terça-feira, noticia a CNN. É incerto quanto tempo vai durar esta interrupção: os programas vão apresentar repetições “até nova informação”, relata a NBC.

Seth Meyers, apresentador do programa noturno da NBC, sublinhou, que “isto não afeta apenas os argumentistas. Afeta toda a equipa incrível desses programas. E isso seria algo dramático para essas pessoas, especialmente tendo em conta a horrível pandemia pela qual acabámos de passar".

De acordo com o New York Times, se a greve se prolongar, os espetadores vão notar uma queda nas séries televisivas daqui a uns meses. No entanto, a indústria dos filmes, que normalmente trabalha com um a três anos de antecedência, apenas será afetada com uma eventual greve muito mais longa.

Dos salários à inteligência artificial

Pela primeira vez em 15 anos, o Writers Guild of America (WGA) – sindicato norte-americano que representa 11500 argumentistas de Hollywood – entra em greve, após as negociações com AMPTP terem falhado. Na greve de 2007, que teve mais de um mês de duração, a indústria audiovisual norte-americana teve um prejuízo de 2,1 mil milhões de dólares (1,91 mil milhões de euros) e 37 mil profissionais foram despedidos.

Os argumentistas exigem mudanças relacionadas com as suas condições de trabalho, estrutura de compensações e regulação da inteligência artificial (IA).

O sindicato reivindica 600 milhões de dólares (546,2 milhões de euros) em aumentos nos salários e outros benefícios. Segundo a organização, é necessário aumentar a compensação, que tem sido reduzida pelas plataformas de “streaming”, que alguém da equipa recebe sempre que o produto volta a ser transmitido em televisão.

Apesar da produção em televisão ter crescido na última década, os argumentistas queixam-se que a sua remuneração estagnou. O WGA diz que o sistema atual está falido e acrescenta que “a sobrevivência da escrita como profissão está em jogo nesta negociação”.

Os profissionais queixam-se também das chamadas “mini-rooms”, que consistem num grupo pequeno de argumentistas que são contratados por estúdios antes de um show ser oficialmente anunciado. Como as “mini-rooms” não são formais, os estúdios usam isso como argumento para pagar menos.

SHANNON STAPLETON

Portugueses solidários

A greve “é má para toda a indústria, mas um passo necessário”, confessaram alguns portugueses à Lusa.

O argumentista Mário Carvalho diz que, devido à passagem da televisão tradicional para o “streaming”, “os pagamentos residuais desapareceram completamente”. É através desses pagamentos que estes profissionais continuam a receber receitas de filmes ou séries em que trabalharam. Mário Carvalho explica que “argumentistas, realizadores e atores fazem filmes de 'x' em 'x' anos mas têm que sobreviver no entretanto. Esses pagamentos residuais eram uma grande fonte de rendimento”.

Questionada sobre se concorda com a greve, a atriz Kika Magalhães realça que sim, já que os argumentistas “estão a ser muito mal pagos”. "Tem de ser feito, as pessoas têm de ser recompensadas pelo seu trabalho e não ser só os executivos no topo a ficarem com o dinheiro", acrescenta. "Em termos de 'castings' [audições] não há nada, não há audições nem trabalho", refere a atriz.

Também o argumentista Filipe Coutinho, membro da Academia Portuguesa de Cinema, diz estar em solidariedade com a WGA, pois “em questão está a sobrevivência do futuro da escrita como uma carreira viável”. Considera que “o problema principal é que os escritores têm sido cada vez mais desvalorizados, sendo forçados a trabalhar mais ou menos”.

David Carvalho, editado por Ricardo Marques

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