Não escrever, não rever, não apresentar ideias ou negociar com as mais de 350 empresas de cinema e televisão representadas pela Aliança de Produtores de Cinema e de Televisão (AMPTP) – são estes os termos da greve dos argumentistas que teve início esta terça-feira nos Estados Unidos (EUA) e que já está a ter consequências.
O próximo “The Tonight Show", de Jimmy Fallon, será uma repetição de um episódio de abril, noticia o “New York Times”, citando um comunicado emitido esta terça-feira pela National Broadcasting Company (NBC). Também o “Late Night", de Seth Meyers, cancelou um episódio no qual haveria uma entrevista com a atriz Rachel Weisz, substituindo-o por uma gravação de fevereiro.
Novos episódios de programas apresentados por Stephen Colbert e Jimmy Kimmel também foram suspensos. O “Saturday Night Live” cancelou um novo episódio agendado para o fim de semana, que seria apresentado por Pete Davidson, e o “The Daily Show” vai começar a apresentar episódios antigos a partir de terça-feira, noticia a CNN. É incerto quanto tempo vai durar esta interrupção: os programas vão apresentar repetições “até nova informação”, relata a NBC.
Seth Meyers, apresentador do programa noturno da NBC, sublinhou, que “isto não afeta apenas os argumentistas. Afeta toda a equipa incrível desses programas. E isso seria algo dramático para essas pessoas, especialmente tendo em conta a horrível pandemia pela qual acabámos de passar".
De acordo com o New York Times, se a greve se prolongar, os espetadores vão notar uma queda nas séries televisivas daqui a uns meses. No entanto, a indústria dos filmes, que normalmente trabalha com um a três anos de antecedência, apenas será afetada com uma eventual greve muito mais longa.
Dos salários à inteligência artificial
Pela primeira vez em 15 anos, o Writers Guild of America (WGA) – sindicato norte-americano que representa 11500 argumentistas de Hollywood – entra em greve, após as negociações com AMPTP terem falhado. Na greve de 2007, que teve mais de um mês de duração, a indústria audiovisual norte-americana teve um prejuízo de 2,1 mil milhões de dólares (1,91 mil milhões de euros) e 37 mil profissionais foram despedidos.
Os argumentistas exigem mudanças relacionadas com as suas condições de trabalho, estrutura de compensações e regulação da inteligência artificial (IA).
O sindicato reivindica 600 milhões de dólares (546,2 milhões de euros) em aumentos nos salários e outros benefícios. Segundo a organização, é necessário aumentar a compensação, que tem sido reduzida pelas plataformas de “streaming”, que alguém da equipa recebe sempre que o produto volta a ser transmitido em televisão.
Apesar da produção em televisão ter crescido na última década, os argumentistas queixam-se que a sua remuneração estagnou. O WGA diz que o sistema atual está falido e acrescenta que “a sobrevivência da escrita como profissão está em jogo nesta negociação”.
Os profissionais queixam-se também das chamadas “mini-rooms”, que consistem num grupo pequeno de argumentistas que são contratados por estúdios antes de um show ser oficialmente anunciado. Como as “mini-rooms” não são formais, os estúdios usam isso como argumento para pagar menos.
Portugueses solidários
A greve “é má para toda a indústria, mas um passo necessário”, confessaram alguns portugueses à Lusa.
O argumentista Mário Carvalho diz que, devido à passagem da televisão tradicional para o “streaming”, “os pagamentos residuais desapareceram completamente”. É através desses pagamentos que estes profissionais continuam a receber receitas de filmes ou séries em que trabalharam. Mário Carvalho explica que “argumentistas, realizadores e atores fazem filmes de 'x' em 'x' anos mas têm que sobreviver no entretanto. Esses pagamentos residuais eram uma grande fonte de rendimento”.
Questionada sobre se concorda com a greve, a atriz Kika Magalhães realça que sim, já que os argumentistas “estão a ser muito mal pagos”. "Tem de ser feito, as pessoas têm de ser recompensadas pelo seu trabalho e não ser só os executivos no topo a ficarem com o dinheiro", acrescenta. "Em termos de 'castings' [audições] não há nada, não há audições nem trabalho", refere a atriz.
Também o argumentista Filipe Coutinho, membro da Academia Portuguesa de Cinema, diz estar em solidariedade com a WGA, pois “em questão está a sobrevivência do futuro da escrita como uma carreira viável”. Considera que “o problema principal é que os escritores têm sido cada vez mais desvalorizados, sendo forçados a trabalhar mais ou menos”.
David Carvalho, editado por Ricardo Marques
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