João Paulo Borges Coelho, escritor moçambicano condecorado por Marcelo Rebelo de Sousa, alerta para a desvalorização das palavras
“Quando os teatros são bombardeados, a cultura tem uma palavra muito frágil”, mas o historiador e escritor João Paulo Borges Coelho ainda acredita que a cultura tem um papel a desempenhar num tempo em há um certo sentimento de “fim do mundo, de acaso do mundo”.
“A cultura tem o papel de nos defender, quer individualmente quer em comunidade, do absurdo que isto é e de nos lembrar que somos humanos e não uma máquina de barbárie”, defende o escritor, que foi um dos dois artistas moçambicanos condecorados este sábado pelo Presidente da República, com o grau de comendador da Ordem do Infante D. Henrique. “Foi uma surpresa. Não estava de todo à espera”, disse aos jornalistas no fim da cerimónia que decorreu no Centro Cultural Português, em Maputo.
“Foi uma honra muito grande esta distinção do meu trabalho, da literatura e da língua portuguesa que é a minha língua”, disse o escritor e historiador, nascido no Porto em 1955. Mas também um sinal de valorização da cultura nesta tempo “muito sombrio” da história em que teatros são bombardeados, como aconteceu em Mariupol, na Ucrânia, e em que “parece que as palavras já não significam aquilo que dizem”, como acontece com a guerra a que a Rússia chama intervenção militar.
Professor de História Contemporânea de Moçambique e África-Austral na Universidade Eduardo Mondlane, Borges Coelho tem-se dedicado a estudar e a escrever sobre a política da memória, a partir das guerras colonial e civil em Moçambique. Já venceu vários prémios, entre os quais o prémio Leya, em 2009, com "O Olho de Hertzog". “Estuda a realidade como historiador" e, ao mesmo tempo, "em diálogo com a realidade, é um ficcionista, um criador literário", vivendo numa "tensão constante entre a realidade e a sua recriação", descreveu Marcelo Rebelo de Sousa na cerimónia que decorreu este sábado, em que também condecorou a artista plástica Reinata Sadimba, nascida em 1945 numa aldeia da província moçambicana de Cabo Delgado
"São a afirmação, ambos, da riqueza de Moçambique. Moçambique é, de facto, uma grande nação, uma unidade feita de diversidades que se integraram e são indissociáveis", declarou o chefe de Estado português perante os dois artistas, no Camões — Centro Cultural Português da Embaixada de Portugal.
Segundo o Presidente da República, "têm em comum, primeiro, o génio criativo e, em segundo lugar, a expressão da liberdade, da afirmação da independência e da pujança e do progresso de Moçambique", ambos com "uma relação permanente entre o real e o criado".
Em nome de Portugal, o chefe de Estado agradeceu aos dois "pelas esculturas, pelos livros, pela história estudada e ensinada, pela libertação da mulher defendida".
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